Bloomberg Línea — Com dívida superior a R$ 110 milhões, a Casa do Pão de Queijo, uma das maiores redes de cafeterias em aeroportos e shoppings do Brasil, pediu recuperação judicial na Justiça na última sexta-feira (28 de junho). A empresa informa ter hoje 22 lojas próprias e 170 franquias (não incluídas na RJ). Os principais credores são o Itaú Unibanco, o Santander Brasil e a GRU Airport, concessionária do Aeroporto Internacional de Guarulhos.
A busca por proteção judicial veio com apelos também para que empresas concessionárias de energia não cortem o fornecimento, bem como que proprietários de imóveis não encerrem contratos de aluguel (veja mais abaixo), a despeito do atraso do pagamento de contas vencidas.
Na exposição de motivos que levaram ao pedido de recuperação judicial, a Casa do Pão de Queijo cita principalmente impactos financeiros decorrentes do fechamento de lojas durante a pandemia. Mas há também menção mais recente às enchentes históricas no Rio Grande do Sul no início de maio.
As quatro unidades fechadas na capital gaúcha eram “rentáveis e geravam um fluxo de caixa significativo”, segundo a petição, protocolada pelo escritório Moraes Jr. Advogados em Campinas, vista pela Bloomberg Línea.
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“A inundação contribuiu para a grave crise financeira da Casa do Pão de Queijo. A tragédia climática causou um impacto negativo de quase R$ 1 milhão por mês em vendas e uma perda de Ebitda de aproximadamente R$ 250 mil por mês. Sem previsão de retorno à normalidade, a empresa teve que demitir 55 funcionário, agravando ainda mais a crise”, disse a empresa no documento.
Atraso em conta de luz
O passivo da Casa do Pão de Queijo sujeito à recuperação judicial soma R$ 57,496 milhões (valor da causa), sendo formado por créditos que se enquadram em três classes de credores: trabalhistas (R$ 244.318,51), quirografários, sem garantia (R$ 55.890.806,88), e micro e pequenas empresas (R$ 1.361.064,43), segundo informaram os advogados na petição.
O passivo não sujeito aos efeitos da recuperação judicial totaliza R$ 53,220 milhões, dos quais o tributário nas três esferas (municipal, estadual e federal) atinge R$ 28,712 milhões.
A companhia do varejo alimentar relatou que corre risco de corte no fornecimento de energia elétrica por causa de atraso no pagamento. As faturas referentes a maio e junho cobradas pelas distribuidoras CPFL Energia e EDP Energia, que totalizam R$ 193 mil, não foram quitadas, segundo a petição.
“O corte dos serviços de energia elétrica, em razão do inadimplemento de dívida sujeita à RJ, acarretará a paralisação das atividades comerciais da requerente”, citaram os advogados.
Na petição, portanto, a Casa do Pão de Queijo pede que empresas concessionárias de energia não cortem o fornecimento, bem como que proprietários de imóveis não encerrem contratos de aluguel.
“Geralmente esses pedidos costumam ser aceitos, mas a empresa deve quitar as contas e aluguéis que vencerem durante a recuperação, pois são créditos que não se submetem ao plano de recuperação judicial”, explicou Leonardo Ribeiro Dias, head de Contencioso, Arbitragem e Insolvência do Marcos Martins Advogados, à Bloomberg Línea.
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A empresa opera em 11 aeroportos (Guarulhos, Fortaleza, Porto Alegre, Brasília, Viracopos, Recife, Maceió, Aracaju, João Pessoa, Juazeiro do Norte e Campina Grande), além de possuir lojas em shopping centres.
A empresa pediu a concessão da tutela de urgência de natureza antecipada, buscando a manutenção dos contratos com as concessionárias dos aeroportos. Na prática, isso significa uma antecipação dos efeitos do stay period (período de suspensão da execução de ações) até a decisão final da Justiça sobre a RJ.
Origens e expansão da rede
A Casa do Pão de Queijo foi fundada por Mario Carneiro em 1967, quando ainda era chamada Produtos Alimentícios Pereira Carneiro - a primeira loja ficava na rua Aurora, no centro de São Paulo.
