Aposta em marcas de diferentes segmentos permite manter a margem, diz CEO do Fleury

À Bloomberg Línea, Jeane Tsutsui explica por que a marca Fleury, voltada para a alta renda, teve um crescimento de receita menor do que a de outros laboratórios do grupo em São Paulo

Jeane Tsutsui: 'As outras marcas do grupo em São Paulo apresentam um crescimento mais expressivo porque possuem ainda um market share menor'
10 de Maio, 2024 | 10:34 AM

Bloomberg Línea — A estratégia do grupo Fleury (FLRY3) de diversificar suas marcas para atender segmentos de renda variados tem ajudado a companhia de medicina diagnóstica a manter o crescimento e as margens de lucro em meio à desaceleração na alta renda, de acordo com a CEO, Jeane Tsutsui.

A executiva atribui o crescimento mais lento da marca Fleury, que é voltada ao segmento premium e responsável por 25% do faturamento total do grupo, a fatores sazonais, associado aos hábitos de viagem do público de alta renda.

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No primeiro trimestre, a receita bruta da marca cresceu 2,3% na base anual, um ritmo abaixo dos 11% verificados em outros laboratórios do grupo em São Paulo, como Campana, Amais (a+), Hermes Pardini, IACS e Clínica Dra. Odivânia, segundo o balanço divulgado na noite de quinta-feira (9). Ao todo, o Fleury tem 25 marcas, com atuação em diferentes regiões do país.

“A Semana Santa caiu no final de março, e não em abril como ocorre normalmente. Lembrando que a marca Fleury é premium, com market share acima de 50%, e esse público acaba viajando mais quando há um feriado. É uma marca um pouco mais impactada pelos feriados, mas mesmo assim conseguimos manter o market share”, disse a CEO em entrevista à Bloomberg Línea.

As ações do Fleury subiam 1,15% por volta das 10h25 (horário de Brasília) nesta sexta-feira, negociadas a R$ 14,84. Os papéis acumulam perda de 17,7% em 2024, depois de atingirem um pico no fim do ano passado.

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Quase centenária (98 anos), a marca Fleury (FLRY3) faz parte da estratégia do grupo para o atendimento do público de alta renda em São Paulo com seus laboratórios em bairros nobres, instalados em imóveis históricos, como casarões da Avenida Brasil ou da Avenida República do Líbano.

Nos últimos trimestres, o crescimento mais lento da marca tem desafiado o trabalho de analistas, preocupados com o eventual risco de perda de market share em um segmento mais rentável de pacientes.

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“Ter marcas em diferentes segmentos, com o passar do tempo, permite crescer e manter a margem”, diz Tsutsui. “As outras marcas do grupo em São Paulo apresentam um crescimento mais expressivo porque possuem ainda um market share menor, ou seja, têm espaço para crescer mais.”

Apesar dos efeitos de sazonalidade no trimestre, que também incluiu o feriado do Carnaval, o grupo teve uma resultado dentro das expectativas do mercado, segundo o CFO José Antonio Filippo.

O lucro líquido contábil cresceu 79% para R$ 168 milhões no comparativo anual, com margem de 8,8%, acima dos 7,6% do primeiro trimestre de 2023.

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Mesmo com a mudança de mix de marcas e serviços, o balanço trouxe uma expansão de margem Ebitda, reflexo das ações para controle de custos e despesas, além da captura de sinergias, segundo a empresa.

A receita bruta de R$ 2,1 bilhões representou uma alta anual de 7% no resultado proforma. O Ebitda cresceu 11%, com margem de 27,2%, ante 26% em igual trimestre de 2023.

A desaceleração no crescimento das marcas premium é vista como um desafio operacional, um obstáculo à rentabilidade do grupo, mas provavelmente isso já está precificado nos números do consenso do mercado, segundo um relatório do Goldman Sachs. No último dia 23 de abril, o banco elevou a recomendação para a ação do Fleury de neutra para compra, com preço-alvo de R$ 19, upside de 29% ante fechamento do dia 9 (R$ 14,75).

