Acordo com Amil reforça aposta de longo prazo em hospitais, diz CEO da Dasa

Em entrevista à Bloomberg Línea, Lício Cintra prevê expansão de margem da plataforma hospitalar e diz que joint venture com operadora de saúde pode ser tornar uma vertical ‘muito relevante’

Hospital Nove de Julho, perto da avenida Paulista, em São Paulo, parte do novo grupo Ímpar, joint venture entre a Dasa e a Amil (Foto: Divulgação)
21 de Junho, 2024 | 05:49 AM

Bloomberg Línea — Ao longo dos últimos dois anos, a situação da Dasa de alavancagem elevada e pressão de despesas financeiras suscitou especulações no mercado de capitais e de saúde sobre as decisões que seriam tomadas pelo acionista controlador, a família Bueno, para buscar equacioná-la.

O acordo anunciado há uma semana de criação de uma joint venture em hospitais com a Amil, operadora de saúde recém-controlada por José Seripieri Júnior, com 50% para cada lado, foi a solução que, além de reduzir a dívida e a alavancagem da empresa, melhor endereça a tese de gestão hospitalar com visão de longo prazo, disse o CEO da Dasa, Lício Cintra, em entrevista à Bloomberg Línea.

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“O maior desafio da desalavancagem é fazê-la da maneira sequencial correta, porque, caso contrário, nós reduzimos o valor dos ativos que possuímos”, disse Cintra em referência a opções especuladas como venda “fatiada” dos ativos ou até uma saída do grupo dessa vertical.

Segundo ele, o negócio nos moldes acertados não só só preserva esse valor como potencializa ganhos ao incentivar o alinhamento de interesses entre os sócios - e a gestão hospitalar com a operadora de saúde.

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“O acordo com a Amil posiciona a nossa plataforma de hospitais como uma plataforma relevante, com uma vantagem competitiva que não tínhamos, pois adiciona uma capilaridade de que precisávamos para que seja uma solução com as fontes pagadoras [operadoras de saúde]”, afirmou.

O executivo, que assumiu o cargo de liderança em janeiro deste ano, depois de um período de transição de cinco meses à frente da operação como COO, fez referência ao desenho da joint venture que uniu a maior parte dos hospitais da Ímpar, que pertence à Dasa, com a Rede Américas, da Amil, em três dos mercados de saúde mais relevantes em termos econômicos, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Em São Paulo, por exemplo, o novo grupo terá hospitais considerados de excelência como o Nove de Julho (Dasa) e o Samaritano Higienópolis (Amil), além de outros reconhecidos como o Samaritano Paulista (Amil) e o Leforte Morumbi (Dasa); no Rio, contará com os de excelência Hospital São Lucas (Dasa) e Americas Medical City, que reúne o Vitória Barra e o Samaritano Barra (ambos Amil).

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No caso da Dasa (DASA3), segundo ele, são hospitais que, isolados, são “bons ativos”, mas que entrariam para complementar a rede de uma fonte pagadora (operadora); com a integração com os hospitais da Amil, passam a ser uma solução completa dentro de uma proposta de valor.

Sob a mesma lógica, Cintra disse que o negócio transmite o recado claro de que o foco é o eixo Rio-São Paulo-Brasília. Isso significa que ativos que estão “fora da rota” e, portanto, são de integração mais complexa, caso do Hospital São Domingos, no Maranhão, e do Hospital da Bahia, vão fazer parte da próxima etapa de desalavancagem da Dasa, ainda que também sejam “bons ativos”.

Ele afirmou também que o negócio reforça a visão de longo prazo com a construção de uma plataforma de hospitais de certa forma “neutra”, dada a menor dependência de uma única fonte pagadora - a própria Amil - versus o principal concorrente, a Rede D’Or (o aporte de R$ 1,5 bilhão da família Bueno na Dasa, anunciado em maio, seria outro endosso do compromisso de longo prazo).

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Da mesma forma, o peso da nova plataforma de hospitais para a Amil é por ora limitado: o volume financeiro relativo a internações dos hospitais que entraram na joint venture nos mercados de São Paulo, Rio e Brasília corresponde a 15% do que a operadora paga à sua rede como um todo.

O potencial de engajamento da Amil será reforçado com a estrutura societária de 50% para cada lado, para que tenha incentivos em também se beneficiar dessa vertical de negócios. Novos produtos da operadora de saúde terão justamente os hospitais da plataforma como diferenciais.

“Essa é uma vertical de negócios que pode se tornar muito relevante, dado o tamanho da oportunidade”, resumiu Cintra, que será futuramente apontado como CEO no momento em que a plataforma alcançar um estágio de desenvolvimento que justifique, por exemplo, até uma listagem em bolsa.

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Segundo ele, haverá ganhos de assertividade, eficiência e cura de pacientes em tratamentos decorrentes do compartilhamento de dados e diagnósticos - uma agenda de integração em área liderada pelo Diretor Médico e de Operações de Cuidados Integrados da Dasa, Leonardo Vedolin.

