CEO da Tok&Stok confirma conversas com Mobly e diz que foco é gestão de caixa

Em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea, fundadora da varejista de móveis Ghislaine Dubrule conta por que decidiu retornar ao cargo de CEO e quais os próximos passos do turnaround

Ghislaine TokStok
21 de Setembro, 2023 | 04:45 AM
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Bloomberg Línea — Depois de um primeiro semestre com dificuldades, que incluiu um pedido de falência por um fornecedor, o fechamento de 17 lojas e a reestruturação de uma dívida de R$ 350 milhões, a Tok&Stok diz que o pior momento ficou para trás e que já apresenta geração de caixa, reflexo de melhorias operacionais. Uma proposta de fusão com a concorrente Mobly (MBLY3) ainda está na mesa, disse a cofundadora e CEO da Tok&Stok, Ghislaine Dubrule, em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea.

Em agosto, a maior varejista brasileira de móveis e decoração anunciou o retorno de sua fundadora, Ghislaine Dubrule, ao cargo de CEO, depois que o fundo americano Carlyle realizou um aporte de R$ 100 milhões. A empresa de private equity é a controladora da Tok&Stok em conjunto com a SPX Capital.

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A nova CEO da Tok&Stok disse que a companha tem “tudo para virar o jogo” e admitiu, pela primeira vez, que a companhia conversa com os fundadores da Mobly sobre os próximos passos, incluindo uma possível combinação de negócios.

“Temos conversas em andamento. Assim como nós já conversamos com outras empresas em outros momentos e a própria Mobly também afirma estar conversando com outros players. Mas não há nenhum acordo entre as duas empresas e nenhum avanço significativo nesse sentido por enquanto”, disse a CEO.

Rumores sobre as negociações entre as duas empresas e sobre um eventual acordo circulam pelo mercado desde o começo do ano. Em fato relevante divulgado no dia 10 de março, a Mobly informou ao mercado que teve conversas com a Tok&Stok sobre uma possível fusão. Isso ocorreu antes de a companhia concluir a reestruturação de sua dívida e de a fundadora voltar ao comando.

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Outros comunicados mais recentes da Mobly apontaram para a existência de conversas entre as empresas, mas sem que haja qualquer entendimento mais avançado para uma potencial fusão.

A decisão do Carlyle de injetar capital na tradicional rede varejista abriu caminho para o alongamento da dívida de R$ 350 milhões com alguns dos maiores bancos do país. A empresa ficou liberada de realizar pagamentos por dois anos, segundo comunicado ao mercado no fim de junho.

Segundo fontes do mercado, uma eventual fusão faria sentido do ponto de vista de sinergias - como na negociação com fornecedores - e da complementariedade de negócios: a Tok&Stok tem uma operação com foco em lojas físicas e público consumidor das classes A e B; a Mobly, uma empresa nativa digital, atende a classe C e tem uma operação omnichannel e de logística considerada mais eficiente.

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Por outro lado, há empecilhos como os termos de transação: embora a Tok&Stok seja maior em tamanho e receitas, carrega uma dívida de R$ 350 milhões, enquanto a Mobly não tem dívidas e possuía R$ 167 milhões em caixa ao fim do segundo trimestre.

“O setor varejista passa por um momento de demanda mais enfraquecida. É possível vermos grandes players revendo suas estratégias e adequando seus investimentos de acordo com o cenário atual”, avaliou a CEO da Tok&Stok sobre o contexto atual do setor de móveis, de tíquete médio mais elevado e dependência de crédito, que ficou mais caro com a alta dos juros pelo Banco Central.

Dubrule explicou que os investimentos feitos nos últimos anos não trouxeram os resultados esperados ou geraram uma pressão de caixa maior em um momento de mercado mais desafiador.

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“Nunca estivemos em risco real de falência, como relatado por alguns veículos de comunicação. Passamos por ajustes como outras empresas e isso incluiu a renegociação bem-sucedida de nossa dívida financeira, bem como a renegociação de outros contratos”, afirmou a fundadora da rede.

A Tok&Stok foi fundada em 1978 pelo casal Ghislaine e Régis, recém-chegados da França. Em 2012, a família vendeu o controle (60%) da companhia para o Carlyle por R$ 700 milhões, mas seguiu na operação.

Desde então, a companhia teve sucessivos CEOs que não conseguiram executar o plano de conduzir a empresa a uma oferta inicial de ações (IPO), como era planejado inicialmente para dar a saída ao fundo americano de private equity.

Em anos recentes, investimentos foram realizados para criar uma operação de vendas online que pudesse ser integrada ao ponto forte da Tok&Stok, as lojas físicas, mas os resultados ficaram aquém do esperado e o endividamento da empresa saiu do controle.

Leia a entrevista com a CEO da Tok&Stok, que aceitou responder às perguntas enviadas por e-mail.

A senhora é uma das fundadoras da companhia, cujo controle foi vendido há mais de dez anos. O que a motivou voltar ao comando?

Depois de seis anos longe do comando, voltar à liderança da Tok&Stok é algo mais do que especial. Ao lado de meu marido, que fundou a companhia, estive na gestão desde sua fundação e, como CEO, estive à frente de 2012 a 2017. A paixão e a retomada dessa memória afetiva que a marca carrega, ao longo de seus 45 anos, são alguns dos meus principais motivadores nessa nova fase.

