Bloomberg Línea — “Reconquistamos o direito de sonhar grande.” A frase dita na convenção de lideranças da Loft no começo deste ano pelo CEO e cofundador, Mate Pencz, buscou traduzir o significado do breakeven no quarto trimestre de 2023 para a empresa de tecnologia que atua com soluções para compra, venda e aluguel de imóveis.
Isso significou, segundo o empreendedor, dispor de condições de estar novamente mais na “ofensiva”, o que se traduz em desde ampliar o investimento em produto - principalmente na frente de fintech e meios de pagamento - até voltar a estudar eventuais M&As (fusões e aquisições) e uma listagem.
“Claramente é outro momento em termos de escala e também de consistência e de entrega de resultados, com rentabilidade. E isso significa não necessariamente buscar um IPO mas colocar uma barra mais alta de companhia pública”, disse Pencz em entrevista à Bloomberg Línea.
O time que estuda eventuais M&As está “mais ativo”, segundo ele, e uma eventual transação poderia ser realizada integralmente por meio de equity, sem necessidade de funding via mercado (a última captação, um ano e meio atrás, foi por meio de dívida conversível e trouxe como investidor estratégico um fundo soberano de Abu Dhabi). Seria provavelmente um M&A para complementar a oferta de produtos.
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Depois da integração de processos e das marcas adquiridas em anos anteriores e também da proposta de valor para mais de 10.000 imobiliárias em cerca de 800 cidades, que atuam como parceiras no modelo de “ecossistema” (veja mais abaixo), a Loft está preparada para uma nova fase, disse o CEO.
“Hoje funcionamos quase como um banking partner holístico para imobiliárias e corretores. Neste ano vamos lançar produtos nesse sentido, alavancando IA sempre que possível”, afirmou. “Temos um time com quase 300 profissionais de tecnologia, data science e produtos que pensa no todo.”
A nova perspectiva da startup que vai ao encontro da percepção de que o pior ficou para trás de maneira um pouco mais abrangente no mercado imobiliário e no cenário macro, com perspectivas favoráveis de médio e longo prazo em razão de fatores como o citado impacto da Inteligência Artificial e o início da queda dos juros - a taxa de curto prazo passou de 13,75% para 10,50% ao ano desde agosto passado.
O cofundador da Loft disse que a operação também tem se beneficiado mais amplamente do ganho de escala, à medida que o aumento do volume de informações na plataforma permite que as ferramentas existentes de busca, por exemplo, se tornem mais assertivas com o uso de IA e de machine learning.
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O interesse potencial em IPO, por sua vez, é uma via de mão dupla dado o track record e a evolução da Loft: Pencz participou no começo do mês do LatAm Tech Forum em Miami, evento organizado pela Riverwood Capital com apoio da NYSE, a Bolsa de Nova York.
Foi um dos cerca de 20 empreendedores entrevistados envolvidos com o ambiente de inovação na região, ao lado de outros potenciais candidatos a IPO, como Adolfo Babatz, cofundador e CEO da fintech mexicana Clip, que anunciou na semana passada um aporte de US$ 100 milhões, Eduardo della Maggiora, cofundador e CEO da healthtech chilena Betterfly, e o brasileiro Lucas Vargas, CEO da Nomad.
Como parte do processo, o CEO da Loft começou ontem a ser um dos empreendedores exibidos com destaque pela NYSE em um painel eletrônico na Times Square, em Nova York.
Turnaround e integração de marcas
A alusão ao conceito do “sonho grande” tem relação com decisões tomadas pela Loft nos dois últimos anos, a começar pelo executivo escolhido para liderar o processo de turnaround em junho de 2022, quando o chamado “inverno das startups” mal havia começado com a alta dos juros globalmente.
A Loft decidiu naquele momento recrutar para liderar a operação (como COO e novo sócio) Marcel Régis, então CEO da Bavaria, maior cervejaria da Colômbia e um executivo experiente com 25 anos de Ambev e AB InBev, uma das escolas mais consagradas em gestão com foco em eficiência no mundo.
O processo de busca por eficiência incluiu o corte de centenas de funcionários em diferentes frentes não prioritárias ou com sobreposição de cargos dadas as aquisições.
E esse objetivo se tornou, segundo Pencz, uma obsessão que foi incorporada e levou à consolidação de um centro de excelência operacional que tem base em Curitiba e que já conta com perto de 600 profissionais. “Seguimos investindo nessa frente”, disse o cofundador da Loft.
Na chegada de Marcel Régis, a Loft estava no começo de um processo de integração de duas empresas adquiridas com atuação financeira da jornada de compra e aluguel de imóveis, a Credpago e a CrediHome, respectivamente entre as líderes de mercado em garantias para o aluguel residencial e de originação de crédito para compra. A primeira transação representou a entrada do BTG Pactual (BPAC11), então sócia da Credpago, como acionista minoritário da Loft, com 5% do capital.
