A fusão nuclear se tornou a aposta do fundador da OpenAI. O mercado desconfia

Sam Altman tem dedicado grande parte do seu patrimônio pessoal para a Helion Energy, que planeja abrir a primeira usina do mundo até 2028, a despeito do ceticismo da comunidade científica

Instalação da Helion Energy em Everett, no estado americano de Washington: plano para o que pretende ser a primeira usina de fusão nuclear do mundo até 2028 (Foto: Mike Kane/Bloomberg)
Por Annie Massa
22 de Julho, 2024 | 02:02 PM

Bloomberg — Sam Altman, o bilionário cofundador e CEO da OpenAI, tem apostado uma grande parte de sua fortuna pessoal em uma startup que busca o “santo graal” da fusão nuclear – a fonte de energia limpa teoricamente ilimitada e elusiva que, segundo ele, é essencial para um futuro habilitado por Inteligência Artificial (IA).

Outros bilionários, em uma lista que inclui Jeff Bezos, Bill Gates e George Soros, já apoiaram anteriormente empreendimentos de fusão nucelar. Mas Altman foi além e fez seu maior investimento pessoal na Helion Energy, que se destaca por seu cronograma considerado audacioso.

A empresa planeja abrir a primeira usina de energia de fusão do mundo até 2028 e fornecer energia para a Microsoft (MSFT) logo em seguida.

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Isso equivale a um “piscar de olhos” para uma indústria que tenta produzir energia a partir de fusão há quase um século. Mesmo com os avanços científicos recentes, o objetivo da Helion ainda está vários anos à frente do que os maiores defensores da tecnologia consideram viável.

A Helion, no entanto, oferece pouco até aqui para persuadir céticos ou críticos.

Embora esteja entre as empresas de fusão mais bem financiadas, ela não publica resultados experimentais nem participa de revisões por pares como fazem as grandes startups rivais, o que levanta “bandeiras vermelhas” na comunidade científica.

O CEO, David Kirtley, diz que a principal tarefa não é necessariamente publicar – é construir um reator de fusão.

“Quando fundamos a Helion, nosso objetivo não era demonstrar novas física interessantes”, disse Kirtley em uma entrevista em março. “Ao iterar e construir rapidamente, você realmente aprende mais do que poderia se fizesse muitas simulações e cálculos antecipados.”

Reservas e acusações

Mas, na sede da empresa em Everett, no estado americano de Washington, trabalhadores têm suas próprias reservas.

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Em mensagens de texto e outras comunicações revisadas pela Bloomberg News e em entrevistas, funcionários atuais e antigos da Helion expressaram frustração com o progresso da empresa e ceticismo de que seu sétimo protótipo de fusão, chamado Polaris, estará em operação para satisfazer seu prazo interno de fim de ano.

Para complicar o cronograma agressivo, a Helion tem que lidar com uma série de reclamações de assédio e discriminação de gênero.

Pelo menos cinco mulheres buscaram reparação nos últimos dois anos, incluindo uma cientista que deixou a empresa após uma investigação de assédio e que escreveu em uma nota aos colegas que buscaria um empregador “mais alinhado com meus valores e ideais”.

Por meio de um porta-voz, o CEO disse que a Helion está “focada em criar um ambiente de trabalho diverso e inclusivo.”

Durante grande parte da sua primeira década, a Helion operou de forma enxuta, com financiamento governamental e construção de seis protótipos. Com o ingresso de capital em 2021, a Helion rapidamente quadruplicou sua força de trabalho para mais de 300 profissionais. Menos de um quarto são pesquisadores treinados; cerca de metade são maquinistas, que constroem e montam partes do Polaris.

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A composição da força de trabalho pode refletir a determinação da Helion em avançar e construir, sem necessariamente participar dos processos públicos que normalmente demonstram progresso científico ou tranquilizam os investidores.

“Eles basicamente estão dizendo: ‘Vamos pular alguns passos. Vamos simplesmente construir a máquina’,” disse David Ruzic, professor de engenharia nuclear, de plasma e radiológica na Universidade de Illinois Urbana-Champaign.