Em 1987, já sob o comando de Alberto Carneiro Neto, atual CEO da rede, a imagem da Dona Arthêmia, criadora da receita do pão de queijo, passou a estampar a logomarca da empresa.
Nos anos 2000, a Casa do Pão de Queijo já contava com mais de 200 lojas franqueadas e recebeu aporte de um fundo de private equity do Pátria, o que possibilitou a construção de uma nova fábrica em Itapeva, no interior de São Paulo.
A partir desse aporte, surgiu a CPQ Brasil, que continuou a ser chamada de Casa do Pão de Queijo para os consumidores no varejo. Em 2008, a empresa atingiu a marca de 1.000 pontos de venda; no ano seguinte, atraiu um novo sócio, o banco Standard, que, em parceria com Alberto Carneiro e Marco Aurelio Aliberti Mammana, adquiriu a participação do fundo do Pátria.
Em 2010, em busca de ampliar sua oferta de franquias, a CPQ Brasil adquiriu os direitos da rede portuguesa O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo, como complemento às suas atividades.
Em 2021, o Standard encerrou suas atividades no Brasil, e os sócios Carneiro e Mammana ficaram com 100% da CPQ Brasil.
Nesse mesmo ano, a empresa introduziu um novo formato de negócios, em que as lojas da Casa do Pão de Queijo e do O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo compartilhavam o mesmo espaço, com a diluição de custo fixo e aumento de faturamento por metro quadrado. Também estreou na categoria de panetones.
A empresa chegou a viver um período de crescimento sólido, influenciado por grandes eventos internacionais, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro.
Causas para a crise e sem crédito
O pedido de recuperação judicial atinge também os franqueados da Casa do Pão de Queijo. Segundo a petição, na maioria são microempresários que empregam em suas lojas mais de 1.500 funcionários.
A pandemia da Covid foi o estopim da crise financeira, segundo a petição.
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“As franquias localizadas em aeroportos enfrentaram o desafio do baixo fluxo de passageiros ou fechamento temporário”, relataram os advogados na petição. Nos primeiros três meses da pandemia, a empresa registrou uma queda de 97% do seu faturamento.
“Enquanto alguns aeroportos concederam descontos nos contratos de aluguéis, outros, como o de Guarulhos, resultaram em dívidas injustas e impagáveis para a empresa”, escreveram os advogados.
A fábrica de Itapeva teve que interromper a produção várias vezes. “O segmento de cafeterias, que depende fortemente do fluxo de pessoas, não possuía - e ainda não possui - atuação no modelo de entrega em domicílio, o que contribui para a queda nas receitas”, disseram os advogados.
A empresa também não conseguiu obter linhas de crédito junto aos bancos.
“Mesmo com garantias substanciais, o Itaú negou a concessão de crédito através do Fundo Garantidor de Investimentos (FGI), e as condições de crédito oferecidas, quando disponíveis, eram excessivamente onerosas e com prazos curtos para pagamentos”, apontou a empresa.
Diante dessa situação, a empresa passou a não pagar impostos como uma solução temporária para manter suas operações em funcionamento, segundo a petição.
Revés no projeto de tortas e cookies
Sem citar nomes, a companhia também apontou um revés em um projeto relevante para justificar o agravamento de sua crise financeira.
“A requerente enfrentou problemas significativos com o projeto desenvolvido em parceria com uma multinacional mexicana do setor de alimentos. O projeto tinha como objetivo utilizar a capacidade ociosa da planta em Itupeva para a produção de tortas e cookies para uma grande rede de fast food”, disseram os advogados na petição.
A parceria previa o investimento na instalação de uma nova linha de produção, em que a Casa do Pão de Queijo ficaria responsável por sua terceirização. Mas a empresa parceira alegou atrasos na implantação do sistema e solicitou que a Casa do Pão de Queijo comprasse os insumos e produzisse temporariamente.
“A linha implantada apresentou problemas que geraram grandes perdas na produção, e a requerente enfrentou prejuízos diários insustentáveis. A demora da referida empresa parceira em corrigir os problemas da linha de produção e ajustar o preço do produto agravou ainda mais a situação financeira da Casa do Pão de Queijo”, disse a empresa.
--Atualizada às 12h35 do dia 2/7 para incluir os nomes do principais credores e o número de franquias e lojas próprias
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