Americanas: credores aprovam plano de recuperação judicial. Veja os próximos passos

Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira podem chegar a 49,3% da companhia, e os principais bancos credores, a até 48,2%, com lock-up de três anos

Americanas espera reduzir a sua dívida de R$ 50 bilhões para menos de R$ 2 bilhões com o plano de recuperação (Foto: Gustavo Minas/Bloomberg)
19 de Dezembro, 2023 | 09:13 PM

Bloomberg Línea — A Americanas (AMER3) conseguiu nesta noite de terça-feira (19) a aprovação formal dos principais credores, incluindo alguns dos maiores bancos do país, ao seu plano de recuperação judicial. O aval que representa um novo capítulo em um dos maiores escândalos corporativos da história do país se deu em votação em Assembleia Geral de Credores realizada de forma virtual.

O plano aprovado prevê uma capitalização de R$ 24 bilhões, com termos que abrem caminho para que o trio de acionistas de referência, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, da 3G e fundadores da Ambev (ABEV3), aumente sua participação de 30,1% para até 49,3% do capital.

Lemann, Telles e Sicupira, que estão entre as três pessoas mais ricas do Brasil, vão entrar com metade desse valor, ou seja, R$ 12 bilhões.

A diferença virá da conversão de dívida detida por bancos credores em ações. Esse grupo, que inclui Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e BTG Pactual, entre outros, vai chegar com o acordo a até 48,2% do capital da varejista, com lock-up (proibição de venda de ações) de três anos.

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Na prática, tais bancos serão obrigados a aceitar descontos de até 80% em relação aos créditos que detinham da Americanas antes da recuperação judicial.

O plano apresentado por Lemann, Telles e Sicupira recebeu votação a favor do equivalente a 91,14% do total de credores que participaram da assembleia e de 97,19% no critério de valores da dívida. Foram credores financeiros e fornecedores, ambos sem garantia - por outro lado, credores trabalhistas e micro e pequenas empresas receberão o valor integral de seus créditos.

O próximo passo será a homologação do documento pela Justiça no primeiro trimestre de 2024 e o início das operações financeiras previstas no plano.

O objetivo do grupo varejista é reduzir a dívida financeira bruta declarada em mais de R$ 50 bilhões, para cerca de 10.000 credores, para o intervalo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão até 2025 após a adoção de medidas de reestruturação e se todas tiverem a execução prevista.

Tais medidas incluem o compromisso de vender em 2024 a rede de supermercados Hortifruti Natural da Terra e o Grupo Uni.co (que detém as marcas Puket e Imaginarium). Esses ativos vão entrar como garantia de uma captação futura por meio da emissão de debêntures.

A Hortifruti Natural da Terra, alvo de eventual interesse da rede St. Marche, e as marcas do Grupo Uni.co, terão processos de venda tratados como prioridade, com prazo de até 12 meses após a homologação do plano. Em outubro, porém, o processo de prospecção de potenciais compradores foi suspenso diante de ofertas consideradas pouco atraentes.

Também está prevista a busca de sócios para a fintech Ame e a sua operação digital.

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No mês passado, o CEO da Americanas, Leonardo Coelho, que atuou na consultoria Alvarez & Marsal e assumiu o cargo em fevereiro para conduzir a reestruturação financeira, chegou a descartar a venda da fintech Ame, cujo resultado da auditoria ainda não foi divulgado.

O aplicativo de meio de pagamento, de wallet e cashback, é considerado um ativo cobiçado pelo mercado, enquanto o CEO o trata como estratégico para os negócios. O plano aprovado indica a possibilidade de a Americanas encontrar um sócio para a fintech.

O novo plano de negócios prevê a volta do patrimônio líquido (PL) ao campo positivo em dois anos. Em 2022, o PL estava negativo em R$ 26,7 bilhões devido ao rombo contábil de R$ 25,2 bilhões que esteve no centro do início do escândalo da Americanas, revelado ao mercado em janeiro deste ano.

Com o aporte de R$ 24 bilhões e a diluição da participação de acionistas minoritários, Lemann, Telles e Sicupira ficariam prestes a reassumir o controle da Americanas, o que deixaram de ter de forma voluntária após a fusão das bases acionárias das empresas da holding em 2021.

A CFO da Americanas, Camille Faria, disse na assembleia que o aumento da participação do trio para até 49,3% do capital considera o exercício do direito de preferência por 10% dos demais acionistas. Sem o exercício desse direito, a fatia deles ficaria em 40,3%.

O preço da emissão de novas ações foi fixado em R$ 1,30 e deve ser aprovado em AGE (Assembleia Geral Extraordinária) em até 45 dias após a homologação do plano.

