Buser ganha escala, chega ao lucro e quer consolidar o transporte rodoviário, diz CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, cofundador e CEO, Marcelo Abritta, conta como a startup que se tornou a líder em transporte rodoviário do país superou US$ 100 mi em receita e prevê crescer 50% neste ano

Ônibus da Buser, plataforma de mobilidade rodoviária liderada por Marcelo Abritta (Foto: Divulgação)
18 de Fevereiro, 2025 | 07:16 AM

Leia esta notícia em

Inglês

Bloomberg Línea — O mercado de transporte rodoviário brasileiro movimenta estimados R$ 15 bilhões por ano. Com serviços relacionados como cargas, soluções financeiras, seguros etc., chega a R$ 30 bilhões. Ainda pulverizado em companhias estaduais ou regionais, está pronto para começar a ser consolidado.

E um player nativo digital pretende ser o agente que vai liderar o movimento. É o que reivindica Marcelo Abritta, cofundador e CEO da Buser, startup de mobilidade entre cidades que se tornou o maior player do setor.

PUBLICIDADE

“Estamos em um momento em que começamos a olhar M&As [fusões e aquisições] e outras verticais de negócios que podemos explorar para acelerar o crescimento”, disse Abritta à Bloomberg Línea, em sua primeira entrevista em anos e desde que retomou a estratégia de crescimento, com o apoio de fundos como SoftBank, Lightrock, Valor Capital, Globo Ventures, Monashees e Canary, entre outros.

Leia mais: Na C&A, melhora contínua da jornada de compra sustenta o crescimento, diz CEO

O engenheiro formato pela ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) contou que a empresa fundada em junho de 2017 por ele e Marcelo Vasconcellos chegou a tal estágio operacional e financeiro que entrega uma receita anual superior a US$ 100 milhões. E um lucro operacional de R$ 100 milhões, depois de crescer na ordem de 20% em 2024. Além disso, tem geração de caixa há dezoito meses.

PUBLICIDADE

É um faturamento comparável, segundo ele, ao de players tradicionais do setor de transporte intermunicipal, caso, por exemplo, da Águia Branca, que tem quase 80 anos de história e opera em estados do Sudeste e do Nordeste.

Atualmente a Buser conta com cerca de 12 milhões de passageiros ativos nas mais de 250 cidades atendidas com o serviço de fretamento, além de dezenas de outras por meio do marketplace de passagens.

Para 2025, a expectativa é crescer 50% no top line, para US$ 150 milhões. “Não somos ainda grandes. Vamos crescer 30, 50 vezes em relação ao tamanho atual”, disse Abritta sobre o potencial.

PUBLICIDADE

“Vamos explorar oportunidades para M&As de empresas incumbentes. Nós já provamos que temos capacidade de operar essas as rotas atendidas por essas companhias com mais eficiência”, disse o CEO.

O plano é aplicar o modelo com base em tecnologia da Buser às companhias adquiridas, com redução dos preços de passagens e consequente aumento da demanda e da ocupação sem sacrificar as margens e com melhora do resultado operacional, explicou Abritta.

Para liderar essa frente, a Buser contratou Rodolfo Juliani como diretor de Estratégia e Novos Negócios, egresso da Lightrock, fundo britânico que investe na empresa desde a rodada Série C. Com a missão de identificar alvos de M&As, ele ajudou a montar um pipeline descrito como “robusto”.

PUBLICIDADE

As conversas já em andamento incluem de players incumbentes cuja operação é semelhante à da Buser em tamanho a outros de menor porte, segundo o CEO.

“A ocupação média da nossa malha no ano inteiro é de 80%, enquanto as companhias tradicionais operam perto de 60%. Isso mostra o quanto podemos agregar de eficiência”, disse Abrita.

Por trás dessa diferença está, além do modelo de negócios, uma plataforma de tecnologia com uso de machine learning e Inteligência Artificial (IA) e que, portanto, tem se aperfeiçoado ao longo do tempo com dados que são agregados dos milhões de viagens realizadas.

“Quase toda a nossa malha hoje é planejada de forma autônoma. E não só isso: desenvolvemos um sistema com uso de tecnologia que consegue prever quanto a passagem tem que custar, o horário em que o ônibus tem que sair, onde precisa parar e qual será a demanda”, afirmou o CEO da Buser.

Leia mais: A volta do ‘sonho grande’: Loft vê nova fase após breakeven e estuda M&A, diz CEO

Nessa operação, o fluxo de gestão de reservas é 100% digital, com malhas e preços dinâmicos voltados para reduzir o valor da passagem ao realizar o matching entre demanda e oferta - os operadores dos ônibus; os pontos de embarque e desembarque são descentralizados pelas cidades - são cerca de quarenta em São Paulo, por exemplo, o que inclui alguns bem localizados como a avenida Faria Lima.

O movimento de M&A da Buser acontece no momento em que o mercado de transporte intermunicipal do país atrai e é explorado de maneira mais ostensiva por players internacionais, como é o caso da alemã Flixbus. A Uber anunciou no início deste ano, por sua vez, o Shuttle, um serviço de ônibus fretado entre São Paulo e Guarulhos, o que pode ser o embrião de um serviço rodoviário mais consolidado.

Migração do transporte aéreo

Na frente de crescimento orgânico, muito do resultado vem da alta temporada - que se estende de dezembro de 2024 ao fim do Carnaval. É um período em que a companhia espera transportar até 1,5 milhão de passageiros, o que representaria uma expansão de 10%.

O crescimento tem se dado essencialmente de duas formas: adensamento de rotas já atendidas, com mais horários ofertados, ou chegada em novas cidades, disse o empreendedor.

