Acordo entre Master e BRB expõe dilema entre risco privado e saúde do sistema

Críticos dizem que o negócio é equivalente a um resgate governamental de um banco; se o BC bloquear o acordo, por outro lado, o sistema financeiro brasileiro pode enfrentar desafios

Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central
Por Rachel Gamarski - Cristiane Lucchesi
01 de Abril, 2025 | 02:54 PM

Bloomberg — O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, “limpou” sua agenda na segunda-feira (31) para abrir espaço para algumas reuniões urgentes.

A lista de convidados incluía André Esteves, presidente do conselho do BTG Pactual, e Paulo Henrique Costa, presidente do banco regional BRB, de propriedade do governo do Distrito Federal.

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O tópico era um terceiro banco que uniu todos esses destinos.

Até recentemente, o Banco Master era uma instituição financeira de expansão rápida, que crescia sua carteira de crédito em 86% ao ano em média, tinha alugado um escritório luxuoso em Miami e adquirido rivais.

Mas, para crescer tão rapidamente, o Master se apoiou em incentivo oferecido pelo Fundo Garantidor de Créditos, o FGC.

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Uma mudança de regra em dezembro de 2023 trouxe incerteza para o futuro do banco e levantou preocupações entre banqueiros de que a situação poderia representar um risco mais amplo.

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Daniel Vorcaro, presidente e maior acionista do Master, tenta vender o banco desde que o Banco Central introduziu novas regras do FGC que colocaram em xeque seu modelo de negócios de tomar empréstimos de pessoa física para comprar ativos de maior risco, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto que falaram com a Bloomberg News.

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As negociações para que o banco fosse adquirido pelo BTG não tiveram sucesso, disseram as pessoas. Mas na sexta-feira passada (28) o Master anunciou um acordo para se fundir com o BRB.

Esse acordo ainda requer aprovação antitruste do Cade e a assinatura do Banco Central, que é liderado por Galípolo desde janeiro, em substituição a Roberto Campos Neto.

Ele deve se reunir nesta terça-feira (1º) com Vorcaro no que pode ser um encontro crucial para o futuro do Master e um teste da capacidade de Galípolo de conter uma potencial crise no FGC.

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Críticos do acordo Master-BRB dizem que o negócio é equivalente a um resgate governamental de um banco que foi autorizado a assumir muito risco por muito tempo.

“O recente caso do Banco Master e o seu socorro pelo BRB, banco público vinculado ao Distrito Federal, expõe de forma escancarada o funcionamento de um sistema que premia comportamentos irresponsáveis — e transfere o risco para a sociedade”, disse Fabio Alperowitch, cofundador e diretor de investimentos da Fama Re.capital, uma empresa de gestão de ativos, em uma publicação no LinkedIn.

O BRB disse em uma declaração que o acordo traz “complementaridade de negócios, solidez, liquidez e capital”.

O negócio acontecerá após uma reestruturação que criará uma holding. Essa entidade separada, que não faria parte do acordo, manteria algumas das fatias mais arriscadas do Master, como suas participações acionárias em pequenas e médias empresas, seu portfólio de precatórios e o negócio de banco de investimento, entre outros “ativos e passivos não estratégicos”.

O Banco Central e Galípolo não quiseram comentar para a Bloomberg Línea. O BTG e o Master não responderam a pedidos de comentários.

O Banco Master nasceu depois que Vorcaro e sócios compraram um pequeno banco, em 2017, e mudaram seu nome e sua estratégia.

Desde sua criação, o Master dependia fortemente de financiamento de investidores individuais por meio de um benefício do FGC, que é financiado por depósitos compulsórios e de propriedade dos maiores bancos.

O FGC assegura depósitos no Brasil de até R$ 250 mil por pessoa física por banco. Para atrair clientes, o Master pagou mais do que outros bancos em juros — até o equivalente a 140% do CDI.

Mas quanto mais o Master crescia usando esse tipo de financiamento, mais depósitos ele era forçado a fazer no FGC sob as regras do fundo. Esses depósitos também aumentaram o custo de financiamento do Master.

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Em junho, o FGC tinha R$ 132,7 bilhões em ativos. Os depósitos a prazo do Master que poderiam ser segurados pelo FGC totalizaram mais de R$ 28 bilhões no mesmo mês.

Se o BC bloquear o acordo de aquisição, o sistema financeiro brasileiro pode enfrentar desafios.

Em uma hipotética liquidação ou intervenção do Banco Master, cerca de 25% a 30% dos recursos do FGC podem ser consumidos, disse Rafael Schiozer, professor de finanças da FGV-EAESP.

“Ter um FGC descapitalizado reduziria a segurança do sistema como um todo”, disse ele.

O Master trabalhava para se livrar do modelo de negócios muito focado no FGC, mas continuou fortemente dependente do fundo.

Em junho de 2024, cerca de 65% do mix de financiamento da Master era composto por depósitos de clientes individuais, obtidos principalmente por meio de plataformas de corretagem de terceiros, disse a Moody’s em um relatório. Essa fatia era de 95% em 2022.

Então veio a nova regra em dezembro de 2023, que forçou os bancos com uma necessidade potencial do FGC superior a seis vezes o patrimônio líquido a reter mais títulos do governo brasileiro em seus balanços, começando em junho de 2024 com um período de ajuste até 2028.

Mas com seu alto custo de financiamento, a Master precisava de ativos mais arriscados do que títulos do Tesouro para ser lucrativo. Precatórios representavam 34% dos empréstimos do Master em junho de 2024, disse a Moody’s, ou cerca de 175% do patrimônio líquido.

Além disso, uma parcela considerável da liquidez do Master consistia em fundos de investimento vinculados a crédito e de ações, que são menos fáceis de vender quando necessário do que títulos do governo. Esses fundos representavam 69% dos ativos líquidos do banco em junho de 2024, disse a Moody’s.

Os fundos de ações do Master têm participações em empresas como a Oncoclinicas, a líder em tratamento de câncer do país, e a Biomm, uma empresa de biotecnologia.

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O Banco Master “continua apresentando concentrações importantes em sua carteira de empréstimos, bem como exposição significativa a ações e crédito que adicionam risco de ativos e opacidade à estrutura de seu balanço”, disse a Moody’s em um relatório em setembro.

A pressão forçou Vorcaro a buscar um acordo, e ele encontrou um parceiro disposto no BRB. Pelo acordo de fusão, o Master, com R$ 51 bilhões em ativos, será incorporado pelo BRB, com R$ 61 bilhões.

O BRB vai adquirir 49% das ações com direito a voto do Master, com os acionistas mantendo a maioria dos votos, segundo os termos do acordo anunciado na sexta passada.

O Master permanecerá uma entidade separada sob a marca BRB. O BRB comprará 100% das ações preferenciais e 58% do capital total do banco. Vorcaro se juntará ao conselho do BRB.

Para Schiozer, a transação é uma “saneamento não forçado” do sistema financeiro brasileiro. Em outras palavras, a indústria busca limpar o problema por si só, sem intervenção do governo federal, mas por meio de um banco estatal.

Mas, em última análise, caberá ao BC de Galípolo decidir se o acordo do BRB deixará o sistema financeiro mais saudável.

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