Casas Bahia amplia fluxo de caixa no 1º tri e CEO diz: vamos fazer o que dá lucro

Em entrevista à Bloomberg Línea, Renato Franklin destaca melhor fluxo de caixa em cinco anos no período e reforça foco em bens de consumo como geladeiras e celulares e no crediário

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Bloomberg Línea — Um ano após assumir o cargo de CEO da Casas Bahia (BHIA3), Renato Franklin começa a ver uma evolução decorrente do plano anunciado em agosto passado para recuperar uma das mais tradicionais varejistas do Brasil, ameaçada por um quadro de alta alavancagem e dívida bilionária crescente.

Nesta quinta-feira (9), o executivo, que antes comandava a locadora de veículos Movida (MOVI3), explicará a investidores e analistas como chegou a indicadores operacionais menos alarmantes no primeiro trimestre, o que está no alvo do mercado depois do acordo fechado no fim de abril com dois de seus principais credores, Bradesco e Banco do Brasil, para alongar vencimentos de curto e médio prazo.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Franklin disse que o principal destaque do balanço foi entregar o melhor fluxo de caixa (R$ 176 milhões) para um primeiro trimestre nos últimos cinco anos.

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Ele apontou ainda a simplificação do sortimento da varejista, com foco em produtos-chaves (geladeira, celular, TV e móveis) e no crediário e a saída de categorias que davam prejuízo para o grupo, como bebidas, materiais de limpeza, brinquedos e bicicletas, entre outros.

A decisão de concentrar o esforço de vendas em um número menor de categorias de produtos trouxe um impacto negativo no faturamento, segundo ele, mas reforça a recuperação da rentabilidade. E também coloca o negócio em uma trajetória mais sustentável de crescimento no longo prazo, com ajuda de novas alavancas operacionais, como a aposta em venda de anúncios no marketplace.

A receita trimestral da Casas Bahia chegou a R$ 6,347 bilhões, com queda de quase 14% na comparação anual. O Ebitda ajustado de R$ 387 milhões representou recuo de 42,6% na mesma base, com margem que caiu de 9,2% para 6,1% no período. O grupo reportou um prejuízo líquido de R$ 261 milhões entre janeiro e março, uma queda de 12% no comparativo anual.

“Vendíamos muito bicicleta, mas é um negócio que não dá dinheiro. Estamos acabando o estoque, não vamos repor. Vamos continuar a vender bicicleta apenas no 3P [marketplace], intermediando a venda: um terceiro anuncia no meu site, entregamos na casa do cliente em 24h, 48h, se tiver fulfillment [estoque com logística completa, do pedido recebido à entrega]. Se não tiver, o terceiro entrega no seu prazo”, citou o CEO.

Entre as iniciativas para elevar as receitas nos próximos trimestres, o executivo destacou o desenvolvimento de um sistema inteligente de precificação com base em advanced analytics (análise automatizada de dados) e a expansão da base de anunciantes de sua plataforma de retail media, a Casas Bahia Ads.

“Estamos entrando em uma tendência mais positiva. O reperfilamento da dívida foi um marco, pois mudou o fluxo de caixa. Com isso, reforçamos o compromisso de entrega de uma melhora gradativa das margens”, disse Franklin.

A queda da receita no primeiro trimestre já era esperada pelo CEO devido à estratégia do plano de transformação com foco no core business, redução de despesas com estoque e aumento da produtividade das operações, em um setor cada vez mais competitivo, com o avanço de plataformas de e-commerce, principalmente estrangeiras.

“Todo mundo sabia que a receita teria um impacto negativo por causa da nossa decisão de ser um player especialista. O impacto foi maior no online, em que vendíamos essas categorias. Para consertar uma empresa desse tamanho, é preciso parar de fazer aquilo que dá prejuízo e fazer o que dá lucro. O que fazemos bem é vender geladeira, celular, TV, móveis e crediário”, disse o CEO.

Com um parque de 1.100 lojas, a companhia decidiu enxugar a operação para reduzir despesas e ajustar a operação para as novas diretrizes do seu plano de reestruturação.

O processo de turnaround fechou 57 unidades deficitárias, principalmente no quarto trimestre, sendo duas unidades descontinuadas entre janeiro e março, além de readequação de cinco centros de distribuição (CDs).

“Houve menor consumo de caixa. Isso mostra que transformamos a dinâmica do fluxo de caixa da companhia também com bastante disciplina no investimento e no capital de giro”, afirmou.

