Bloomberg Línea — Não é exagero dizer que a Bemobi enfrentou uma espécie de “tempestade perfeita” nos últimos anos, depois que a empresa de tecnologia especializada em pagamentos e serviços digitais concluiu seu IPO (oferta pública inicial de ações) em 2021.
O primeiro obstáculo se deu quando a Oi, então sua maior cliente, se desfez da operação móvel no processo de recuperação judicial.
Depois, a Ucrânia e a Rússia, que representavam o terceiro e o quarto maiores mercados da Bemobi, entraram em guerra por iniciativa de Vladimir Putin. Em seguida, a forte desvalorização cambial em países emergentes onde a empresa opera prejudicou os resultados.
Para o CEO, Pedro Ripper, a fase mais desafiadora ficou para trás. E o reflexo disso é a volta do crescimento de dois dígitos da receita líquida e do Ebitda no quarto trimestre de 2024, segundo os resultados divulgados no último dia 20.
A Bemobi também aprovou uma nova política de dividendos que prevê a distribuição de R$ 200 milhões em proventos sobre o ano de 2025, o que equivale a um dividend yield de 16%. É um nível de retorno comparável ao de empresas que são reconhecidas como grandes pagadoras de dividendos, como a Petrobras (19% em 2024).
“Tivemos o melhor resultado de 2024 e o melhor dos últimos nove trimestres”, disse Ripper em entrevista à Bloomberg Línea.
“Toda empresa que cresce sempre tem um trimestre melhor que o outro. Mas nesse caso de fato tem um gostinho de recorde. É o maior crescimento que tivemos em um bom período sem ter nenhuma aquisição para puxar para cima.”
O pagamento de proventos em 2025, se confirmado, será o maior já realizado pela companhia e quase quatro vezes maior do que a distribuição de R$ 55 milhões referentes ao resultado de 2024, considerando dividendos e juros sobre capital próprio.
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A Bemobi registrou receita líquida de R$ 165,3 milhões no quarto trimestre, um aumento de 19,8% na comparação com o mesmo período do ano anterior. O Ebitda ajustado (uma medida de geração de caixa operacional) subiu 19,1% para R$ 55 milhões.
Já o lucro líquido caiu 4,1% na comparação anual, para R$ 45,3 milhões, mas somou R$ 129,3 milhões no resultado consolidado do ano, com uma expansão de 26,9%.
Os resultados positivos impulsionaram as ações. O papel da Bemobi (BMOB3) subiu 9,40% na sexta-feira (21), após a divulgação do balanço, alcançando o maior valor desde março de 2022.
Na quarta-feira (26), o papel fechou em alta de 2,58%, a R$ 16,71, acumulando uma alta de 23% neste ano até agora, ante um ganho de 10,2% do Ibovespa.
Analistas do Itaú BBA liderados por Thiago Kapulskis elevaram a ação da Bemobi para “co-top pick” entre os ativos de tecnologia do Brasil, citando o momento positivo da empresa e a tendência sólida de crescimento e de geração de caixa saudável.
O CEO Pedro Ripper diz que a decisão de ampliar a distribuição de dividendos reflete um maior nível de confiança e de previsibilidade dos resultados da empresa para os próximos meses.
“Passados 12 meses, a névoa se dissipou. Os resultados foram bons, e a gente está com uma posição de caixa maior do que a gente tinha antes”, afirma.
Diversificação e estratégia de M&A
A Bemobi nasceu em 2009 a partir do spin-off da empresa de tecnologia M4U comprada pela Cielo. A empresa se especializou em uma solução de assinatura para games e aplicativos de celular e cresceu ao longo dos anos servindo operadoras em diversas regiões.
Desde o IPO, a empresa vem buscando diversificar as receitas, atuando também com recargas de créditos de celular, um serviço de microfinanciamento para clientes pré-pago de operadoras e um negócio de score de crédito, baseado no consumo de celular, usado por bancos.
Mais recentemente a empresa passou a oferecer também um serviço de meio de pagamento para empresas de cobranças recorrentes, como distribuidoras de energia e escolas particulares.
Ao todo a Bemobi diz ter mais de cem companhias de telecomunicações, distribuição de energia, educação e finanças entre seus clientes, que atuam em mais de 50 países, servindo cerca de 80 milhões de clientes.
Hoje o negócio original de assinaturas digitais representa 32,7% das receitas, enquanto as novas soluções de pagamento são 34,8%. As demais áreas de negócio são Software as a Service (SaaS), com 21% das receitas, e Microfinanças, com 11,5%.
A estratégia de diversificação foi construída a partir de fusões e aquisições feitas pela Bemobi. Ao todo, a empresa adquiriu sete empresas, de olho nessa expansão.
Segundo Pedro Ripper, a empresa “continua com a mesma fome de fazer bons M&As”, e segue estudando a aquisição de empresas que possam ajudar a empresa a expandir a atuação em meios de pagamento.
Ele afirma que a estratégia de M&A está voltada a verticais e segmentos com pagamentos recorrentes que ainda são sub-atendidos por soluções de meios de pagamentos digitais.
“Eventualmente, a maneira de entrar em um segmento pode ser comprando uma empresa que entenda desse setor ou que complemente o negócio com uma solução que a gente não tem”, diz Ripper.
Ele cita como exemplo a empresa software Agenda Edu, comprada pela Bemobi, que tinha solução para escolas particulares. A aquisição em dezembro de 2023 ajudou a companhia a entrar no segmento de educação.
A Bemobi também aguarda a conclusão da compra de uma empresa que tem uma licença de instituição de pagamento. O processo está em análise e depende de aprovação do Banco Central, segundo Ripper.
Segundo o CEO, a licença pode ajudar a empresa a se adaptar mais rapidamente a evolução dos meios de pagamento digitais, como novas soluções previstas para o Pix, o sistema de pagamento instantâneo do Banco Central.
“Quando você olha a janela dos próximos 18 meses e a quantidade de inovação que está havendo no Pix, a gente achou que era desejável ter um pouco mais de controle da cadeia inteira”, diz Ripper.
Um exemplo é a modalidade do Pix automático, que está em desenvolvimento e pode ser capaz de substituir o débito automático em conta corrente. Ripper avalia que essa é uma solução que está no “core” do negócio da Bemobi.
“Vamos supor que meus parceiros de solução do Pix não priorizam isso e preveem lançar a solução três meses depois de ela entrar em vigor. Para mim, é essencial. Não posso me dar o luxo de entrar três meses depois”, disse.
Expansão em utilities
No setor de utilities, Ripper diz que ainda vê muito espaço para crescimento e que a Bemobi ainda “está engatinhando” no segmento, com potencial de atrair mais clientes.
Segundo ele, as empresas do Brasil representam quase 100% do negócio, mas existem oportunidades de crescimento em utilities também em outros mercados onde a Bemobi atua.
A empresa já trabalha em um projeto com uma companhia de telecomunicações na Colômbia e tem a expectativa de avançar também em negócios no Chile e no México, segundo ele.
“Não acho que é provável que a gente chegue a 60 países, como fazemos em assinaturas digitais. Mas, dito isso, tem outros países que a gente vê oportunidades”, diz.
“O business de pagamento, mesclado com o software as a service, era 10%, 15% do nosso faturamento. Agora é quase 60%. A gente virou uma empresa de soluções de pagamento especializadas.”
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