O acordo da Helion com a Microsoft – para fornecer eletricidade gerada por uma usina de fusão construída até 2028 – surpreendeu alguns funcionários, de acordo com entrevistas com ex-colaboradores que pediram anonimato por receio de retaliação. Eles também expressaram dúvidas sobre a promessa da empresa de fazer o protótipo Polaris funcionar até o final do ano.

“Não parece viável,” escreveu um funcionário em uma mensagem aos colegas. Outro respondeu dizendo que, em conversas privadas, até Kirtley não parecia convicto.

Um porta-voz da Microsoft disse que a empresa está “otimista sobre essa tecnologia e seu potencial para beneficiar o planeta.”

Bônus para cumprir a meta

O objetivo iminente da Helion é completar o Polaris até 14 de outubro para que possa começar os testes. “Há muito risco nessa data,” reconheceu um funcionário sênior de engenharia da Helion em uma publicação interna revisada pela Bloomberg News.

Como incentivo, a empresa prometeu a cada membro da equipe um bônus em dinheiro de US$ 50.000, além de outros US$ 50.000 em opções de ações da Helion se atingirem a meta.

O ceticismo interno não desacelerou os apelos da Helion a potenciais clientes.

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Quatro meses após a Helion anunciar seu acordo com a Microsoft, a Nucor Corp., a maior fabricante de aço da América do Norte, investiu US$ 35 milhões e concordou em colaborar com a Helion para construir uma usina de fusão de 500 megawatts. A Helion anunciou uma recompra de ações dias depois, segundo uma pessoa familiarizada com o assunto.

A Helion também esteve em conversações com a OpenAI, de Altman, para fornecer “quantidades vastas de eletricidade” para alimentar centros de dados, informou o Wall Street Journal em junho.

Preocupação da comunidade científica

Muitos cientistas reagiram com descrença e preocupação sobre as consequências de uma falha de alto perfil em cumprir suas promessas.

“Tenho um problema com eles fazendo promessas que podem não ser cumpridas,” disse Saskia Mordijck, professora de física de plasma na William & Mary. “Isso é prejudicial para toda a comunidade de fusão.”

Em junho, o CEO da Commonwealth, Bob Mumgaard, fez um apelo público para que as empresas de fusão apoiem suas reivindicações com revisões por pares – uma verificação rigorosa dos fatos antes que os resultados sejam publicados em um jornal, e uma marca de credibilidade.

“A indústria não deve ceder ao hype do marketing,” escreveu Mumgaard. “Comunicados de imprensa sem prova farão mais mal do que bem à confiança dos interessados na fusão.”

Todas as empresas que trabalham com tecnologia de ponta tentam proteger sua propriedade intelectual. Ainda assim, outras startups de fusão encontraram maneiras de tornar públicos alguns de seus resultados experimentais.

Compartilhar evidências concretas, incluindo sobre o calor e a estabilidade de seu plasma – em que ocorrem as reações de fusão –, é necessário para construir credibilidade dentro da indústria, com investidores e, em última análise, no mercado, escreveu Mumgaard.

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A Helion tem várias patentes e publicou um artigo de modelagem em 2023, mas não incluiu dados experimentais.

A Helion também tem sido relativamente escassa em certas conferências de alto nível, em que líderes empresariais e acadêmicos se reúnem para compartilhar seu trabalho, verificar a concorrência e recrutar.

A reunião anual mais recente da Divisão de Física de Plasma da American Physical Society apresentou dezenas de resumos de outras empresas bem financiadas, incluindo Commonwealth, TAE e Zap Energy. A Helion submeteu dois.

Ex-funcionários dizem que a administração recusou alguns pedidos para participar de eventos da indústria e rejeitou perguntas sobre por que a empresa faz tanto alarde sobre suas conquistas, como aquecer o plasma a 100 milhões de °C, sem publicar pesquisas revisadas por pares.