Margem bruta em patamar histórico

Há pouco mais de um semana, a Casas Bahia entrou com pedido de recuperação extrajudicial após dois dos seus principais credores financeiros - o Banco do Brasil (BBAS3) e o Bradesco (BBDC3) - concordarem com as condições de um reperfilamento de uma dívida de R$ 14 bilhões em debêntures e CCBs (cédulas de crédito bancário).

Na prática, isso significa que a companhia terá uma alívio de R$ 4,3 bilhões no fluxo de caixa nos próximos quatro anos (até 2027) e, portanto, ganhará tempo para recuperar sua rentabilidade.

“No primeiro trimestre, a margem bruta voltou para o patamar histórico da companhia de 30%. Não é ainda o patamar a que queremos chegar, mas está acima dos 23% do terceiro e dos 27% do quarto trimestre, quando a margem foi muito impactada com ‘saldão’”, disse o CEO.

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Desde o anúncio do acordo de reestruturação no fato relevante publicado no domingo (28 de abril), as ações da varejista saltaram de R$ 5,44 (fechamento da sexta, 26 de abril) para R$ 6,96 (nesta quarta, 8 de maio), uma valorização de 28%. Isso reduziu a queda acumulada do ano para 39%.

“O primeiro trimestre foi uma rampa: começamos o ano ainda queimando estoque de dezembro, tivemos liquidação em janeiro que impactou um pouco e depois recompramos. Só fizemos um mês normal a partir de março. Superamos um pouco as projeções dos analistas”, disse Franklin.

Venda de ativos para reforçar caixa

Com o recente reperfilamento da dívida e os avanços da reestruturação operacional, o CEO disse esperar voltar à mesa de negociações com interessados nos ativos colocados à venda pela varejista. Com esses potenciais recursos, pretende reforçar o caixa.

“Não estamos no desespero de vender a qualquer preço. Chegamos a receber propostas, mas essas ofertas consideravam uma duração mais curta das dívidas. Fizemos o reperfilamento, o que permite negociações mais razoáveis”, afirmou o CEO.

Um desses ativos é o imóvel onde funciona a megaloja Casas Bahia Marginal Tietê, inaugurada no final de 2021 pelo antecessor de Franklin, Roberto Fulcherberguer. “A megaloja da marginal não precisa ocupar um imóvel próprio”, disse o CEO.

Também estão no pacote de ativos à venda pela varejista outros seis imóveis de lojas de menor porte, além de créditos fiscais que podem ser monetizados e um CNPJ com R$ 500 milhões acumulados em prejuízos fiscais, uma empresa do antigo legado do grupo antes de se transformar em uma corporation.

“Não vamos vender nenhuma marca. O Ponto voltou a se chamar Ponto Frio. Não é uma marca tão nacional como Casas Bahia, mas é forte no Rio de Janeiro, em Santa Catarina, em Minas Gerais. Não vamos vendê-lo. É um negócio core”, reforçou Franklin.

Recuperação em ritmo gradual

O CFO da Casas Bahia, Elcio Mitsuhiro Ito, que assumiu a função em julho passado e antes trabalhou na fabricante de componentes automotivos Iochpe-Maxion (MYPK3), avaliou que o resultado do primeiro trimestre foi consistente com o plano de transformação. Ele disse que o movimento de fechamento de lojas ficou para trás.

“A companhia era bastante omnicanal. Era preciso reduzir algumas operações e estratégias e focar no básico, no core de produtos, que é o varejo e o crediário”, afirmou Ito.

Houve uma redução de estoque para o equivalente a 78 dias no primeiro trimestre, ante 110 dias em igual período do ano passado. A administração da Casas Bahia espera uma melhora do fluxo de caixa e da rentabilidade nos próximos trimestres como efeito das medidas implementadas ou em execução.

O CEO disse que os fornecedores, em geral, têm apoiado o grupo neste momento. Ele citou como exemplo a inauguração ontem (8) de uma megaloja no Shopping Aricanduva, considerado o maior shopping center do Brasil em área, na zona leste de São Paulo. Grandes marcas de eletroeletrônicos aceitaram abrir seus espaços personalizados no local, segundo o CEO.

A varejista trabalha também com a Bradespar, holding de investimentos e participações controlada pelo Bradesco, na emissão de cartões de crédito. “Iniciamos um novo ciclo de crescimento, oferecendo soluções financeiras para nossos clientes. Estamos batendo todo mês recorde em emissões de cartões de crédito todo mês. São mais de 100 mil cartões de crédito emitidos por mês”, disse Franklin.

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