Café descafeinado ganha espaço e é nova moda entre baristas e amantes da bebida

Antes uma “piada” dentro e fora da indústria do café, o descafeinado tem crescido mais do que o café tradicional nos últimos anos, segundo especialista

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Bloomberg — Em uma viagem à Colômbia no ano passado, Weihong Zhang recebeu do amigo Francesco Sanapo, três vezes campeão italiano de barista, um “misterioso saco de café”.

Isso não era tão suspeito quanto poderia parecer: Weihong é o dono da BlendIn Coffee Club, uma torrefação com duas cafeterias em Houston, no estado norte-americano do Texas. Sacos misteriosos de café meio que fazem parte de sua rotina.

Com notas de sabor e aroma de eucalipto e morango, Weihong presumiu que o saco continha grãos caros como Geishas ou Sidras fermentados anaerobicamente. Mas Sanapo revelou algo muito mais raro para um café dessa qualidade: não tinha cafeína.

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“Isso abriu completamente meus olhos para o descafeinado”, lembra Weihong. Ele decidiu usar os grãos, de uma variedade típica de Finca Los Nogales, na Colômbia, em sua próxima participação no US Brewers’ Cup, uma competição que “destaca a arte de preparar café filtrado à mão”.

Ele ganhou. Foi a primeira vez na história de 20 anos da competição que um café descafeinado levou o título.

Uma vitória tão improvável não é a mesma coisa que ganhar o Tour de France em um monociclo. Mas uma comparação com o chamado Julgamento de Paris em 1976, quando vinhos da Califórnia prevaleceram em uma degustação às cegas contra vinhos franceses consagrados, não é tão absurda.

O evento mudou as percepções sobre vinhos americanos e inaugurou uma era na produção global de vinhos.

Mudando percepções

O descafeinado tem sido há muito tempo alvo de piadas dentro e fora da indústria do café. Mas ele continuou crescendo silenciosamente tanto em qualidade quanto em popularidade.

A Skyquest Technology prevê que o mercado de descafeinado crescerá de US$ 19,5 bilhões em 2022 para US$ 28,86 bilhões até o final da década.

Em 2022, Erin Reed, diretora de marketing do Swiss Water Decaffeinated Coffee, disse à publicação do setor de café que “o crescimento do descafeinado tem sido em grande parte maior do que o crescimento do café tradicional nos últimos cinco anos”.

Em um e-mail, Reed confirmou que "essa tendência de crescimento ainda se mantém. E é ainda mais forte no segmento de especialidades", referindo-se a cafés torrados artesanalmente de maior qualidade do que os tradicionais encontrados em supermercados.

As vendas do blend “Night Light Decaf”, da Blue Bottle Coffee, o colocaram entre os “cinco melhores blends em nossas cafeterias e online”, de acordo com Matthew Longwell, diretor global da marca para café e bebidas.

Com coquetéis sem álcool e hambúrgueres sem carne em alta, o descafeinado não parece uma proposta tão estranha, diz Adam Paronto, um dos fundadores da Reprise Coffee Roasters de Chicago.

“As pessoas querem suas drogas sem as drogas”, diz ele. “Escuto essa frase o tempo todo, e é assim: as pessoas querem seus rituais, mas não querem que isso as atrapalhe a ponto de não conseguirem funcionar normalmente, seja no trabalho, socialmente ou qualquer outra coisa.”

Renovado e reelaborado

Novas técnicas de remoção de cafeína têm desempenhado um papel fundamental.

O processo remonta ao início do século XX em Bremen, Alemanha, quando Ludwig Roselius percebeu que grãos de café acidentalmente embebecidos em água do mar haviam perdido a maior parte do seu teor de cafeína enquanto perdiam pouco sabor.

Em 1906, ele patenteou um processo que envolvia vaporizar os grãos de café para abrir seus poros. Então, ele passou a usar o benzeno (agora conhecido por ser um carcinógeno) como solvente para remover a cafeína e estabeleceu a Kaffee HAG (Kaffee-Handels-Aktiengesellschaft) para vender seu café descafeinado.

Outros solventes, como o diclorometano, também conhecidos como carcinógenos, eventualmente substituíram o benzeno e se tornaram parte integrante do que ficou conhecido como Método Europeu de descafeinação.

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Recentemente, organizações como o Clean Label Project fizeram petições à Assembleia da Califórnia e à Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) para proibir o uso desse solvente, que já foi banido pela Agência de Proteção Ambiental em produtos como removedores de tinta. (A Associação Nacional de Café contestou, argumentando que todas as amostras testadas pelo Clean Label Project estavam dentro do nível de preocupação da FDA.)

Um processo para remover a cafeína do café sem o uso de produtos químicos foi desenvolvido em Schaffhausen, na Suíça, na década de 1930.

A Swiss Water Decaffeinated Coffee refinou esse método em um processo exclusivo no qual o café é imerso em extrato de café verde, durante o qual 99,9% da cafeína é liberada e filtrada. Nos EUA, a remoção de 97% da cafeína é suficiente para se qualificar como descafeinado; na União Europeia, 99,9% deve ser removido.

Embora seja geralmente considerado como preservador do sabor do café em comparação com outros métodos, o processo é relativamente caro. Ele acrescenta de US$ 1 a US$ 2 por 0,5 quilograma ao custo do café verde, diz Paronto, sem mencionar as viagens e o tempo necessários ao processo, pois a descafeinação ocorre na instalação da Swiss Water, no Canadá.

Recentemente, outro processo usando acetato de etila vem ganhando popularidade. O produto químico pode ser usado em forma sintética ou derivado naturalmente, em um método frequentemente chamado de “método de cana-de-açúcar”.

Em ambos os casos, os grãos são vaporizados para abrir seus poros e depois embebidos em uma solução contendo acetato de etila, que se liga às moléculas de cafeína antes de ser eliminado.

O café utilizado por Weihong foi descafeinado por meio de uma versão modificada na qual a polpa, ou mucilagem, do café é adicionada à solução de cana-de-açúcar fermentada. “É uma forma inovadora de fazer a descafeinação”, diz ele, porque “ela não apenas não remove nenhum sabor, como também adiciona uma complexidade sutil à xícara.”

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