Americanas revela perdas de R$ 17 bi e ação vai a nove centavos com fim do lockup

Empresa varejista em recuperação judicial apresenta novos dados do balanço desde 2022 e indica desafio operacional para se viabilizar; ação cai 58% nesta quinta-feira (15)

Loja da Americanas em Brasília: rede varejista tem operado com prejuízos (Foto: Gustavo Minas/Bloomberg)
15 de Agosto, 2024 | 07:18 PM

Bloomberg Línea — A crise da Americanas (AMER3) ganhou novos capítulos nesta quinta-feira (15), com dados divulgados que revelam uma nova dimensão do rombo da operação: a empresa reportou prejuízos acumulados de R$ 17 bilhões durante dois anos e meio, em 2022, 2023 e no primeiro semestre de 2024.

A rede varejista se encontra em processo de recuperação judicial desde janeiro de 2023, após a revelação de fraudes contábeis da ordem de R$ 20 bilhões pelo então CEO Sergio Rial.

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Também nesta quinta, a ação da Americanas fechou em queda de 57,5%, negociada a R$ 0,14, após ter atingido a mínima histórica de R$ 0,09 durante o pregão na B3.

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A desvalorização acentuada refletiu a estratégia de bancos credores e outros investidores de zerar a posição acionária no primeiro dia em que puderam fazê-lo, com o fim do lockup previsto no plano de recuperação judicial. Essas participações haviam sido herdadas justamente como parte do plano.

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O objetivo dos bancos é evitar carregar papéis de companhias com elevado risco de crédito, a fim de proteger seus futuros balanços, mesmo que isso signifique abrir mão de ganhos com uma potencial valorização das ações.

Não foram apenas bancos que “desistiram” de apostar na alta de ativos da Americanas: detentores de títulos da empresa também se desfizeram de seus papéis, segundo a própria varejista.

“Hoje foi o primeiro dia em que essas quase 7 bilhões de ações estavam liberadas para negociação. Este evento era de conhecimento do mercado e não guarda relação com a apresentação de resultados”, disse a Americanas em nota ao mercado.

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O relatório divulgado nesta quinta pela Americanas com as demonstrações contábeis do período citado mostrou “uma piora adicional de R$ 1,5 bilhão” no patrimônio líquido negativo, que totalizou R$ 30,4 bilhões no primeiro semestre. Não foi a primeira vez que o indicador apresentou uma deterioração.

“No fim de 2023, a companhia apresentou um patrimônio líquido negativo de R$ 28,9 bilhões, uma deterioração de R$ 2,1 bilhões em relação ao fim de 2022″, apontou o relatório.

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A Americanas também informou que decidiu abandonar as projeções anunciadas em novembro passado, quando seu plano estratégico de negócios previa que a empresa alcançaria um patrimônio líquido positivo no ano que vem, em 2025. Não houve divulgação de novo guidance.

“A companhia decidiu descontinuar a divulgação de suas projeções para permitir a reavaliação da expectativa de desempenho operacional em função dos resultados divulgados”, justificou.

O endividamento segue em alta.

A dívida de curto prazo somava R$ 45,2 bilhões no final do primeiro semestre, o que representou alta de 14,7% ante 2023 (R$ 39,4 bilhões) e de 21% frente a de 2022 (R$ 37,3 bilhões).

No relatório, a empresa atribuiu o prejuízo de R$ 2,3 bilhões em 2023 ao “impacto operacional da crise e à redução de receitas e aos custos adicionais da investigação e da RJ [recuperação judicial]”. Em 2022, o prejuízo tinha somado R$ 13,3 bilhões.

Quanto ao prejuízo de R$ 1,4 bilhão no primeiro semestre de 2024, a Americanas destacou que o resultado representava uma redução de 55,9% em relação ao mesmo período de 2023.

“Essa queda é resultado da continuidade dos impactos positivos iniciais da nova estratégia de negócios e esforços de transformação da administração da companhia”, mencionou no relatório.

Mas não houve apenas notícias negativas.

No relatório, a companhia informou ter realizado o pagamento da maior parte dos créditos restantes, incluindo fornecedores, e ter concluído a reestruturação da dívida.

”Após este reperfilamento, passamos a ter uma das menores dívidas entre as empresas do varejo brasileiro de grande porte. Na frente de operações, o canal físico, nossa fortaleza, já retomou crescimento em 2024 concomitante à melhora da margem bruta”, citou a empresa no documento.

A companhia mencionou ainda a homologação da operação de aumento de capital de cerca de R$ 24,5 bilhões, que contou com o aporte em dinheiro de R$ 12,3 bilhões de seus acionistas de referência, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles.

Redução de exposição

Nas últimas semanas, na divulgação de resultados do segundo trimestre, bancos que são credores da Americanas confirmaram o recebimento de parte dos recursos devidos pela varejista.

Itaú Unibanco (ITUB4), Bradesco (BBDC4), Santander Brasil (SANB11) e Banco do Brasil (BBAS3) aderiram às condições de pagamento propostas no plano de reestruturação da dívida, aprovado pelos credores em dezembro passado.

No último dia 7, o CEO do Itaú, Milton Maluhy Filho, disse a analistas que o resultado do terceiro trimestre deverá refletir o efeito positivo da recuperação do crédito da Americanas.

“Fizemos uma gestão para reduzir de forma relevante a exposição e o risco. Naturalmente, continuamos com uma participação ínfima, muito pequena, irrelevante na companhia. E continuamos com alguma linha de crédito”, disse.

O lucro do Itaú do quarto trimestre de 2022 teve queda de 5,1% no comparativo trimestral devido à provisão para cobrir a exposição integral à Americanas, incluída no resultado divulgado em fevereiro de 2023 como evento subsequente. O Itaú tinha R$ 2,9 bilhões a receber, segundo a lista de credores divulgada à época - ou seja, uma “fotografia do passado”.

Também com dados do passado, o Bradesco era o maior credor da varejista (R$ 5,1 bilhões), seguido por Santander (R$ 3,6 bilhões), BTG Pactual (R$ 3,5 bilhões), Itaú (R$ 2,9 bilhões) e Safra (R$ 2,5 bilhões).

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.