Bloomberg Línea — Com obras iniciadas há 40 anos e denúncias de corrupção no histórico, a usina nuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro, voltou a ganhar holofotes após abertura recente de consulta pública no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sua conclusão. Para fontes envolvidas e especialistas consultados pela Bloomberg Línea, o projeto deve enfrentar grandes desafios, com o custo final incerto.
O Ministério de Minas e Energia estimou que a conclusão de Angra 3 demandaria aproximadamente R$ 20 bilhões. Segundo a pasta, já foram gastos cerca de R$ 8 bilhões nas obras.
Atualmente, o complexo de energia nuclear de Angra dos Reis – onde funcionam outras duas plantas – opera sob o guarda-chuva da Eletronuclear, subsidiária da estatal ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional).
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Segundo a Eletronuclear, a nova unidade terá potência de 1.405 megawatts, com capacidade de gerar mais de 12 milhões de megawatts-hora por ano, o suficiente para atender 4,5 milhões de pessoas.
As obras tiveram início em 1984 e, hoje, 67% do total previsto está concluído. O custo para manter a unidade é de R$ 1,2 bilhão por ano, segundo levantamento da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), que representa empresas privadas e públicas do setor.
Nessa conta, está incluída a manutenção dos equipamentos que já foram instalados – cerca de 90% do total previsto para a planta. Caso a Eletronuclear deixe de fazer a manutenção por dois meses, há perda de garantia prevista em contrato com o fabricante, explicou o presidente da ABDAN, Celso Cunha, em entrevista à Bloomberg Línea.
O executivo afirmou ainda que a estatal paga mensalmente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à Caixa o financiamento firmado para a instalação dos equipamentos e para as obras de construção civil, o que acaba sendo um desembolso adicional ao montante bilionário. “Angra 3 tem desembolsos mensais, mas não tem geração de caixa”, disse Cunha.
Pela proposta do projeto, estruturado pelo BNDES, haverá uma licitação para a conclusão das obras. O modelo prevê a contratação de uma ou mais empresas com experiência na área, no formato “EPC” (construção, compra de equipamentos e montagem, na sigla em inglês).
Do orçamento total, uma parte será destinada para a compra de combustível nuclear (em contrato de longo prazo). A estimativa é que a usina comece a operar em meados de 2029.
Segundo uma pessoa envolvida no projeto, que falou sob condição de anonimato porque as discussões são privadas, a empresa francesa Framatome é uma das favoritas a levar a licitação.
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Procurada pela Bloomberg Línea, a Framatome informou que “estudará os documentos da licitação de EPC de Angra 3 que atualmente está em fase de consulta pública”.
O grupo francês já fornece equipamentos originais – o que a classifica como “OEM”, no jargão da indústria – para as unidades 2 e 3 do complexo e “está empenhado na conclusão do projeto Angra 3 com seus contratos existentes”.
Segundo a Framatome, os contratos existentes “cobrem todos os fornecimentos internacionais de equipamentos, suporte em serviços de design, gerenciamento de projetos e assistência técnica durante a montagem e comissionamento” da usina.
A empresa acrescentou que “está pronta para apoiar o projeto com pacotes/obras adicionais que estejam alinhados com as competências da Framatome para a conclusão de Angra 3.”
Novas tecnologias
Cunha disse que Angra 3 já “nasceria” totalmente digitalizada, o que facilitaria principalmente o monitoramento e as atualizações de segurança, inclusive em relação a usinas de outros países. Angra 1, por sua vez, segue analógica, enquanto Angra 2 é parcialmente digital.
Em termos de reator, no qual o urânio é transformado em energia pelo processo de fissão nuclear, Angra 3 terá a terceira geração de tecnologia disponível no mercado, uma vez que a unidade já começou a ser construída. Os reatores mais modernos são de quarta geração.
Segundo o presidente da ABDAN, a quinta geração ainda não está disponível, mas especula-se que venha com inteligência artificial para dar suporte ao operador.
“A França pretende instalar novos reatores, de quarta geração, que são pequenos e incorporam tudo de mais moderno”, afirmou Cunha.
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Na visão do fundador da consultoria Inter.B e ex-economista do Banco Mundial, Cláudio Frischtak, as pesquisas atuais no setor de energia nuclear envolvem reatores menores e mais seguros. “É possível que tenhamos nos próximos anos tecnologias com custos mais eficientes, o que não é o caso de Angra 3, que se tornou, em certa medida, desatualizada em relação à pesquisa nuclear atual.”
