Além da Vale: por que o capital saudita será cada vez mais comum na mineração

Compra de 10% da divisão de metais básicos da mineradora brasileira por US$ 2,6 bi demonstra apetite saudita em momento em que a China sofre restrições do Ocidente

Excavadora
Por Thomas Biesheuvel - Jacob Lorinc
30 de Julho, 2023 | 06:04 PM

Bloomberg — Um acordo de US$ 2,6 bilhões anunciado na quinta-feira passada (28) prepara o cenário para uma potencial mudança histórica no cenário de investimentos na indústria de metais e mineração: a entrada da Arábia Saudita como um player chave.

O acordo com a Vale (VALE3) dá ao reino uma fatia de 10% de um dos fornecedores mundiais cruciais de níquel e cobre - metais essenciais para a descarbonização. Mas não para por aí.

A Arábia Saudita também entrou em outras negociações, incluindo com a Barrick Gold sobre o investimento em uma grande mina de cobre no Paquistão, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. Em conversas privadas, executivos das principais mineradoras disseram que o valor do acordo com a mineradora brasileira deixou claro que os sauditas estão prontos para gastar dinheiro à vontade.

Essa movimentação acontece em um momento em que a questão sobre quem controla as commodities necessárias tanto para sustentar quanto para descarbonizar as principais economias do mundo se tornou um ponto crítico global, no topo das agendas nos EUA e na Europa.

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Por anos, a China tem sido a principal compradora e uma fonte fundamental de financiamento, pois procurava garantir o suprimento para sua rápida industrialização. Mas agora, com o aumento das tensões com o Ocidente, a indústria de mineração enfrenta uma pressão crescente para buscar alternativas.

A Arábia Saudita busca adquirir participações minoritárias em ativos globais de mineração que, ao longo do tempo, ajudarão a garantir o acesso a suprimentos de minerais estratégicos.

O país também busca desenvolver uma indústria de processamento de metais que poderia, por sua vez, torná-lo mais atraente para mineradoras internacionais explorarem seus depósitos de minerais - um pilar central dos esforços sauditas para diversificar a economia para além do petróleo.

O reino investiu pesadamente em ativos industriais e financeiros e até mesmo virou o mundo dos esportes de cabeça para baixo ao essencialmente atrair parte da elite do golfe profissional - com o LIV Tour, versus o PGA Tour - e investir pesadamente no futebol, com a contratação de Cristiano Ronaldo, a tentativa frustrada de trazer Lionel Messi e, neste momento, de Kylian Mbappé.

O acordo com a Vale anunciado na quinta (27) é sua primeira grande incursão na mineração. A Manara Minerals, uma nova parceria entre o fundo soberano do país e a empresa estatal de mineração, obterá uma participação de 10% nos negócios de metais básicos da Vale, oferecendo à Arábia Saudita acesso a minas da Indonésia ao Canadá que produzem cobre, níquel e outros metais industriais.

O acordo ao todo, que inclui uma venda de 3% na Vale Base Metals Limited (VBM) para a gestora americana Engine No. 1, chegou a US$ 3,4 bilhões.

Para os produtores ocidentais, o reino oferece acesso a grandes reservas de capital, o que é atraente à medida que os fundos chineses se tornam menos palatáveis politicamente e também à medida que alguns investidores institucionais ficam menos confortáveis com a mineração devido a preocupações ambientais.

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Investidores da região - o Qatar já é um grande apoiador da Glencore - agora provavelmente se tornarão um dos financiadores mais importantes para o setor ávido por capital, segundo o construtor serial de minas Robert Friedland, que passou os últimos anos desenvolvendo uma das maiores operações de cobre do mundo na República Democrática do Congo, com a ajuda de fundos chineses.

“Agora, provavelmente, o maior suprimento de capital para a indústria de mineração virá do Oriente Médio”, disse ele em uma entrevista no mês passado.

Mas a Arábia Saudita oferece algo além de dinheiro: apoio político para empresas que buscam expandir para o mundo muçulmano, à medida que os depósitos em jurisdições mais tradicionais se esgotam.

A Barrick, do Canadá, tem conversado com o Fundo de Investimento Público da Arábia sobre participação potencial em seu projeto de cobre em Reko Diq, no Paquistão, que é uma fronteira relativamente inexplorada para a indústria de mineração internacional, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. Colocar os sauditas a bordo não apenas aliviaria o fardo de financiamento da Barrick mas também apresentaria um parceiro com influência política significativa no Paquistão, disseram as pessoas.

Porta-vozes do Fundo de Investimento Público e da Barrick não comentaram.

As generosas reservas da Arábia Saudita também podem apresentar alguns desafios para os maiores produtores que buscam negócios próprios. Ansiosos por obter mais exposição ao cobre e ao níquel, os mineradores começaram a emitir os maiores cheques em mais de uma década. A BHP e a Rio Tinto Group - as duas maiores - acabaram de concluir negócios de bilhões de dólares para crescer na exploração de cobre, enquanto a Glencore tentou comprar a Teck Resources.

Por anos, os grandes produtores se encontraram repetidamente superados por empresas chinesas quando se tratou da compra de minas.

Estatais de metais e mineração da China se mostraram dispostas a pagar valuations que as empresas ocidentais simplesmente não conseguiam igualar. Agora, a Arábia Saudita parece disposta a fazer o mesmo, potencialmente colocando alguns negócios fora do alcance dos compradores tradicionais da indústria.

Executivos de duas das maiores empresas de mineração, que passaram anos avaliando ativos de metais básicos, como os de propriedade da Vale, disseram privadamente que ficaram surpresos com o preço do acordo da semana passada, que avaliou a unidade em US$ 26 bilhões - o RBC Capital Markets, por exemplo disse que valia cerca de US$ 21 bilhões.

Ainda assim, diferentemente de empresas chinesas, a Arábia Saudita está atualmente mais interessada em garantir participações - com a garantia do suprimento futuro de minerais críticos - do que em comprar integralmente e operar os ativos.

A Arábia Saudita já havia marcado sua posição no início deste ano, quando anunciou uma nova empresa para investir em ativos de mineração globalmente, com US$ 3,2 bilhões para investimentos iniciais.

O país organiza uma conferência anual de mineração, que neste ano contou com o CEO da maior empresa de mineração do mundo, Mike Henry, da BHP, bem como da segunda maior produtora, a Rio Tinto - um grande avanço em relação aos palestrantes de anos anteriores. CEOs de outras mineradoras importantes devem participar no próximo ano.

Para as empresas de mineração em busca de fundos, a recente repressão dos governos dos EUA e do Canadá ao investimento chinês em empresas-chave de metais mudou o cenário. E isso abriu uma oportunidade para países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita.

“Tudo mudou”, disse Friedland.

“O governo americano tem uma política ABC: Anything But China (Qualquer Coisa Menos a China). Então o governo americano vai ao Oriente Médio e diz: ‘Você deve oferecer às pessoas africanas uma alternativa para financiar minas na África. Recicle alguns daqueles petrodólares.”

- Com a colaboração de Mariana Durao, Dinesh Nair, Archie Hunter e Matthew Martin.

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