América Latina acelera projetos de lítio de olho em atração de investimento

Chile, Argentina, Brasil e Bolívia chegam a 17 projetos para operar em disputa por capital com outras regiões; especialistas alertam para importância de agregar valor na cadeia

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Bloomberg Línea — Na corrida pelo carro elétrico, a América Latina deve liderar o fornecimento de um insumo vital para a produção de baterias: o lítio. Pelo menos 17 projetos estão em operação ou prestes a iniciar esse estágio na Argentina, no Chile, no Brasil e na Bolívia, mas o ambiente de negócios é apontado como um fator-chave para assegurar o desenvolvimento da indústria, sob risco de perda de investimentos para outras regiões.

Hoje, Austrália, Argentina, Chile e Brasil concentram 84% da produção do mineral no mundo e mantêm cerca de 80% das reservas globais, segundo levantamento da KPMG. Outro país latino, a Bolívia, tem enorme potencial no setor, com uma reserva estimada em torno de 21 milhões de toneladas certificadas de lítio, mas que até agora não partiu para uma exploração eficiente, apontou o estudo.

O líder de energia e recursos naturais da KPMG na América Latina, Manuel Fernandes, afirmou à Bloomberg Línea que, do ponto de vista geográfico, o mapa das grandes reservas de lítio tem mudado. Recentemente, o Irã anunciou a descoberta de um depósito estimado de 8,5 milhões de toneladas do mineral na província de Hamedan. A Índia também teria descoberto uma reserva importante.

“O lítio ganhou muita evidência principalmente com a tendência de eletrificação dos carros. Com isso, o mineral agora tem uma atratividade maior e os projetos são enormes”, disse o executivo.

De acordo com a KPMG, atualmente as reservas do Chile figuram entre as mais importantes do mundo. A Argentina, seguida do Brasil, também se destaca nessa corrida (veja gráfico abaixo).

Chile, Argentina e Bolívia compõem ainda o chamado “triângulo do lítio”, um espaço geográfico no qual se concentraria a maior parte das reservas totais do mineral em escala mundial.

No entanto, a KPMG fez a ressalva que a exploração na Bolívia é ineficiente devido à falta de tecnologia, de pessoal especializado, de infraestrutura e, principalmente, em razão de restrições impostas até pouco tempo atrás pela estratégia de nacionalização do insumo no país.

Fernandes salientou que isso deve mudar, uma vez que a China e a Rússia se comprometeram a acelerar a produção de carbonato de lítio no país andino, com investimentos de mais de US$ 1 bilhão.

Em uma disputa global acirrada, a CEO da Sigma Lithium (SGML), Ana Cabral-Gardner, observou que o insumo em si não é raro. “Todos os maiores produtores de lítio do mundo têm reservas em grande quantidade. O que diferencia cada um são as técnicas de processamento e o ambiente de negócios do país”, disse a executiva em entrevista à Bloomberg Línea.

Segundo Cabral-Gardner, o respeito a contratos, o ambiente regulatório e um conjunto de regras previsíveis na seara ambiental são cruciais para a atração de investimentos. “A previsibilidade e a celeridade regulatória e ambiental são fundamentais na competição entre províncias globais de lítio”, afirmou. “O Brasil é um ótimo candidato para receber esses investimentos”, acrescentou.

A Sigma desenvolve o projeto “Grota do Cirilo” no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, com investimento total de R$ 3 bilhões, e acaba de iniciar o primeiro embarque da companhia. À Bloomberg Línea, Gardner disse que a empresa estuda a viabilidade de uma quarta linha de produção.

A executiva relatou que, no setor, o tempo médio para um projeto ser desenvolvido do zero gira em torno de nove anos. “É uma competição entre as [empresas] super grandes. Nós colocamos o Brasil entre os líderes.”

Estudos do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) indicam a existência de 45 jazidas do mineral na região do Jequitinhonha com potencial econômico. Neste contexto, o governo mineiro lançou em maio deste ano na Nasdaq, em Nova York, o projeto “Vale do Lítio” para atrair investimentos para o setor.

O Vale do Lítio é formado por 14 cidades. Atualmente, a Companhia Brasileira de Lítio (CBL) está em operação no Jequitinhonha, assim como a AMG, que já produz concentrado de lítio na região. Outras empresas como Latin Resources, Atlas Lithium e Lithium Ionic atuam no programa de sondagem do mineral.

Para o gestor da Ace Capital, Tiago Cunha, acom a iniciativa do governo mineiro, o Vale do Jequitinhonha deve começar a ficar conhecido globalmente por dispor de lítio de qualidade, com certificado de origem.

“Isso estimula a produção de forma responsável, para que não tenhamos empresas operando sem esse tipo de preocupação. A iniciativa pode atrair investidores sérios”, disse.

O sócio da KPMG alertou, contudo, para a necessidade de obtenção de valor agregado na cadeia. Em sua visão, é preciso atrair investimentos também para refinarias de lítio e fábricas de baterias de carros elétricos.

“O país precisa de uma política industrial para não corrermos o risco de virarmos apenas um exportador de commodity, sem beneficiar o produto”, avaliou. “Temos que investir em refinarias e criar oportunidades para produção de bateria localmente”, acrescentou.

Na avaliação da CEO da Sigma Lithium, no entanto, isso pode não ser decisivo. Segundo ela, o refino de lítio é um negócio altamente complexo e com baixo retorno. “Além de ser uma atividade de altíssima periculosidade, emprega poucas pessoas e tem margens abaixo de 20%.”

