Bloomberg Línea — Há um fog que paira sob a house of brands da Azzas 2154 (AZZA3), empresa resultante da fusão entre Arezzo e o Grupo Soma, anunciada há mais de um ano.
Estrangeirismo à parte, a metáfora da neblina foi usada por analistas do varejo para descrever a falta de visibilidade dos ganhos de sinergias com a integração das estruturas e das marcas de vestuário, calçados e acessórios, sob o espectro de rumores de discordâncias de gestão entre os principais executivos do conglomerado de moda.
A companhia já encolheu cerca de R$ 8,5 bilhões em valor de mercado desde a confirmação do acordo de fusão em fevereiro do ano passado.
Arezzo (R$ 6,97 bilhões) e Soma (R$ 6,052 bilhões) valiam, juntas, cerca de R$ 13 bilhões. Agora o valor de mercado da Azzas caiu para R$ 4,4 bilhões, uma desvalorização de 66%.
Nesta sexta-feira (14), a ação da Azzas 2154 fechou em queda de 10,42% na bolsa brasileira, a R$ 21,50, o que levou a desvalorização no acumulado deste ano para 26%.
Hoje a causa principal para a queda foi a notícia no início do dia sobre a iminência de um “divórcio” na ambição proclamada há um ano de criar uma gigante de R$ 12 bilhões em receita anual que unia 34 marcas, mais de 2.000 lojas, 1.500 franquias e 22 mil funcionários.
Segundo o site Pipeline, do Valor Econômico, divergências importantes nos estilos de gestão do negócio entre Alexandre Birmann (Arezzo) e Roberto Jatahy (Soma) teriam tornado uma separação algo inevitável, com assessorias legais e financeiras já em atuação dos dois lados.
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O processo de cisão dos negócios estaria, segundo o Pipeline, na fase de sondagem de empresas de private equity e family offices que possam potencialmente apresentar um valor pelas ações de Jatahy.
A Azzas, por meio de sua assessoria de imprensa, divulgou aos pedidos de comentários da Bloomberg Línea sobre a notícia a seguinte declaração: “O grupo Azzas 2154 informa que não comenta rumores de mercado e que segue focado na execução das suas diretrizes estratégicas”.
Diferenças entre Birman e Jatahy
Rumores de conflitos entre Birman e Jatahy não são exatamente novidade do mercado - e isso não impediu que investidores e analistas, de forma geral, acreditassem na fusão diante do potencial de geração de valor.
Desde o anúncio da fusão no início de 2024, os dois executivos são questionados publicamente sobre as diferenças de cultura organizacional entre Arezzo e Grupo Soma, com funcionários que relatam o estilo mais centralizador de Birman no processo de tomada de decisão.
Na entrevista coletiva de anúncio do negócio, Birman chegou a brincar com o assunto e prometeu ouvir mais os sócios, dizendo que faria visitas constantes a Blumenau, em Santa Catarina. A cidade é sede da Hering, uma das principais marcas do então Grupo Soma.
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O principal ponto de atenção dos analistas, por outro lado, é o ritmo de captura de sinergias com a união entre as unidades de vestuário masculino e feminino e de calçados e acessórios, e o impacto dessa combinação de negócios para os resultados futuros da companhia.
“Fog crescente sobre as margens e a integração”: assim o analista Rodrigo Gastim, do Itaú BBA, resumiu a performance da Azzas em 2024 sobre o balanço divulgado no começo da semana. “Mais um trimestre nublado”, descreveu a equipe de varejo da XP, liderada por Daniela Eiger, em relatório.
Caso seja confirmada a saída de Jatahy, não será o primeiro desembarque da fusão da house of brands.
Em agosto, Rony Meisler, fundador da Reserva, já havia anunciado que deixaria de comandar a vertical de vestuário masculino.
A saída foi acompanhada por outros três executivos do grupo (Fernando Sigal, Jayme Nigri Moszkowicz e José Alberto da Silva), que participaram da fundação da Reserva.
Margens pressionadas
O resultado do quarto trimestre também apontou margens de lucro abaixo das expectativas.
Foi mais um trimestre frustrante para o desempenho das vendas dos “carro-chefes” da companhia (Arezzo, Schultz, Anacapri e Reserva), enquanto as principais marcas advindas do Grupo Soma (Farm e Hering) apresentaram uma performance com mais brilho, segundo analistas.
Birman apontava que 2025 seria o primeiro ano de receitas adicionais decorrentes da fusão. O BTG Pactual chegou a estimar as sinergias possíveis de serem capturadas com o negócio em R$ 4,5 bilhões (35% do market cap combinado dos dois grupos).
O comando da Azzas buscou dar um tom otimista sobre as perspectivas para 2025, com foco principal em impulsionar a alavancagem operacional e os ganhos de eficiência para melhorar os retornos e a geração de caixa, observou a analista do Goldman Sachs, Irma Sgarz, em relatório sobre o balanço.
O lucro líquido reportado no quarto trimestre foi negativo, devido a despesas não recorrentes relacionadas à fusão, mas mesmo o lucro líquido recorrente caiu 36% na comparação anual e ficou notavelmente aquém do consenso (R$ 169 milhões ante consenso de R$ 229 milhões).
As margens de lucro foram pressionadas por maiores liquidações de coleções para reduzir estoques na marca Reserva, uma das principais do portfólio de vestuário masculino, e de outras que serão descontinuadas pela companhia (Baw, Alme, Dzarm, Reversa e Simples).
Houve impacto também de despesas com campanhas de marketing. Neste mês, por exemplo, o grupo lançou uma campanha da coleção de inverno da Arezzo, estrelada por Fernanda Torres, atriz de Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Pelo acordo de fusão, acionistas da Arezzo detêm 54% da Azzas, enquanto os do Grupo Soma, 46%. O acordo de acionistas tem prazo de dez anos.
O conselheiro externo da Azzas é Guilherme Bechimol, cofundador e presidente do conselho da XP. O conselho da Azzas tem sete membros. A gestora americana BlackRock é uma das acionistas, pois já possuía 5,15% da Arezzo e 5,33% do Grupo Soma na época do anúncio da fusão.
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