Os ganhos de sinergia ainda estão sendo calculados em diferentes frentes. Em oncologia, por exemplo, o novo grupo nasce também como o segundo maior do país, em uma especialidade em que aumento de escala se traduz em economias ainda mais relevantes, segundo o CEO da Dasa.

Expansão das margens

Cintra também destacou o início da evolução das métricas de operação dos hospitais da Dasa, na esteira de uma série de medidas recém-executadas. “Nós não teríamos conseguido fechar o acordo com a Amil sem apresentar indicadores assistenciais que não fossem sustentáveis no longo prazo.”

Associado a esse ponto, ele ressaltou o entendimento de que “há uma capacidade relevante de expansão das margens das duas plataformas hospitalares”, algo que “talvez o mercado só reconheça com o tempo, à medida que a evolução seja percebida nas demonstrações de resultados”.

Lício Cintra, CEO da Dasa (Foto: Divulgação)

Ele citou o fato de que os hospitais da plataforma da Amil estão sob nova gestão desde fevereiro deste ano - quando Júnior assumiu o controle - e já apresentam sinais de melhorias; que medidas adotadas na rede da Dasa no fim de 2023 também já começaram a surtir efeito no primeiro trimestre e que isso deve se intensificar ao longo do ano; e que há o ganho potencial decorrente da execução dessas ações de redução de custos e de ganhos de eficiência na Rede Américas.

Esse potencial foi apontado na apresentação ao mercado: a margem Ebitda dos hospitais da Ímpar em 2023, excluindo os que estão no Nordeste, foi de 11%, enquanto os da Amil ficou em 4%. A plataforma combinada teve uma margem de 8%, muito aquém dos pares - 24% da Mater Dei e 25% da Rede D’Or, o que ilustra o espaço para avanço caso a agenda seja bem executada.

A concretização dessa evolução significaria, segundo o executivo, um nível de alavancagem menor e “muito diferente” da nova empresa de hospitais do que o que foi calculado por parte do mercado, que leva em conta tanto a dívida de R$ 3,850 bilhões transferida da Dasa como o Ebitda de 2023 - resultando em uma relação de quase 5 vezes. Na apresentação ao mercado, Dasa e Amil projetam algo perto de 3 vezes.

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Essa agenda de melhorias da Dasa envolve desde medidas transversais em todo o grupo, como descontinuar operações não rentáveis (caso do Uruguai) e tirar a priorização de negócios como home care a outras específicas da vertical de hospitais e oncologia, como redimensionar a estrutura de liderança, com redução dos níveis hierárquicos, e revisão de contratos com operadoras.

Evolução gradual e desconfiança do mercado

“Essa agenda de execução de medidas de disciplina financeira e operacional segue intensa. Não há uma carta na manga que vai transformar a empresa da noite para o dia”, disse o CEO da Dasa.

“Mas estamos convictos de que há uma série de frentes que vão gerar melhorias de performance ao longo dos trimestres e isso vai deixar o mercado um pouco mais seguro do ponto de vista de execução.”

Esse foi um dos pontos principais de questionamentos de parte dos analistas do sell side em relatórios depois do anúncio da joint venture com a Amil: se essas medidas serão suficientes para devolver a Dasa ao caminho do crescimento sustentado que não seja consumido pelas despesas financeiras. E se o grupo não vai precisar, sim, de vendas de ativos que possam ir além dos hospitais no Nordeste.

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As ações da Dasa devolveram nos últimos dias os ganhos da ordem de 40% que chegaram a acumular nas três semanas que antecederam o anúncio do negócio. No ano, a queda se aproxima de 70%.

Segundo o CEO da Dasa, na medida em que essa agenda de melhoria operacional impacte os resultados, a expectativa é que as ações em bolsa devem começar a refletir o valor que existe nos ativos tanto hospitalares como de medicina diagnóstica, algo que hoje está muito distante. “Os números do segundo trimestre já devem mostrar um avanço mais evidente nesse aspecto”, afirmou.

Em seus dois trabalhos anteriores, Cintra liderou o processo mais recente de expansão da Hapvida, maior grupo verticalizado de saúde do país, como VP Comercial e de M&A, incluindo a aquisição da NotreDame Intermédica em 2022.

E, antes disso, trabalhou 14 anos no Grupo São Francisco, dos quais dez como CEO, período em que o transformou em um player de saúde relevante no país com atuação no interior de São Paulo, no Centro-Oeste e no Sul, até ser vendido justamente à Hapvida em 2019 por R$ 5 bilhões.

Com a transferência de R$ 3,850 bilhões em dívida para a nova empresa de hospitais e o aporte previsto de R$ 1,5 bilhão da família Bueno, a alavancagem da Dasa recuará para 3,6 vezes o Ebitda no resultado pró-forma com dados do primeiro trimestre, ou 2,9 vezes para efeitos de covenants (limites estabelecidos em cláusulas com credores).

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.