Além disso, meu retorno também se dá devido à nossa estratégia voltada ao back to basics, já anunciada há alguns meses, em que desejo reforçar o nosso modelo de gestão extremamente bem-sucedido por mais de 40 anos. Meu retorno aparece em um momento em que queremos reforçar, cada vez mais, nosso foco na operação e em nossos clientes.

O mercado de móveis e decoração vai demorar a recuperar a performance de vendas?

O setor varejista passa por um momento de demanda mais enfraquecida. É possível vermos grandes players revendo suas estratégias e adequando seus investimentos de acordo com o cenário atual. O mercado de decoração teve um de seus ápices durante a pandemia, sofrendo uma queda natural posteriormente.

Estamos reavaliando os próximos passos e entendendo de que forma atrair o cliente, que, devido ao momento econômico, não apresenta alto poder de compra e ainda dá preferência às experiências do que aos bens materiais depois do período de isolamento.

Há rumores no mercado sobre uma potencial combinação de negócios com a Mobly. Procede?

Não temos nada a acrescentar além do que a Mobly já divulgou ao mercado. Temos conversas em andamento. Assim como nós já conversamos com outras empresas em outros momentos e a própria Mobly também afirma estar conversando com outros players. Mas não há nenhum acordo entre as duas empresas e nenhum avanço significativo nesse sentido por enquanto.

Um fornecedor chegou a pedir falência da companhia. Havia realmente esse risco sem o aporte do Carlyle?

Nunca estivemos em risco real de falência, como relatado por alguns veículos de comunicação. Passamos por ajustes como outras empresas também passaram e isso incluiu a renegociação bem-sucedida de nossa dívida financeira, bem como a renegociação de outros contratos.

Por fim, o aporte dos acionistas trouxe mais tranquilidade ao tornar a Tok&Stok mais equilibrada financeiramente. Agora, estamos em uma busca incessante por deixar nossa operação mais eficiente e os primeiros resultados já estão sendo muito animadores nesses primeiros meses de nova gestão.

Quais foram os fatores principais que levaram a Tok&Stok à crise financeira? Houve erro de gestão?

O agravamento financeiro da empresa foi influenciado por uma combinação de muitos fatores, incluindo desafios macroeconômicos - como economia enfraquecida, alta acelerada das taxas de juros, aumento da inflação etc. -, mas também por situações específicas do nosso setor.

Depois do aumento do consumo de móveis e artigos para a casa durante a pandemia, a demanda se inverteu rapidamente. Podemos dizer que a pandemia tornou o cenário mais complicado e incerto e isso contribuiu negativamente.

Por outro lado, podemos afirmar que os grandes investimentos que fizemos nos últimos anos não trouxeram os resultados esperados ou geraram uma pressão de caixa maior em um momento de mercado mais desafiador.

Citaria principalmente a mudança do nosso Centro de Distribuição de Jandira (SP) para Extrema (MG) e os pesados investimentos em tecnologia, objetivando uma transformação digital acelerada. De qualquer forma, o fato é que não há uma explicação única e que acreditamos que temos tudo para virar o jogo.

Qual será sua agenda de prioridades neste semestre à frente da companhia?

Meu foco principal está na gestão de caixa e na melhora da operação. Estamos centrados no desenvolvimento de frentes como simplificação de nosso organograma - já realizado -, melhoria de gestão dos processos nas lojas, eficiência operacional em nosso centro de distribuição e foco na transformação digital de maneira rentável, dando destaque à nossa presença omnichannel e utilizando sistemas ágeis e robustos para garantir a excelência em nosso atendimento.

Isso tudo sem deixar de olhar para nossa coleção, que sempre atraiu muito o público ao focar em design acessível e em soluções para toda a casa.

Qual será o papel do marketplace e seu peso na geração de caixa?

Ao longo dos últimos anos, fizemos uma importante movimentação focada no fortalecimento de nosso e-commerce e na omnicanalidade. Mas nossas lojas sempre foram e são extremamente importantes para a experiência do consumidor.

A experiência do físico é o forte no nosso negócio e isso, integrado à experiência digital, traz a melhor experiência ao nosso cliente. O nosso foco é em nossa operação, focando em omnicanalidade, e não em marketplaces.

A companhia fechará mais lojas ou demitirá pessoal para ajustar a operação?

Uma etapa importante do nosso processo de reestruturação foi o fechamento de 17 lojas não rentáveis. Apesar desse movimento, mantivemos a presença física em todos os estados em que já atuávamos e, agora, nossas 51 lojas da rede operam no positivo.

Com as melhorias de eficiência operacional, estamos em uma nova fase, que já apresenta geração de caixa positiva em 2023. Já realizamos todos os ajustes operacionais necessários e, para o futuro, estamos focados em novas estratégias de retomada da nossa operação.

Haverá necessidade de novos aportes caso a geração de caixa não melhore nos próximos trimestres?

Não temos previsão de necessidade de novos aportes.

Que mudanças em cargos C-level a senhora pretende fazer nesse turnaround?

Não prevemos nenhuma mudança atualmente na estrutura C-level. Essa mudança já foi feita há alguns meses e hoje temos um time forte e competente para gerir a companhia na nova fase.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.