Bloomberg Línea — Cortar o que não é essencial. Foco nos resultados. Simplificação e padronização. Manter a disciplina financeira. Adotar estratégias que possam ampliar a recorrência de compra.
A gestão do economista e administrador Leonardo Coelho, CEO da Americanas (AMER3) desde fevereiro de 2023, logo no início da recuperação judicial, persegue um alinhamento com mantras que se tornaram quase um clichê em consultorias com foco em reestruturação de empresas.
O executivo assumiu o cargo com o desafio de resgatar a operação e também a credibilidade da companhia pouco mais de um mês após a revelação de uma fraude contábil que resultou em uma dívida de cerca de R$ 50 bilhões, em um dos maiores escândalos corporativos do Brasil.
Na ocasião, chegou com a experiência de ter atuado por mais de uma década como sócio da consultoria Alvarez & Marsal, especializada em recuperação de empresas em crise.
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Depois de dois anos no comando, o executivo não decreta o fim da crise financeira que levou a varejista a renegociar no ano passado sua dívida com cerca de 10.000 credores, entre eles muitos dos maiores bancos e indústrias do país, e que devolveu o controle aos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO usou metáforas da medicina e do esporte para resumir o atual estágio do processo de turnaround da companhia.
“A Americanas deixou a UTI e foi para o quarto. Vamos correr uma maratona no futuro, mas não dentro do hospital. Vamos sair do hospital, ganhar musculatura, fazer provas de 5 K (quilômetros), 10 K, uma meia maratona e só então correr a maratona [com 42,195 km]”, comparou.
Enquanto conversava com a reportagem de Bloomberg Línea na última quinta-feira (27), as ações da varejista recuavam mais de 25% na B3, em reação de investidores ao resultado do quarto trimestre.
A dívida bruta da Americanas terminou 2024 em R$ 1,8 bilhão, composta por debêntures. Somando esse valor aos passivos remanescentes do plano de recuperação judicial com fornecedores, a alavancagem financeira chega a obrigações de R$ 2,3 bilhões.
Do lado das vendas, o GMV (Volume Bruto de Mercadorias transacionado, na sigla em inglês) caiu 5,1%, para um total de R$ 21,4 bilhões no ano.
Em 2024, a companhia reduziu em 4,3% a área de vendas, com o encerramento de lojas com performance abaixo do esperado. Hoje são cerca de 1.600 unidades, e novos fechamentos não estão descartados.
“Vamos continuar fechando todas as lojas que não reagiram aos vários planos de melhoria que temos executado. Já temos uma relação de unidades que estão há algum tempo nessa análise de performance e devemos tomar uma decisão relativamente rápida”, afirmou.
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Por outro lado, no quarto trimestre, houve destaque de desempenho em categorias que representam, na avaliação do executivo, melhores oportunidades de margens, inclusive com participação de importados, além de alimentos e bebidas.
A companhia aposta neste ano principalmente em segmentos como doces e snacks, beleza e cuidados pessoais, utensílios domésticos, brinquedos, produtos para bebês, moda íntima e celulares. São produtos com tíquete médio menor, mas resilientes em momento de juros altos, com alta recorrência.
Há também planos para estimular as vendas para além do sortimento e dos preços.
“Vamos criar produtos de crédito e um novo programa de fidelidade neste primeiro semestre. Teremos um cartão de crédito white label, da própria Americanas”, disse o CEO da Americanas.
Minutos antes da entrevista, o executivo participava de uma teleconferência com investidores e analistas, cujas perguntas expressaram interesse particular pelo ritmo de recuperação da Americanas, em busca de sinais concretos sobre a retomada de indicadores positivos de geração de caixa, de lucro e de saída do processo de RJ (recuperação judicial).
Coube à CFO Camille Faria responder que, em fevereiro de 2026, a Justiça vai avaliar se recomenda ou não o fim da supervisão judicial, em linha com a regra legal do cumprimento de um prazo de dois anos desde o início do processo.
À Bloomberg Línea, o CEO disse que os dados de melhoria contínua dos resultados trimestrais da companhia podem ser considerados suficientes para a análise do juiz e uma possível decisão de encerrar o processo.
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Coelho fez, no entanto, uma ressalva sobre a expectativa alimentada por investidores.
“Não estamos com muita pressa em sair da recuperação judicial. Temos obrigações com os credores financeiros e fianças bancárias que nos dão proteção como parte do plano de RJ. Se o processo continuar, essas fianças permanecem válidas”, observou o executivo.
No reperfilamento da dívida com os credores, a Americanas emitiu três séries de debêntures (AMERE2, AMERF2 e AMERG2), com atualização de 128% do CDI (AMERE2, com prazo de quatro anos, e AMERF2, cinco anos) ou variação cambial + 8,35% (AMERG2, cinco anos).
