Carros chineses dominam ruas do Brasil à África do Sul. E já planejam próxima fase

Montadoras chinesas como Great Wall, BYD, Chery e SAIC expandiram rapidamente no mercado internacional, especialmente em países emergentes

Veículos elétricos BYD
Por Chester Dawson - Rachel Gamarski - Mpho Hlakudi - Patpicha Tanakasempipat
30 de Março, 2025 | 07:37 AM

Bloomberg — Donald Trump quer manter as montadoras chinesas fora dos Estados Unidos, mas isso não as impedirá de dominar o resto do mundo. Elas já dominam o cenário.

De Bangcoc a Joanesburgo e São Paulo, as ruas estão cada vez mais congestionadas com compactos, crossovers e SUVs baratos fabricados por empresas como Great Wall, BYD, Chery e SAIC.

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Embora se espere que o governo Trump proteja as três grandes fabricantes automotivas dos Estados Unidos de rivais chineses, e o Canadá e a União Europeia tenham imposto tarifas sobre veículos elétricos fabricados na China, os compradores em mercados emergentes receberam os carros e caminhões chineses de portas abertas — representando uma nova ameaça às montadoras globais famintas por crescimento.

Oscar Mabuela, um web designer de 29 anos que mora na África do Sul, é o tipo de cliente que os executivos automotivos em cidades distantes como Detroit, Tóquio e Wolfsburg sempre desejaram. Ao comprar um carro novo este ano, ele considerou um Volkswagen Polo hatchback, um dos veículos mais vendidos no país — mas desistiu por medo de sequestro ou roubo.

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Em vez disso, ele comprou um SUV Haval Jolion Super Lux movido a gasolina, um modelo recente da Great Wall, por 350.000 rands sul-africanos (US$ 19.300). Até mesmo um Jolion novo começa em US$ 25.000, bem abaixo do preço médio de um carro novo no país, de cerca de US$ 27.500.

“Eu consigo ter toda a tecnologia que são extras nas marcas conhecidas”, disse Mabuela.

Mabuela não está sozinho. Compradores como ele ajudaram os fabricantes de automóveis chineses a conquistar participação de mercado a uma velocidade impressionante.

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Na África do Sul, os veículos fabricados na China representam quase 10% das vendas, ou cerca de cinco vezes o volume vendido em 2019.

Na Turquia, as marcas chinesas responderam por uma participação de 8% nos primeiros seis meses de 2024, ante praticamente zero em 2022.

No Chile, elas representaram quase um terço das vendas de automóveis por vários anos seguidos.

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A China envia mais veículos ao exterior do que qualquer outro país, e suas exportações de carros de passageiros aumentaram quase 20%, para 4,9 milhões apenas em 2024, de acordo com a Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis — ante menos de 1 milhão em 2020.

“Os fabricantes de automóveis chineses entraram em muitos mercados globais com veículos de alta qualidade e preços competitivos”, disse Abby Chun Tu, analista da S&P Global Mobility para pesquisa automotiva, em Xangai.

“É a mesma estratégia que funcionou para as marcas sul-coreanas e japonesas, mas eles também têm a vantagem de software avançado e muitos recursos — mesmo em seus modelos de mercado de massa.”

Gigantes inquietos

Enquanto os líderes nos EUA e na Europa há muito tempo estão preocupados com a possibilidade de a China se tornar um vendedor dominante de veículos elétricos, os dados da associação de fabricantes de automóveis chineses mostram que os veículos movidos a gasolina representaram quase 80% das exportações totais de veículos no ano passado.

Muitos mercados menos desenvolvidos não têm estações de carregamento ou uma rede elétrica confiável o suficiente para suportar modelos totalmente eletrificados. Mas as montadoras chinesas encontraram nesses lugares um mercado pronto para carros movidos a gasolina que não podem mais vender na China em grandes volumes.

A participação de mercado global dos fabricantes de automóveis chineses fora de seu país de origem deve subir de 3% hoje para 13% em 2030, de acordo com a AlixPartners. Incluindo a China, essa participação mundial salta para 33%, e na África e no Oriente Médio deve atingir 39% até lá.

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Em uma conferência realizada em fevereiro pela empresa de investimentos Wolfe Research, os chefes da Ford e da General Motors reconheceram a pressão competitiva exercida nos mercados em desenvolvimento.

“Nossas operações no exterior estão muito bem, mas os chineses estão chegando a esses mercados agora, globalizando a cadeia de suprimentos”, disse Jim Farley, CEO da Ford, aos investidores.

“Mercados emergentes como a Índia, especialmente na América do Sul, estão sendo dominados pelos chineses”, afirmou, se referindo especificamente aos veículos elétricos fabricados na China.

A Ford se retirou de vários mercados em desenvolvimento nos últimos anos, incluindo a Índia e a Indonésia, e cessou a produção de veículos no Brasil, onde sua antiga fábrica foi adquirida pela BYD.

A montadora traçou uma linha no chão, no entanto, para seus negócios na África do Sul e na Tailândia, com plantas que produzem centenas de milhares de picapes Ranger anualmente.

“Temos que pensar em proteger o futuro disso”, disse Farley.

A GM também vê os chineses como uma ameaça séria, mas a CEO Mary Barra tem suas prioridades. Enquanto isso, a montadora com sede em Detroit é oportunista o suficiente para exportar modelos feitos por sua própria joint venture chinesa para mercados emergentes como o Brasil.

Barra disse que trabalhar com fabricantes de automóveis chineses em alguns produtos permite que a GM concorra melhor em mercados “onde os chineses estão muito presentes”.

