Bloomberg — O dia 10 de março de 2023 deveria ter sido um dia de comemoração para o empresário Eric Vogel. Ele estava prestes a assinar um acordo de financiamento para sua startup de reciclagem, a Circularr, após cinco meses de auditoria. O investidor só queria entrar em contato com uma pessoa de referência – uma mera formalidade antes de fechar o negócio.
Essa ligação nunca aconteceu. “Eles não apareceram porque foi o dia do colapso do Silicon Valley Bank (SVB), e um de seus principais parceiros bancários era o SVB”, disse Vogel.
O colapso do SVB foi rápido e impressionante, desencadeando dias de terror no Vale do Silício. Garry Tan, da Y Combinator, alertou que o fracasso poderia ser um “evento de nível de extinção” para as startups de tecnologia.
O investidor Jason Calacanis publicou no Twitter em letras garrafais: “VOCÊS DEVERIAM ESTAR ABSOLUTAMENTE ATERRORIZADOS”. Por um tempo, parecia que o contágio poderia se espalhar por todo o sistema bancário dos Estados Unidos.
No entanto, apenas um ano após a crise e o resgate do banco, o setor voltou ao normal. As startups ainda conseguem encontrar bancos para depositar seu dinheiro. Investidores de capital de risco procurados pela reportagem não atenderam a um pedido de entrevista, afirmando que não pensavam mais no assunto. E até o próprio Silicon Valley Bank está de volta aos negócios, com o slogan publicitário “Yes, SVB” (“Sim, SVB”, em tradução livre).
Mas em alguns cantos do mundo da tecnologia, as coisas não voltaram a ser como eram – tanto para melhor quanto para pior.
Na Circularr, Vogel nunca recebeu a última ligação dos investidores. A empresa com a qual ele estava trabalhando, cujo nome ele não quis revelar, recuperou o acesso bancário, mas os investidores pediram desculpas e desistiram da rodada. O negócio foi cancelado.
“Isso os assustou”, afirma Vogel. Se não fosse pela crise do SVB, disse ele, “teríamos liberado a rodada”.
Aprendendo na marra
O colapso do Silicon Valley Bank deu início a um ano difícil no Vale do Silício, agindo como um prenúncio de uma queda global para startups e investidores. A empresa de capital de risco NFX constatou que 59% dos fundadores pesquisados após a crise achavam que ela teria um efeito inibidor sobre sua capacidade de arrecadar dinheiro. E mesmo com a febre da inteligência artificial, as startups em 2023 tiveram seu pior ano de financiamento desde 2019.
No próprio SVB, os executivos iniciaram o longo processo de tentar reconstruir a confiança ao visitar clientes e divulgar que o banco está aberto para negócios. Matt Murphy, sócio da Menlo Ventures, contou que representantes do banco visitaram sua empresa várias vezes no ano passado para explicar o que havia mudado no SVB e o que permanecia igual. Alguns dos mesmos funcionários também permaneceram na empresa.
“Basicamente, eles dizem que é quase tudo a mesma coisa”, disse Murphy – só que desta vez com um balanço patrimonial mais sólido.
O presidente de serviços bancários comerciais do SVB, Marc Cadieux, diz que o primeiro passo do banco foi pedir desculpas.
“Começar com um pedido de desculpas foi essencial”, disse ele. O colapso “foi traumático, sem dúvida alguma”. Agora, o banco está adotando “uma abordagem muito paciente e cuidadosa para reconquistar a confiança de nossos clientes”, disse Cadieux.
Desde o colapso, a maioria das startups mudou seu comportamento bancário, dizem os fundadores e investidores. Em um determinado momento, o SVB era a opção padrão para todas as necessidades bancárias – de dívida de risco a poupança e, às vezes, até mesmo hipotecas e financiamento de startups. Agora, ele é um dos muitos bancos com os quais as startups trabalham.
No ano passado, nesta época, “eu estava pirando”, disse Edith Yeung, sócia geral da Race Capital, que tinha 100% de seu dinheiro depositado no SVB. Agora, “todos estão basicamente abrindo várias contas bancárias e evitando depositar todos os recursos em uma mesma instituição – por precaução”, disse Yeung.
É claro que Yeung observou que alguns fundadores agora evitam o SVB por completo. Mas outros não conseguem abandoná-lo. Jai Das, cofundador da Sapphire Ventures, disse que muitas startups gostam da interface de usuário do SVB. Muitos dos diretores financeiros das empresas de seu portfólio queriam continuar com o SVB, mesmo depois do colapso.
Para essas startups, Das disse que dá o seguinte conselho: “você pode usar o SVB se quiser, mas não deve colocar todo o seu dinheiro no SVB”.
Lado positivo
Algumas fintechs conseguiram aproveitar uma oportunidade em meio ao caos. Quando o SVB afundou, a startup de cartões de crédito Brex ajudou as empresas a abrir contas com a empresa e começou a montar um programa de empréstimo emergencial de US$ 1 bilhão para ajudar as empresas afetadas a cumprir suas obrigações de folha de pagamento.
“Hoje temos muitos clientes porque as pessoas viram como reagimos à crise do SVB e como nossos concorrentes não reagiram”, disse o co-CEO da Brex, o brasileiro Henrique Dubugras.
A Brex mais do que dobrou seus depósitos de clientes, chegando a cerca de US$ 7 bilhões, ante US$ 3 bilhões desde o colapso do SVB, disse Dubugras. A empresa reteve mais de 80% dos clientes que se inscreveram na semana do colapso do banco.
Na Rippling, startup de gestão de mão de obra liderada por Parker Conrad, cerca de US$ 300 milhões de seus fundos foram congelados no SVB quando o banco entrou em colapso. Isso significava que os clientes da Rippling não poderiam pagar milhares de funcionários, a menos que a empresa encontrasse uma solução.
Em poucas horas, Conrad conseguiu reunir US$ 500 milhões em financiamento para garantir que as pessoas fossem pagas. “Foi muito estressante, obviamente”, disse ele. “Provavelmente o dia mais estressante da minha vida”.
O resgate do SVB significou que a Rippling nunca teve que tocar no dinheiro que arrecadou. Conrad disse que sua empresa ainda o tem guardado, junto com os US$ 250 milhões que levantou em 2022. A Rippling saiu da crise em uma posição relativamente forte. Ainda assim, Conrad lamenta que as fintechs tenham perdido um aliado e um parceiro bancário disposto a isso quando o banco entrou em crise.
Mesmo sem uma crise bancária internacional, a vida de um fundador de startup pode ser uma montanha-russa. Vogel disse que as coisas começaram a melhorar para a Circularr há alguns meses.
No segundo semestre de 2023, a empresa estava se preparando para fechar uma rodada de financiamento liderada por um investidor israelense. No entanto, após o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro e a guerra que se seguiu, o investidor se retirou, deixando a Circularr sem saída mais uma vez. “É uma batalha difícil”, disse Vogel.
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