Brasil pode se beneficiar de reconfiguração da indústria, diz CEO global da Lycra

Em entrevista à Bloomberg Línea, Julien Born revela decisão de trazer uma nova linha de produção ao Brasil, em sintonia com o fenômeno conhecido como nearshoring

Linha de produção da norte-americana Lycra em Paulínia, no interior de São Paulo (Foto: Divulgação)
11 de Julho, 2023 | 04:40 AM

Bloomberg Línea — Com a pandemia da covid-19, grandes grupos globais reavaliaram suas operações industriais, diante das interrupções das cadeias de suprimentos. O movimento conhecido como nearshoring, de levar a produção para perto de mercados consumidores, vem sendo amplamente debatido, mas ainda pouco colocado em prática no Brasil. Mas isso começa a mudar: a norte-americana Lycra decidiu trazer uma nova linha para sua fábrica em Paulínia, no interior de São Paulo, elevando a aposta na região, afirmou o CEO global do grupo americano, Julien Born, em entrevista à Bloomberg Línea.

“Grandes varejistas tentam desenvolver a cadeia de fornecedores nas Américas. Isso vai levar tempo, mas já está acontecendo e acreditamos que haverá uma reconfiguração das indústrias globais”, disse o executivo, que comanda a empresa há mais de dois anos e tem 25 de experiência no setor.

Born, que trabalhou oito anos em Xangai e Hong Kong, relatou que a pandemia foi um divisor de águas para as indústrias que atuam ou dependem das cadeias produtivas da região. Segundo o executivo, desde então as empresas vêm tentando diversificar geograficamente suas operações.

“Até os chineses estão investindo mais em países próximos, mas o país vai continuar a ser um mercado muito importante. É difícil substituir rapidamente os fornecedores que foram desenvolvidos por lá, onde a cadeia é muito bem integrada e eficiente”, avaliou.

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Economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), Rafael Cagnin avalia que o nearshoring estará mais voltado para investimentos em novas capacidades produtivas.

“É como se fosse um transatlântico que muda de direção: passamos décadas com as cadeias produtivas indo para um sentido. Agora, temos incentivos para mudar um pouco essa configuração global, mas o movimento será lento, não vejo fechamentos de unidades produtivas para reaberturas em outros locais”, disse.

Segundo o especialista, o nearshoring tem como objetivo mitigar riscos geopolíticos e climáticos, mas a pandemia reforçou essa necessidade.

“Há um conjunto de fatores que pode vir a prejudicar os fluxos de comércio internacional”, disse. O nearshoring pode trazer a produção para dentro do país que vai consumir aquela mercadoria ou para nações que estão próximas geograficamente ou mesmo aliadas, como os Estados Unidos têm feito com México e Canadá.

Nas Américas, a Lycra tem uma fábrica nos Estados Unidos, uma no México e outra no Brasil para atender a demanda da região e parte para exportação. Agora, decidiu trazer para sua fábrica de Paulínia a produção de um dos seus fios, o Anti-slip, com foco no mercado de jeans.

“Decidimos que teremos produção local desse fio no Brasil, há grandes fabricantes de jeans no país”, afirmou a vice-presidente da Lycra para as Américas, Adriana Morasco, à Bloomberg Línea.

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), em 2022 o Brasil figurou entre os cinco maiores produtores e consumidores de denim do mundo.

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A executiva afirmou que a tecnologia Anti-slip aumenta a durabilidade dos tecidos denim. “Com essa aposta, pretendemos levar o mercado para produtos de mais qualidade”, explicou. A expectativa é que 80% do fornecimento de elastano da Lycra para o segmento denim, no Brasil, seja do fio Anti-slip.

Aproximação com as marcas

Morasco observou que grande parte do trabalho da companhia é desenvolver produtos juntamente com as marcas do varejo. “Queremos estar próximos do consumidor, vendendo valor agregado. Empresas que só querem preço não são clientes da Lycra”, disse a executiva.

A executiva esclareceu que, em média, de 2% a 5% de uma peça de jeans é composta de elastano; em camisetas, esse percentual é de 5%; em moda íntima, de 8% a 10%; em moda praia, de 15% a 25%; e, em peças de ginástica em torno de 20%.

Born disse que o Brasil é um dos poucos países do mundo com toda a cadeia produtiva do setor têxtil, dos insumos ao varejo. “Temos condições de suprir o mercado local e até exportar”, afirmou.

Julien Born, CEO global da Lycra Company

No ano passado, o Brasil ficou entre os quatro maiores produtores de malhas do mundo, de acordo com a Abit. No período, foram registradas 22,5 mil unidades produtivas formais em todo o país. Ainda segundo a entidade, o setor encerrou o ano passado com 1,34 milhão de empregos formais.

Apesar do potencial, Morasco relatou que este tem sido um ano desafiador para o setor globalmente, diante da inflação e dos juros elevados. Em sua avaliação, o consumidor está menos motivado a gastar, e o investidor, menos propenso a colocar dinheiro na produção industrial.

“No geral, 2023 não deve ser um ano de expansão”, disse a executiva. Em Paulínia, ela afirmou que a fábrica da Lycra vinha operando em um ritmo forte, equivalente a 95% da capacidade, mas que tem havido uma certa desaceleração. “Estamos apostando em valor agregado para crescer. Vamos trabalhar junto com os clientes para desenvolver novas propostas.”

Born acrescentou que a companhia tem uma presença considerada forte no varejo da América Latina, com muitas varejistas expondo a marca Lycra nos selos de suas roupas. “Temos parcerias importantes no Brasil, que é um mercado muito relevante para nós”, disse.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.