Há uma cláusula bullet nessas emissões que estabelece que o principal (valor nominal) da debênture será pago integralmente no vencimento, enquanto os juros são pagos trimestralmente durante o prazo desses títulos. O prazo de carência termina em 26 de julho de 2026.
“Não estamos trabalhando para construir uma empresa forte agora e que depois vá se esfacelar ao longo do tempo. Todo o processo mira uma empresa sólida e que seja líder do varejo nacional. Quando isso vai acontecer? Há muito trabalho ainda à frente”, afirmou Coelho.
Confira a seguir trechos da entrevista do CEO da Americanas, editada para fins de clareza.
É factível esperar uma saída da Americanas da recuperação judicial após a evolução contínua de resultados?
Sim. Em fevereiro de 2026, a Americanas vai completar o prazo de dois anos de supervisão judicial. Isso é tempo suficiente para dar tranquilidade ao juiz para a saída da recuperação judicial. Há uma melhoria contínua trimestre após trimestre da geração de caixa e de outros indicadores.
Mas não estamos com muita pressa. Temos obrigações com os credores financeiros e fianças bancárias que nos dão proteção como parte do plano de RJ [recuperação judicial]. Se o processo continuar, essas fianças permanecem válidas.
Quais são os próximos capítulos no processo de reestruturação?
Nosso foco voltou para a operação. Vamos criar produtos de crédito e um novo programa de fidelidade neste primeiro semestre. Teremos um cartão de crédito white label, da própria Americanas. Estamos negociando. Nosso programa de fidelidade vai se chamar Cliente A com o objetivo de oferecer benefícios aos nossos consumidores, ampliar a recorrência e a fidelização, trazendo uma receita adicional.
A empresa disse que venderia a licença de instituição de pagamento da fintech Ame. Como está essa questão?
Apareceu proposta, mas ainda não vendemos a licença, ainda estamos avaliando. A Ame tem caixa.
E a Hortifruti Natural da Terra? Quando o processo de venda será retomado?
Provavelmente no segundo semestre. Se aparecer alguma janela de mercado antes disso, não há nenhuma amarra que nos faça esperar o segundo semestre nem que nos acelere no primeiro semestre. Vai depender muito de janela de mercado. A obrigação é fazer [a venda].
Que categorias vão ter protagonismo na operação digital da Americanas?
Estamos voltando bastante forte para a moda íntima, um segmento de que tiramos um pouco o pé no passado. Na jornada que chamamos de “minha casa”, que inclui utilidades domésticas e brinquedos, também estamos aumentando o sortimento. Em produtos de limpeza também. Estamos em busca de produtos com um tíquete relativamente baixo neste momento.
Por quê?
Estamos felizes com o tíquete médio de vendas, pois buscamos a frequência e a recorrência de compras, principalmente em um momento de alta de taxa de juros, com pressão sobre o bolso do consumidor. Nosso tíquete não machuca a propensão para a compra. A exceção é a categoria de celulares.
Viemos de um processo de primeiro estancar como a companhia mais perdia dinheiro. Daí fechamos o 1P [estoque próprio], saímos da linha branca [eletrodomésticos como geladeiras e máquinas de lavar] e fomos para o 3P [marketplace] mantendo os sellers que tínhamos dentro da plataforma.
Aí vimos que não tínhamos mais relevância para os sellers pequenos, que acabavam colocando ofertas com preços mais altos na Americanas.com, e os clientes comparavam isso com outros concorrentes. Isso bateu um pouco na competitividade da marca Americanas.
Qual é hoje o foco da Americanas.com?
Focamos em sellers maiores, de 3P de grande monta. Nesse caso, são todas as categorias de produtos de fornecedores que temos dentro das lojas físicas. Usamos a operação digital para contar com um sortimento ampliado.
Um exemplo: a linha de celulares S da Samsung. Não vendemos nas lojas físicas. Nem os celulares da Apple. Mas vendemos no site. Categorias como pneus e artigos para carros continuam existindo dentro do 3P, mas não trabalhamos nas lojas físicas.
No O2O [online-to-offline, a compra omnichannel, com integração de canais virtuais e lojas físicas], basicamente garantimos as experiências de o consumidor pegar o produto na loja e de ship from store [envio da loja física para o cliente], que ocorrem de maneira muito mais fluida do que antes.
A Americanas vai continuar a fechar lojas?
Sim. Vamos continuar fechando todas as lojas que não reagiram aos vários planos de melhoria que temos executado. Já temos uma relação de unidades que estão há algum tempo nessa análise de performance e devemos tomar uma decisão relativamente rápida.
Após estudos do portfólio, vimos a necessidade de reavaliar principalmente a localização de lojas mais antigas diante das mudanças no fluxo de pedestres. Vamos encerrar determinada lojas que não conseguem mais reverter a questão da rentabilidade.
Quanto à abertura de novas lojas, devemos acelerar mais para o segundo semestre.
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