Boeing perdeu o controle de centenas de peças defeituosas do 737, diz delator

Alegações foram detalhadas em depoimento de inspetor de qualidade da empresa a uma agência federal e divulgadas por um subcomitê do Senado; Boeing diz que analisa a denúncia

Fábrica da Boeing em Renton, Washington
Por Allyson Versprille - Julie Johnsson
18 de Junho, 2024 | 01:00 PM

Bloomberg — Um inspetor de qualidade da Boeing alegou que o fabricante de aviões tratou de maneira inadequada e perdeu o controle de centenas de peças defeituosas, algumas das quais ele afirmou que podem ter sido instaladas em novos aviões 737 Max. É a mais recente revelação feita por um delator que aponta possível má conduta na empresa no controle de qualidade.

As alegações foram detalhadas em um depoimento de 11 de junho pelo inspetor da Boeing Sam Mohawk ao órgão federal Administração de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA) e foram divulgadas por um subcomitê do Senado dos EUA nesta terça-feira (18), em um memorando aos membros.

A Boeing (BA) disse que está revisando as alegações após receber o documento na segunda-feira (17) à noite.

Até o ano passado, a Boeing havia perdido até 400 peças defeituosas dos aviões 737 Max e excluído os registros de muitas delas de um sistema interno de catalogação, de acordo com a denúncia.

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As chamadas “peças em não conformidade” são componentes danificados ou inadequados que devem ser rastreados, descartados ou reparados, com registros meticulosos para garantir que não sejam usados no processo de fabricação das aeronaves.

Mohawk também alegou que a Boeing “escondeu intencionalmente” alguns componentes grandes armazenados de forma imprópria, como lemes e flaps, da Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA) antes de uma inspeção no local.

As alegações, que não haviam sido tornadas públicas anteriormente, se somam a uma série de outras denúncias de delatores que alegam que a empresa teria cortado custos em seus processos de produção e qualidade. Alguns delatores disseram que foram encorajados a ficar em silêncio ou sofreram retaliação por levantar preocupações.

“Continuamos a incentivar os funcionários a relatar todas as preocupações, pois nossa prioridade é garantir a segurança de nossos aviões e do público que voa”, disse a Boeing em um comunicado.

A queixa de Mohawk foi divulgada pelo Subcomitê Permanente de Investigações do Senado no mesmo dia em que planeja ouvir o depoimento do CEO da Boeing, Dave Calhoun - e fornece novas linhas de investigação para a fabricante em dificuldades.

O painel abriu uma investigação sobre o fabricante de aviões após uma quase catástrofe em janeiro, quando uma seção da fuselagem se soltou de um 737 Max da Alaska Airlines logo após a decolagem.

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As ações da Boeing recuavam perto de 2% na Bolsa de Nova York nesta terça-feira por volta das 12h30 (horário de Brasília). No acumulado de 2024, perderam cerca de um terço de seu valor, enquanto o S&P 500 avançou perto de 15%.

Documentos e relatos de delatores coletados pelo painel até agora “desenham um quadro preocupante de uma empresa que prioriza a velocidade de fabricação e a redução de custos em detrimento da qualidade e segurança das aeronaves”, disseram os funcionários do painel em um memorando aos membros.

A FAA disse em um comunicado na segunda-feira à noite que incentivou os funcionários da Boeing a se manifestarem com suas preocupações de segurança e viu um aumento nos relatos desde 5 de janeiro como resultado.

Onze vezes mais denúncias

A agência divulgou na semana passada que recebeu mais de 11 vezes mais relatos de delatores da Boeing nos primeiros cinco meses deste ano em comparação com todo o ano de 2023.

“A FAA incentiva fortemente qualquer pessoa com preocupações de segurança a relatá-las”, disse a agência federal. “Investigamos minuciosamente cada relato, incluindo alegações descobertas no trabalho do Senado.”

As novas alegações aumentam a pressão que a Boeing enfrenta de Washington.

A empresa está sendo investigada por diferentes agências federais, incluindo o Departamento de Justiça. Os promotores também avaliam se acusam a Boeing depois que descobriram que o fabricante de aviões violou um acordo que permitiu à empresa evitar acusações após dois acidentes fatais com o 737 Max em 2018 e 2019, que deixaram 346 mortos.

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Mohawk afirmou que dezenas de componentes do 737 estavam sendo armazenados de forma inadequada ao ar livre e que a Boeing ordenou aos funcionários que movessem a maioria deles para outro local depois de receber um aviso da FAA em junho de 2023 de que a agência realizaria uma inspeção no local. Ele afirma que as peças foram eventualmente devolvidas ao local externo ou perdidas completamente.

Segundo o memorando do subcomitê, as peças em não conformidade na Boeing devem ser marcadas com uma etiqueta vermelha ou pintura vermelha e mantidas em uma área segura da fábrica.

As demandas sobre o trabalho de Mohawk monitorando essas peças aumentaram após a paralisação mundial do 737 Max provocada pelos dois acidentes fatais.

Mohawk alegou que “o grande número avassalador de peças em não conformidade eventualmente levou seus superiores a direcioná-lo e a outros a eliminar ou ‘cancelar’ os registros que designam uma peça como em não conformidade”, segundo o memorando.

“A Boeing precisa parar de pensar na próxima teleconferência de resultados e começar a pensar na próxima geração”, planeja dizer o senador Richard Blumenthal, de Connecticut, que preside o painel, em seus comentários preparados.

Mohawk alegou que tentou elevar as preocupações por meio do programa interno de relatórios da Boeing chamado “Speak Up”, mas que o documento que preparou acabou sendo encaminhado aos mesmos gerentes sobre os quais havia reclamado.

As preocupações levantadas por Mohawk apresentam semelhanças com alegações anteriormente feitas pelo falecido delator da Boeing John Barnett sobre a produção de uma das outras principais aeronaves da empresa, o 787 Dreamliner. A polícia concluiu em maio que a morte de Barnett, que ocorreu em meio a um litígio em curso com o fabricante de aviões, foi resultado de suicídio.

Em uma audiência anterior sob Blumenthal em abril, o engenheiro da Boeing Sam Salehpour também alegou que a empresa havia montado incorretamente as “barrel sections” de seu modelo 787 para economizar tempo e dinheiro, acusação que a empresa refutou.

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