Captura de sinergias
Naquele momento, a visão de se transformar em uma empresa que oferece soluções de “ponta a ponta” para interessados em comprar e vender imóveis, corretores e imobiliárias já estava não só estabelecida como em execução, “mas não havia um ecossistema integrado”, resumiu Pencz.
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Após dois anos, a Loft não apenas executou a integração, sob a liderança do então novo COO, como também promoveu a unificação das marcas do grupo.
Essa tarefa foi planejada e recém-concluída em abril também por um executivo que chegou à casa na fase de ajustes - mais exatamente no começo de 2023, como CMO: Sergio Esteves, ex-AB InBev - incluindo o “braço” global de inovação, a ZX Ventures - e ex-BRF.
A integração da marca Loft tem favorecido frentes como o cross selling de solucões para imobiliárias, que incluem de fiança de aluguel e seguro residencial a financiamento imobiliário, acesso ao marketplace, home equity e sistema de gestão (CRM). A visão é buscar destravar as transações - e monetizar em cima. A venda cruzada aumentou 70% nos seis primeiros meses de marca integrada, segundo Esteves.
“Fica mais simples conversar com as imobiliárias quando você chega com um discurso único e tem tudo reunido em uma marca, que se chama Loft Mais Negócios, como uma caixa de ferramentas para esse público”, disse Esteves.
Há outras iniciativas em curso que têm amplo potencial, segundo os executivos, como o Clube Loft, um clube de relacionamento e fidelidade para imobiliárias que concede não só bonificação por desempenho como busca promover a conexão entre os profissionais e a troca de melhores práticas.
“Como é um mercado muito fragmentado, as imobiliárias veem como algo muito valioso ter a chance de trocar informações entre elas”, disse Esteves na mesma entrevista à Bloomberg Línea. Em convenção realizada há dois meses, segundo ele, havia imobiliárias de noventa cidades.
Aprendizados e ambidestria
O novo momento da Loft, segundo Pencz, é resultado também de aprendizado da evolução da empresa ao longo de sua relativamente curta trajetória, segundo Pencz.
Fundada em meados de 2018 por Pencz e Florian Hagenbuch, a Loft teve um crescimento meteórico e se tornou em janeiro de 2020 a startup brasileira que menos tempo levou para se tornar um unicórnio - startup avaliada em US$ 1 bilhão ou mais -, após um aporte de US$ 175 milhões em rodada Series C liderado pela Vulcan Capital e a Andreessen Horowitz.
Eram outros tempos de custo de capital mais baixo, com liquidez no mercado, em que a rentabilidade e a eficiência ficavam em segundo plano, assim como para a maioria das startups.
A proptech atuava em seus anos iniciais com o modelo inicial de compra, reforma e venda de apartamentos em São Paulo. Os novos recursos e as conversas com investidores levaram os fundadores a investir posteriormente para desenvolver um marketplace para negociar também imóveis de terceiros, o que abriu as portas para o ganho de escala do negócio.
Novos produtos e parceria com o BTG Pactual
As aquisições citadas, por sua vez, transformaram a Loft em um player relevante na oferta de soluções financeiras que possam “destravar” operações de aluguel, compra e venda de imóveis.
No segmento de fiança para aluguel, por exemplo, a estimativa é que os principais players do mercado, o que inclui a Loft - e também empresas como QuintoAndar e Porto -, tenham 1 milhão de contratos com o serviço, versus 13 milhões de contratos hoje registrados, um número que tende a crescer.
“Temos muitas informações sobre o inquilino, sobre o ativo [o imóvel] e sobre imobiliárias com as quais temos relacionamentos de anos. E temos capabilities financeiras e de precificação de risco”, disse o empreendedor sobre novas soluções que podem ser desenvolvidas.
“Temos sempre muito cuidado, mas é uma oportunidade e vamos eventualmente levar essas capabilities para algumas categorias de produtos em que haja uma dor para imobiliárias e parceiros”, disse.
Alguns dos produtos financeiros têm sido desenvolvidos em parceria com o BTG Pactual, “um acionista minoritário relevante”, afirmou.
Segundo Pencz, a empresa hoje busca conciliar e equilibrar a eficiência necessária de curto prazo com investimentos que vão surtir efeito, se tudo correr como esperado, no médio e no longo prazos. É uma capacidade de ambidestria, conceito que ganhou força no mundo corporativo nos últimos anos.
“Estamos muito no começo. As oportunidades são enormes”, resumiu o CEO da Loft.
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