Americanas ‘desidrata’ sua ex-joia da coroa, Ame Digital, e venderá ativos

Varejista contrata a Capital Partners Consultoria como seu assessor financeiro para conduzir o processo de ‘market sounding’ em busca de interessados na aquisição do CNPJ da fintech e alguns ativos

Americanas segue em recuperação judicial e busca a volta do crescimento sustentado dos negócios (Foto: Dado Galdieri/Bloomberg)
02 de Setembro, 2024 | 06:11 PM

Bloomberg Línea — A Americanas (AMER3) desengavetou o plano para tentar vender ao menos parte da fintech Ame Digital, que, nos tempos pré-revelação do rombo contábil de dezenas de bilhões de reais, chegou a ser considerada a “joia da coroa” em razão do potencial de monetização de sua base de milhões de clientes.

A operação e a base de clientes da Ame Digital serão integrados à própria Americanas (veja mais detalhes abaixo), enquanto o CNPJ, a licença de instituição de pagamento e outros ativos detidos por ela serão colocados à venda.

A companhia, que segue em recuperação judicial, contratou a Centria Capital Partners Consultoria como seu assessor financeiro para conduzir o processo de market sounding, em que potenciais interessados no negócio são prospectados, segundo comunicado divulgado nesta segunda-feira (2).

A Ame foi criada em 2019 para operar a funcionalidade de cashback e, posteriormente, passou a oferecer outros serviços financeiros, com atuação como hub de empréstimos e seguros, emissão de cartão pré-pago e cartão de crédito e geração de receita com recarga de celular e vale-transporte.

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Segundo os últimos dados divulgados, referentes ao fim de 2022, a Ame Digital tinha 12 milhões de usuários ativos mensais e era aceita como meio de pagamento em mais de 3,6 milhões de estabelecimentos. Também acumulava prejuízo de R$ 1 bilhão e tinha um passivo de R$ 2,5 bilhões.

A Americanas, que registra um patrimônio líquido negativo de R$ 28,9 bilhões (posição de junho) e uma dívida de curto prazo de R$ 45,2 bilhões, acrescentou que avalia também a possibilidade de venda de outros ativos não estratégicos, como as marcas Shoptime e Submarino, em processos também conduzidos pela Centria.

Antes de analisar as eventuais ofertas, a Americanas começou a executar uma nova estratégia para seus produtos e serviços financeiros, que integram parte do que era oferecido pela Ame Digital.

“Os serviços de conta de pagamento, credenciadora e participante indireta de Pix não serão mais oferecidos pela Ame Digital”, afirmou a companhia.

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A Ame, por sua vez, enviou nesta segunda à sua base de usuários e-mails em que orienta aqueles que possuem dinheiro na conta a utilizar o saldo em compras à vista nas lojas físicas da Americanas ou a transferir os recursos para uma outra instituição financeira até o dia 2 de novembro. O encerramento da conta de pagamento será feita em 30 dias para quem não mantém dinheiro na carteira digital.

Americanas vai concentrar serviços

“Parte do time e das atividades que não são escopo de instituição de pagamento da Ame Digital serão transferidos para as Americanas, se juntando à sua própria equipe de serviços financeiros, com o objetivo de concentrar esforços em um novo programa de fidelidade e na oferta de produtos e serviços, em parcerias com instituições financeiras e seguradoras, para clientes e parceiros da companhia”, disse a Americanas.

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Isso significa a reversão do plano de negócios da Americanas nos anos anteriores à revelação do rombo contábil, que, em sua versão original, previa a captura de sinergias entre o app da Ame, as lojas físicas, o marketplace e a área de advertising (venda de publicidade nas operações físicas e digital).

Nos primeiros meses do ano passado, já em recuperação judicial, a Americanas cogitava a venda da Ame, mas o processo de prospecção de interessados para a fintech e outros ativos acabou interrompido após a varejista considerar as ofertas recebidas aquém de suas expectativas.

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Segundo analistas, ativos da Ame podem despertar o interesse de certos players do setor financeiro devido à avaliação do potencial para reforçar a presença digital em alguns segmentos.

Prejuízo de quase R$ 1 bilhão

Em 2022, a fintech contabilizou um prejuízo de R$ 949 milhões, com uma provisão de R$ 707 milhões referente a recebíveis de sua controladora. O resultado recorrente apontou perda de R$ 242 milhões.

O patrimônio líquido da Ame somava R$ 131,5 milhões no balanço de 2022, enquanto o total do passivo chegava a R$ 2,498 bilhões.

A Americanas não divulgou números atualizados sobre a situação da Ame. Ao revelar os dados dos balanços do grupo entre 2022 e o primeiro semestre de 2024, período em que acumulou prejuízos de R$ 17 bilhões, a varejista não fez menção à fintech, que ainda estava pendente de auditoria.

“Em janeiro de 2023, foi iniciada a investigação por profissionais especializados, externos e independentes em relação à controladora, tendo sido concluída em julho de 2024, sem mencionar qualquer relação da empresa Ame com a fraude investigada e/ou inconsistências contábeis relativas à fraude”, apontou a demonstração financeira de 2022, auditada pela BDO.

Avaliada em R$ 1,38 bilhão na bolsa brasileira, a Americanas realizou um grupamento de ações na proporção de 100 para 1 em 26 de agosto, quando fechou na mínima histórica de R$ 0,05. No dia seguinte, passou a ser cotada a R$ 5 com o grupamento. Nesta segunda-feira, a ação subiu 20,97%, para R$ 6,98.

- Matéria atualizada às 19h com a correção da informação de que a Ame Digital havia sido colocada à venda de forma integral.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.