Um impulso adicional vem da migração de passageiros que deixam de viajar de avião por causa do aumento dos preços, segundo ele. “Estamos crescendo em todas as rotas em que concorremos com o avião.”

Um serviço que tem “crescido muito” é o de ônibus chamados de “super premium”, com preço mais alto, perto de R$ 500, que contam com cama, TVs menores e até comissárias de bordo, ou “rodomoças”.

“Vemos pelo cartão de crédito usado no pagamento, de bandeiras e instituições como BTG Black, XP Infinite etc., que passamos a atrair um público que provavelmente nos escolheu em vez do aéreo.”

O estágio atual de operação lucrativa é reflexo, segundo o CEO, da combinação de um modelo de negócios que na essência segue o mesmo desde sua origem (veja mais abaixo), mas que ganhou eficiência com investimentos em tecnologia; e de ajustes em cima de uma necessidade que se mostrou imperativa a empreendedores a partir de 2022 com o aumento gradual das taxas de juros no mundo.

Marcelo Abritta, cofundador e CEO da Buser (Foto: Divulgação)

No segundo elemento que levou ao momento atual, a Buser passou a reduzir custos em busca de ganho de eficiência e do breakeven que se tornou o objetivo da maioria das startups. Os resultados logo apareceram no início de 2023, e a geração de caixa, no segundo semestre do mesmo ano.

“Quando decidimos buscar mais eficiência, no começo de 2022, tínhamos 550 funcionários diretos. Hoje temos 240 e temos uma operação maior do que naquela época”, afirmou o CEO. “As áreas tinham muito mais pessoas do que era necessário, mas havia uma razão para parte delas: tínhamos o plano de dobrar a cada ano.”

Segundo ele, “no início de 2024 já estava claro que a empresa iria sobreviver e pudemos voltar a pensar em crescer”. A retomada dos investimentos reforçou a operação e as bases para o momento de expansão que faz parte dos planos a partir deste ano.

Modelo de negócios perene

O modelo de negócios em si, destacou Abritta, se manteve essencialmente o mesmo ao longo dos anos. O que mudou foi o foco na cautela na tomada de decisões nos anos mais difíceis, que sucedeu um período de um ano e meio de investimentos mais altos em crescimento, com queima maior de capital.

“Foi um tempo em que, basicamente, gastamos dinheiro demais, sem cautela”, reconheceu o CEO da Buser. Nos tempos de liquidez alta de capital, a Buser - e praticamente todo o mercado de startups - buscou acelerar o crescimento depois de levantar R$ 700 milhões em Série C liderada pelo LGT Lightrock.

O investimento foi alocado essencialmente em marketing em novas cidades (mercados) atendidas, tanto em anúncios offline e no mundo digital como em cupons de descontos para atração de passageiros.

“Decidimos interromper o serviço em toda cidade atendida em que não havia previsão de chegar ao breakeven em seis meses”, disse Abritta. “Isso obviamente enxugou a nossa malha.”

“O investimento nas cidades que deixamos de atender se perdeu. É uma pena porque o playbook é o mesmo e nós acabaríamos alcançando o breakeven em mais tempo”, avaliou o empreendedor.

Leia mais: Loggi monta malha para PMEs, ganha escala e vai além da geração de caixa, diz CEO

Os tempos de busca de eficiência remeteram ao que havia sido o início da startup, segundo ele.

A ideia de fundar a Buser nasceu de uma experiência de Abritta nos preparativos de seu casamento em novembro de 2016 em Arraial da Ajuda, na Bahia.

Ao buscar ajudar familiares de Minas Gerais que decidiram comprar passagens em cima da hora, ele se deu conta de que gastaria com um ônibus fretado cerca da metade do valor que desembolsaria com a soma de bilhetes para cada um em viagens de ida e volta em viações que atendiam a rota.

“Nossos primeiros anos também foram mais modestos basicamente porque tínhamos menos recursos”, lembrou Abrita. A aposta de fundos de venture capital, no entanto, não demorou a chegar diante da solução oferecida ao mercado e dos resultados iniciais de demanda.

Ainda em seu primeiro ano de vida a startup acertou uma rodada Seed de US$ 500 mil com Canary, Yellow Ventures e Fundação Estudar. No fim do ano seguinte veio a Série A de valor não divulgado, com Valor Capital e Monashees. Em 2019, a Série B liderada pelo SoftBank com a Globo Ventures.

Nesse meio tempo, a Buser também teve que enfrentar batalhas judiciais movidas por empresas de transporte intermunicipal tradicionais que buscaram a defesa de mercado, além do risco regulatório com ameaça de mudanças na legislação que pudessem comprometer o modelo de negócios.

Hoje a relação é descrita como construtiva, com o entendimento do agente regulador - a ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) na esfera federal - de que a atividade é legal.

Ao avaliar o que poderia ser feito para melhorar a experiência dos passageiros, Abritta citou o direito de realizar o embarque e o desembarque em rodoviárias nas grandes capitais, pois facilitaria o acesso dos mesmos.

Do lado das empresas, ele disse que a Buser estuda retomar iniciativas que já adotou no passado de realizar compras de ônibus de forma coletiva, o que hoje é uma vantagem competitiva de viações tradicionais vis-à-vis operadoras menores em termos de preços negociados com fabricantes.

Leia também

Em nova fase, Creditas reinveste todo o lucro para acelerar a expansão, diz CEO

De João Fonseca a corredores: como a On entrou na disputa das marcas no Brasil

Sem bala de prata, foco é o longo prazo, diz CEO da Dasa. Mas resultados já aparecem

Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.