O trio de bilionários já aportou R$ 1,5 bilhão na Americanas via financiamento na modalidade DIP e se comprometeu a adiantar R$ 3,5 bilhões na forma de novo financiamento DIP (debtor-in-possession, para empresas em recuperação), de modo a viabilizar os primeiros pagamentos do plano. Ambos os financiamentos fazem parte dos R$ 12 bilhões que serão capitalizados.

Cenário de analistas

Após obter o apoio da maioria dos credores na assembleia nesta terça-feira, a Americanas terá que divulgar os resultados dos três primeiros trimestres de 2023, que devem refletir o impacto operacional do fechamento de lojas e demissões, além da perda de fornecedores e clientes. A CFO disse hoje que o balanço deve sair até o final de janeiro.

Mesmo com a redução expressiva de sua dívida, a varejista terá desafios estruturais pela frente, segundo analistas, que apontam o novo cenário competitivo no Brasil após o avanço de plataformas estrangeiras, principalmente de origem asiática, como Shein, Shopee e AliExpress.

“A estratégia da companhia será baseada na força do varejo físico, que se provou resiliente mesmo em um momento desafiador, e complementado pelo canal digital, serviços financeiros da Ame e oferta de Ads”, destacou a equipe da XP liderada pela analista Danniela Eiger em relatório que analisou os balanços de 2021 e 2022, reapresentados pela Americanas com os ajustes ocasionados pela fraude.

A head de varejo e co-head de equity research da XP citou que as mudanças a serem implementadas incluem contar com um sortimento mais customizado e otimizado por loja física, migrando alguns produtos para o chamado 3P [marketplace com venda de produtos de terceiros] e adicionando novos, bem como a reforma das lojas.

Já no digital, o foco deve ser em um sortimento similar do 1P [próprio estoque] das lojas físicas, usando o 3P para complementá-lo com categorias nas quais a Americanas não é referência, como linha branca (geladeira, fogão, lavadora) e eletrônicos, de tíquete médio maior.

“Existem riscos relacionados a melhorias operacionais, enquanto continuamos a ver o macro desafiador e um cenário de competição mais acirrada daqui para frente. Assim, mantemos nossa cobertura da ação sob revisão”, concluiu o relatório da XP.

A ação da Americanas acumula perda de 90% neste ano até o fechamento desta terça, a R$ 0,91. O papel valia R$ 9,65 na virada do ano e subiu a R$ 12 no pregão do dia 11 de janeiro, antes da noite do fato relevante sobre a renúncia do então CEO Sergio Rial com a revelação de “inconsistências contábeis” estimadas em R$ 20 bilhões, valor revisado no mês passado para R$ 25,2 bilhões.

O encolhimento da varejista aparece nos dados dos relatórios mensais sobre a recuperação judicial.

O desempenho operacional enfraqueceu com o fechamento do equivalente a 6,5% do parque de lojas neste ano - foram encerradas 123 unidades. O número de clientes ativos caiu de 48,37 milhões em janeiro para 41,55 milhões em novembro, quando totalizava 1.759 lojas.

O fechamento das lojas foi acompanhado de sucessivos anúncios de cortes de funcionários. Até o último dia 3, a Americanas assinava a carteira de trabalho de 33.861 pessoas. No começo do ano, antes do pedido de recuperação judicial, o quadro pessoal somava 43.123 - ou seja, houve redução de 21,4% da força de trabalho. Houve também troca de toda a diretoria.

Como foi a assembleia

Durante a assembleia geral nesta terça, que começou às 14h, advogados representando credores questionaram a CFO sobre os termos e os prazos das modalidades de pagamento, sobre as classes de credores, a exigência prevista de não litigar contra a companhia e as condições propostas aos fornecedores de diferentes segmentos, principalmente de tecnologia. A assembleia terminou por volta das 21h30.

Votaram pela rejeição do plano credores como BRF, Wickbold, Boticário, Grendene, Camil, Panini, Laticínios Tirolex, Neoenergia, R31 Investimento, RB Capital, Metalfrio, Engie, além de diversos condomínios de shopping center que deixaram de receber aluguel e chegaram a entrar com ordens de despejo.

Entre os termos autorizados na assembleia está a priorização do pagamento de credores que aceitem receber até R$ 12 mil à vista em cota única e a reserva de R$ 8,7 bilhões para pagamento de credores financeiros, seja por meio de leilão reverso (R$ 2 bilhões) com desconto mínimo de 70% ou pagamento antecipado de créditos com desconto de 70% (R$ 6,7 bilhões).

Os credores que apoiaram o plano concordaram em não litigar contra a Americanas, e os fornecedores aceitaram continuar a vender ao grupo volumes históricos com prazo de pagamento como antes.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.