Vários deles descreveram Kirtley como fanático por sigilo e preocupado com roubo de ideias, levantando o espectro de espionagem corporativa em reuniões internas. Ele levantou preocupações semelhantes perante o congresso, invocando uma máquina em construção na China “que se parece exatamente com os esquemas divulgados pela Helion em 2014.”

A empresa é mais aberta com públicos menos técnicos.

No ano passado, a empresa recebeu o vlogger de ciência Jason Bowles para uma visita; o vídeo mostra o interior da instalação da Helion, que Bowles compara ao “porão do Homem de Ferro.” A Bloomberg News teve seus pedidos de uma visita recusados.

Altman: defensor mais notório

Altman é o defensor mais visível da Helion e promove a empresa no X (ex-Twitter), em podcasts, mídia tradicional e em seu blog. Um comunicado de imprensa cita Altman classificando as ideias da Helion como “de longe a abordagem mais promissora para fusão que já vi.”

O impulso de relações públicas também teve uma receptividade ruim com alguns funcionários. Em um momento, a Helion abordou Grace Stanke, engenheira nuclear e Miss America 2023, sobre um papel para promover a empresa e sua tecnologia.

Na época, os trabalhadores questionaram a busca da empresa por uma defensora de alto perfil quando ainda não havia contratado um profissional encarregado da segurança geral do chão de fábrica, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.

No fim, Stanke nunca trabalhou com a Helion. “Não acho que era a combinação certa,” disse ela.

Pelo menos duas vezes nos últimos dois anos, ex-funcionárias buscaram ações legais contra a Helion sobre questões que incluíam demissão sem justa causa, discriminação no local de trabalho e remuneração, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.

Kirtley disse em uma declaração por e-mail que, no mesmo período, a empresa criou uma análise anual de equidade salarial e tomou outras medidas, incluindo “iterar em nossa filosofia de compensação para aumentar a transparência.”

No ano passado, Claire Saunders, PhD em ciência dos materiais e uma das contratações celebradas da Helion, relatou assédio por seu gerente masculino, segundo pessoas familiarizadas com as alegações – incluindo comentários sobre inserir material à força em um gerador de nêutrons, referido no feminino.

Saunders e seu gerente foram colocados em licença enquanto a Helion investigava o caso, mas não teria encontrado “evidências suficientes de discriminação,” segundo uma mensagem aos funcionários vista pela Bloomberg News.

Um porta-voz da Helion disse que uma terceira parte “investigou minuciosamente as alegações” e, após conversar com todas as partes que teriam informações, “não as considerou precisas.” Ela foi transferida para outra equipe enquanto seu gerente retornou ao seu papel, de acordo com a mensagem vista pela Bloomberg News.

Saunders saiu em novembro, escrevendo em uma mensagem aos colegas que havia enfrentado “desafios que tornaram importante buscar um ambiente mais alinhado com meus valores e ideais,” de acordo com uma cópia de sua nota vista pela Bloomberg News.

Contatada por telefone, Saunders se recusou a comentar sobre sua saída.

“Estamos comprometidos a melhorar continuamente nosso ambiente,” disse Kirtley em um comunicado.

Em conversa por meio de Zoom em março, Kirtley disse que tinha apenas 15 minutos antes de uma revisão de design. Cientistas de fusão podem estar predispostos a ignorar críticos e pessimistas, mas não à exclusão de um ceticismo saudável, disse Kirtley.

“Como engenheiro e cientista, entro em cada situação procurando o que pode dar errado e o que não vai funcionar para que possamos resolver esse problema,” disse ele. “Somos solucionadores de problemas por natureza.”

Os incentivos financeiros são persuasivos. Como parte da última rodada de captação de fundos da empresa, a Helion poderia receber um adicional de US$ 1,7 bilhão se atingir certos marcos de desempenho.

“Neste momento, o foco é: como construir e, idealmente, como avançar o mais rápido possível para colocar o Polaris em funcionamento,” disse Kirtley. “Todas aquelas partes finais para serem montadas e colocadas na máquina para ligá-la. Esse tem sido nosso foco.”

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