A Stellantis, que possui as marcas Chrysler e Ram, também coopera com um parceiro chinês na Europa e planeja introduzir seus modelos no Oriente Médio e na América do Sul.

A participação de mercado da Jeep na América Latina ainda supera a de seu concorrente chinês mais próximo, respondendo por um quinto dos veículos vendidos, de acordo com a pesquisadora Jato Dynamics. Em comparação, a Chery tem a maior participação entre os fabricantes chineses, com 2,1%.

Ao mesmo tempo, no ano passado, a empresa culpou a concorrência da China por uma queda de 30% nas remessas da região Ásia-Pacífico no terceiro trimestre.

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Chamando atenção

O marketing inteligente também ajudou as montadoras chinesas a ganharem vantagem.

No Brasil, onde os carros chineses se tornaram uma visão tão familiar nas estradas quanto os modelos Chevrolet e Toyota, a Great Wall criou uma página no Mercado Livre e criou anúncios estrelados pelo DJ Alok.

A rival BYD promoveu seus carros em um anúncio com Pelé.

Embora essas campanhas tenham ajudado a gerar burburinho, os preços baixos continuam sendo o principal atrativo. Luiz Palladino, engenheiro de 61 anos que já teve veículos da GM e da Honda no passado, e atualmente dirige um Haval H6 EV, comparou o veículo com carros de luxo muito mais caros.

“Na hora que entrei no carro eu pensei ‘está na linha de BMW, Audi, acabamento de carro de primeira’”, disse. “Tem tudo que eu quero”.

As marcas chinesas ganharam espaço no Brasil em 2015, quando o governo isentou veículos elétricos e híbridos de um imposto de importação de 35%. Para contornar a reintegração desses impostos, a BYD e a Great Wall agora estão construindo fábricas no Brasil — em locais onde a Ford e a Daimler já tiveram plantas.

“Eles acharam uma oportunidade de transformar o Brasil em um hub da ocidentalização dos seus veículos”, disse Ricardo Roa, sócio-líder de setor automotivo na KPMG Brasil. Do Brasil, “é uma facilidade para conseguir atingir os mercados sul-americanos: Argentina, Chile, Colômbia, Peru”.

Alguns compradores de carros brasileiros dizem que se afastaram dos modelos chineses devido a preocupações com confiabilidade e serviço, bem como a disponibilidade de peças.

Paula Barros, gerente de produtos financeiros em São Paulo, desistiu dos planos de comprar um carro elétrico fabricado na China por preocupações com a infraestrutura de carregamento insuficiente e possíveis problemas para adquirir peças quando algo quebrar.

“Não existem peças de reposição em sua amplitude aqui no Brasil, necessitando de importação”, disse ela, “e, caso venha a acontecer algo, eu teria de esperar de 30 a 60 dias para a chegada do componente”.

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Surto de veículos elétricos

As maiores montadoras da Ásia também tentam se defender das novatas chinesas.

A Toyota desfruta de uma participação de 17,4% no Oriente Médio e na África, mas está sendo perseguida pela Chery e pela Geely, que reivindicaram participações de 5,3% e 2%, respectivamente, de acordo com a Jato Dynamics.

A Toyota está sentindo uma pressão semelhante no Sudeste Asiático, onde controla 35,7% do mercado, mas a Geely e a SAIC conquistaram participações de 5,1% e 1,4%, respectivamente.

Assim como no Brasil, a China aproveitou as políticas projetadas para incentivar as vendas de veículos elétricos para expandir sua presença no mercado automotivo da Tailândia.

A participação das marcas chinesas no país cresceu para 13,3% no último trimestre de 2024, ante apenas 5,5% dois anos anteriores, de acordo com a S&P Global Mobility.

Mais revelador: a participação da China no mercado de veículos elétricos tailandês nesse mesmo período aumentou de 22% em 2022 para 71%.

A Tailândia cortou impostos de importação sobre veículos elétricos, adicionou subsídios para compradores e concedeu grandes isenções fiscais para investimentos em fábricas.

Como resultado, as vendas de veículos elétricos aumentaram mais de 600% em 2023 em relação ao ano anterior, atingindo 73.568 unidades e conquistando quase 9,5% das vendas totais de carros de passageiros, de acordo com a Federação das Indústrias da Tailândia.

As vendas de veículos elétricos caíram ligeiramente para 66.732 no ano passado, mas sua participação nas compras totais de veículos subiu para quase 12%.

A Toyota e outras montadoras japonesas, que passaram décadas construindo investimentos e infraestrutura para a produção de veículos movidos a gasolina, demoraram a se adaptar.

A Subaru parou de produzir carros no país no ano passado, e a Suzuki planeja fechar sua planta tailandesa até o final de 2025. A Nissan também fechará uma das duas linhas de montagem de veículos na Tailândia este ano. Isso deixou uma abertura para rivais chineses menos conhecidos.

No primeiro de 11 dias da feira Bangkok Motor Expo no final de novembro, a Toyota, a Ford e a Honda dividiram espaço com a BYD, a Great Wall, a MG da SAIC e a Geely, que estava fazendo sua estreia no mercado tailandês.

Wiyawit Petra, um empresário de 57 anos, disse que a reputação global da BYD, a presença de fabricação local e os preços baixos o abriram para a ideia de tentar algo diferente.

“Eu dirigi Toyota e Honda a vida toda, mas agora quero abrir meu coração para algo novo”, afirmou durante a exposição, olhando para um SUV híbrido plug-in Sealion 6 da BYD. “Ele também é acessível, então vale a pena o risco.”

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