Ele alegou que é difícil enxergar a racionalidade em torno da decisão de seguir com as obras. “Há investimentos muito mais econômicos para aumentar a segurança do sistema, em particular a modernização das usinas hidrelétricas e a melhoria de seus reservatórios”, disse o especialista.
Frischtak acrescentou que, atualmente, há um cenário potencial de sobreoferta de energia no Brasil, o que torna a viabilidade econômica de novos projetos ainda mais desafiadora. “Nos últimos anos, tem sido adicionada uma capacidade muito grande ao sistema, o que gera demanda de transmissão. Não é um custo direto.”
Para um dos sócios do Leite, Tosto e Barros Advogados, Alexandre Paranhos, é preciso levar em conta os riscos de precificação do projeto. “Quanto dessa estimativa de R$ 20 bilhões está atrelado ao dólar?”, questionou. “Em tese, a usina vai começar a operar no final da década. Essa conta precisa ser melhor apurada.”
Segurança energética
Paranhos ponderou que, embora o preço atual da energia não seja suficiente para pagar o projeto de Angra 3, a guerra na Ucrânia mostrou que os países precisam de segurança energética. “É importante terminar as obras de Angra 3. A sobreoferta no país é de fontes intermitentes, temos um gargalo de energia”, disse.
Inicialmente, as estimativas do governo para a tarifa da usina eram de R$ 700 a R$ 800 por megawatt-hora (MWh). Cunha disse acreditar que a licitação irá para a praça com tarifa de cerca de R$ 500/MWh.
Frischtak alertou para eventuais subsídios.
“Se o governo subsidiar parte da tarifa, no final o consumidor pagará duas vezes pelo projeto: além de arcar com a obra, vai pagar pela compra de energia com subsídio”, disse. Para seguir com a licitação de Angra 3, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) precisa aprovar a tarifa.
No último dia 10, o Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou processos relacionados à Angra 3 e, segundo o ministro Jorge Oliveira, a análise do cálculo tarifário “apontou indícios de que a conclusão da usina não respeitará o princípio da modicidade tarifária”. Em seu voto, ele afirmou que esse princípio “estabelece que as tarifas cobradas pelos serviços públicos sejam razoáveis e acessíveis à população”.
“Estimativas mostram que, se Angra 3 for concluída e começar a funcionar, custará, em média, cerca de R$ 43 bilhões a mais do que outras opções de energia, em valor presente líquido, descontado a uma taxa de 8% ao ano”, disse o ministro-relator em seu voto, acrescentando que “os encargos aos consumidores serão muito mais altos em caso de continuidade da construção de Angra 3 do que de abandono do projeto”.
Segundo a ABDAN, o custo de abandono (desmobilização) de Angra 3 seria de aproximadamente R$ 13,5 bilhões, sem considerar os R$ 8 bilhões já aportados.
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O plenário do TCU determinou que o CNPE justifique “de maneira detalhada” sua decisão sobre Angra 3 e que o órgão considere os custos de eventual abandono da obra.
O Tribunal também recomendou que o CNPE, caso decida autorizar a outorga, “estabeleça limites para que novas ineficiências ou outros atrasos na obra não sejam mais incorporados ao preço a ser aprovado”, ou seja, não sejam repassados ao consumidor.
A Eletronuclear disse em nota que a informação do TCU se baseou em uma apresentação preliminar do BNDES no passado e que o preço da energia elétrica para Angra 3 será a resultante de um estudo contratado junto ao banco de fomento que ainda não está concluído.
“Somente após a conclusão dos estudos independentes é que a EPE [Empresa de Pesquisa Energética] poderá exercer seu ofício e dimensionar os impactos do empreendimento de Angra 3 no sistema elétrico nacional.”
Cunha afirmou que, nas últimas edições da Cúpula do Clima da ONU (COP), ficou “claro que sem energia nuclear não haverá transição energética”. Em sua visão, o projeto de Angra 3 tem o custo da continuidade.
“É preciso transparência no processo, mas retomar as obras tem um custo, do risco financeiro de um projeto que foi interrompido duas vezes, de o vencedor da licitação entrar lá e não saber o que vai encontrar.”