Os analistas Gustavo Miele e Emerson Vieira justificaram o upgrade citando catalisadores como a perspectiva de melhora das margens operacionais, menor nível de alavancagem em relação a outros players do setor, novas aquisições e ganhos de sinergias com a integração do Grupo Pardini, em curso desde maio do ano passado.

Sede do Grupo Fleury

Efeito da dengue e carteira de motorista

No primeiro trimestre, o volume de exames do grupo totalizou 37,3 milhões, com crescimento de 1,4% principalmente pelo efeito de expansão orgânica. No resultado pro forma, os atendimentos atingiram 3,8 milhões no trimestre, aumento de 2,8%.

Outros fatores pontuais, como um surto de dengue e a obrigatoriedade de testes toxicológicos para renovação de carteiras de motoristas, impulsionaram o aumento de receitas em outros laboratórios do grupo, como os localizados em Minas Gerais, onde o faturamento também cresceu 11%.

Nesse estado do Sudeste, o grupo opera com as marcas Hermes Pardini, Méthodos, Ecoar, LabClass e Sete Lagoas.

“O surto de dengue foi expressivo em Belo Horizonte. Daí o crescimento um pouco maior em Minas Gerais”, explicou Tsutsui.

O maior volume de exames com maiores tickets, como dengue e toxicologia, além da maior participação de exames de imagem, contribuiu para a receita bruta por exame atingir R$ 36,9 no trimestre, um aumento de 1,7% na base anual.

“Houve aumento dos exames toxicológicos por uma questão regulatória, uma necessidade dos motoristas para renovar a CNH [Carteira Nacional de Habilitação]”, explica a executiva.

Graças à integração com Pardini, referência em testes toxicológicos, as outras unidades do Fleury passaram a ofertar esse tipo de exame desde o ano passado.

Efeito da estagnação dos planos de saúde

No Rio de Janeiro, onde estão as unidades das marcas Lafe, Felipe Mattoso, Labs a+, Centro de Medicina, a receita teve variação negativa (-0,7%), atribuída à “gradual redução de beneficiários nesta praça”.

A Unimed-Rio, por exemplo, deixou de ser operadora de plano de saúde em abril, enquanto a Prevent Senior anunciou a interrupção da venda de novos planos no Rio e em São Paulo, com a justificativa de garantir a qualidade dos atendimentos diante da demanda elevada.

Segundo a CEO do Fleury, a estagnação no número nacional de beneficiários dos planos de saúde (51 milhões) é desfavorável ao crescimento das empresas do setor, mas o grupo tem superado essa limitação por meio de aquisições que elevam seu volume de exames, aumentando o market share.

“É o mesmo percentual de 2013. O número de beneficiários tinha caído com a pandemia, depois subiu e agora está praticamente estável. Quanto mais beneficiários na saúde suplementar, mais crescimento têm as empresas de saúde”, diz Tsutsui.

A medicina diagnóstica representa, segundo ela, 20% do custo total da saúde suplementar. “Existe uma pressão na cadeia da saúde com a sinistralidade das operadoras. Elas estão repassando um preço maior para os pagadores — lembrando que 70% deles são empresas que pagam por seus planos corporativos”, afirma a CEO.

A executiva diz que as negociações de reajuste de preços com as operadoras não são fáceis atualmente, mas a companhia oferece soluções aos parceiros para controlar indicadores de sinistralidade, como serviços ambulatoriais e procedimentos, como infusão de medicamentos, alternativas à internação de pacientes crônicos.

“Devemos crescer mais com volume de exames do que com preços”, disse a executiva, reforçando a constatação de pouco espaço para negociar reajustes com os planos e hospitais.

Para a equipe de research do Goldman Sachs, o desempenho negativo do papel do Fleury em 2024 reflete mais sua exposição a movimentos gerais do mercado do que aos fundamentos de sua tese de investimento.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.