Montadoras interessadas

Assim como o cobre, o lítio tem atraído a atenção de grandes montadoras de carros com o objetivo de garantir suprimento de matéria–prima para a produção de baterias. A chinesa BYD, uma das líderes globais em vendas de carros elétricos, está em busca de ativos minerários em solo brasileiro.

A montadora assinou um memorando de entendimento para investir R$ 3 bilhões na fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia, para produzir carros elétricos. Segundo o conselheiro da BYD no Brasil, Alexandre Baldy, a companhia tem ainda o plano de investir em lítio no país.

“O pacote de investimentos é baseado em alguns pilares, e isso inclui a extração de lítio. A empresa está olhando minas já existentes e também projetos greenfield [totalmente novos], como investidor direto ou não”, disse o executivo, ex-ministro das Cidades no governo Temer, em entrevista à Bloomberg Línea.

Baldy afirmou que a BYD já está em conversas com empresas de lítio no Brasil para investir ou fechar contratos de fornecimento do insumo. “Essa é uma alternativa caso a extração em si não prospere.”

A empresa chinesa já opera uma fábrica de módulos de bateria em Manaus (Amazonas), destinados à montagem dos ônibus elétricos da marca fabricados em Campinas (SP).

“A fábrica de baterias continuará em Manaus, não há a intenção de levar a produção para Camaçari”, disse Baldy. A expectativa é que a produção de veículos elétricos da BYD seja de “ponta a ponta”, ou seja, da exploração do lítio até a fabricação do produto final no Brasil.

Ainda em fevereiro, a Stellantis (STLA), grupo que tem as marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citröen, anunciou um investimento de US$ 155 milhões em um projeto de cobre na Argentina, de olho no suprimento de matérias-primas para carros elétricos.

O presidente da Stellantis para América do Sul, Antonio Filosa, afirmou que o grupo está em busca de ativos de lítio na região. “Assim como o cobre, o lítio também nos interessa muito no futuro. Estamos olhando ‘360 graus’ para as oportunidades”, disse o executivo à Bloomberg Línea logo após a aquisição.

Já a Tesla estaria avaliando a compra da Sigma Lithium, segundo pessoas com conhecimento do assunto disseram à Bloomberg News no começo do ano, em fevereiro.

“As montadoras não têm muitas saídas. Os europeus firmaram compromisso de banir carros a combustão a partir de 2025, mas as montadoras da região não têm fontes para eletrificar sua frota rapidamente. A indústria automotiva precisará investir muito mais para garantir suprimento para baterias elétricas”, avaliou o sócio da KPMG.

Fernandes observou que há muito tempo o Brasil não via tantos investimentos na fase de exploração da indústria minerária – a primeira e mais arriscada de todas – em meio à expansão dos ativos de lítio.

“Um projeto de mineração não sai por menos de R$ 3 bilhões e envolve não só o processo produtivo em si como também outros sistemas complexos como o transporte da mina ao porto. Esses projetos exigem muito capex [investimento]”, disse.

Decisões políticas

Com a expansão abrupta da demanda de lítio, uma questão antiga emerge nos governos da região: a maior participação do Estado nos projetos minerários.

O Chile, segundo maior produtor de lítio do mundo – atrás da Austrália – e responsável por 30% da produção global, anunciou recentemente que deve promover mudanças em seu arcabouço regulatório para o mineral.

Atualmente, o royalty pago pela atividade de extração de lítio no país é de 40% do preço de exportação, considerado um dos mais altos do mundo.

O presidente Gabriel Boric anunciou que o país vai nacionalizar a indústria de lítio, transferindo no futuro as operações já existentes para uma empresa estatal. No ano passado, o governo do México também anunciou a nacionalização de seus depósitos do mineral.

Na visão da CEO da Sigma, os governos precisam trabalhar no aprimoramento das regras do setor, dando previsibilidade e celeridade aos processos. Gardner cita como exemplo positivo neste sentido o decreto 11.120/2022, que flexibilizou a exportação e a importação de lítio no Brasil.

Anteriormente, as operações de comércio exterior do insumo dependiam de autorização prévia da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). “O Brasil tem feito um trabalho desde o ano passado e empresas já estão se instalando no Vale do Jequitinhonha”, diz a executiva.

De acordo com o estudo da KPMG, a Argentina é o país da América Latina que, à primeira vista, mostra melhores perspectivas para garantir protagonismo à região no mercado de lítio, “mesmo que o Brasil apresente maior estabilidade econômica e um ambiente de negócios mais favorável”.

Segundo a consultoria, a Argentina tem se mostrado resiliente e suas ricas reservas de minerais e recursos naturais têm sido atrativas para o capital local e estrangeiro.

Na Argentina, o Salar del Hombre Muerto, em Catamarca, e o Salar de Olaroz, em Jujuy, são atualmente as áreas geográficas onde o capital público e privado é aplicado para extração do mineral.

Conforme a KPMG, o governo argentino mantém muitos projetos em diferentes estágios e espera-se que, no futuro, a atividade possa contribuir de forma significativa para a economia, mantendo o país entre os principais produtores e exportadores do mineral no mercado internacional.

“A indústria da mineração passou por um momento delicado, hoje é mais difícil conseguir uma licença ambiental para a atividade, isso acontece no setor como um todo. Precisamos de mais previsibilidade, agilidade e visão sobre o ambiente para explorar o lítio”, diz Fernandes.

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