O ‘Nubank americano’ já foi anti-banco. Agora quer ser um dos maiores do grupo

Fintech SoFi, que nasceu de olho no refinanciamento estudantil, ganha escala e amplia receitas com juros com licença bancária: ‘queremos ser um dos 10 maiores dos EUA’, diz CEO

Painel eletrônico da Nasdaq na Times Square, em Nova York, com destaque para a SoFi (Foto: Reprodução/Nasdaq)
Por Paige Smith
02 de Julho, 2023 | 08:04 AM
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Bloomberg — A americana SoFi (SOFI) é comparada com frequência por analistas de Wall Street ao Nubank (NU), como ações de fintechs ou bancos digitais que o investidor deve ter no portfólio. Há semelhanças entre eles, como o discurso em seus anos iniciais de oferecer um serviço e um atendimento aos clientes que os bancos não conseguiam. Ambos abriram o capital em Nova York no mesmo ano, em 2021. Outra semelhança mais recente é que começam a fazer parte cada vez mais do grupo dos maiores bancos de seus respectivos mercados, se não na proposta de valor, na maneira como rentabilizam o negócio.

No caso da SoFi, um empurrão adicional acaba de ser dado nesta semana.

A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de rejeitar o perdão de dívidas estudantis proposto pelo governo de Joe Biden deve oferecer um benefício em potencial para instituições como a SoFi Technologies, que cresceu em um primeiro momento ao refinanciar empréstimos para graduados nas melhores universidades. Mas o CEO da empresa com sede em São Francisco não quer parar por aí.

“Nossa meta é chegar a um ROE [rentabilidade sobre o patrimônio líquido] de 30%”, disse o CEO Anthony Noto em entrevista em 12 de junho. Isso é quase o dobro do gigante JPMorgan [JPM]. “Mas também é se tornar uma das 10 maiores instituições financeiras dos Estados Unidos.”

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O objetivo grandioso não é algo incomum para Noto, de 55 anos, que realizou uma série de movimentos ousados durante seus cinco anos à frente da empresa.

O CEO ganhou as manchetes em março ao processar o governo dos Estados Unidos por uma pausa concedida no pagamento de empréstimos estudantis, feita nos primeiros dias do covid-19 e que perdurou três anos - um movimento que alguns chamaram de corajoso, outros de imprudente.

O governo Biden concordou em suspender a moratória como parte de um acordo sobre o teto da dívida americana com os republicanos, e a SoFi desistiu de sua ação judicial. Na sexta-feira, a Suprema Corte rejeitou outro plano de empréstimo estudantil de Biden, de cortar as dívidas de mais de 40 milhões de pessoas. A decisão poderia aumentar as oportunidades de mercado para a SoFi, de acordo com a Bloomberg Intelligence.

A SoFi se recusou a comentar a decisão da Suprema Corte. Mas Noto disse anteriormente que a empresa apoia o perdão de empréstimos estudantis.

Quanto ao processo sobre a dívida do governo, Noto mantém sua decisão pelo processo contra a pausa nos pagamentos, algo que, segundo ele, custou à SoFi centenas de milhões de dólares.

“Passamos do momento em que era necessário um alívio amplo e uma moratória”, disse Noto, um ex-banqueiro do Goldman Sachs e ex-executivo do Twitter, em sua primeira entrevista desde o arquivamento do processo. “O programa precisava ser mais direcionado e sentimos que o governo estava usando o dinheiro dos impostos americanos de forma inadequada.”

Para alguns funcionários seniores atuais e antigos, o processo foi uma ação imprudente que prejudicou a reputação da SoFi de promover o bem-estar financeiro do consumidor. Mas esse foi apenas um dos riscos que Noto já assumiu dentro da SoFi.

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Em meados de 2021, ele abriu o capital da empresa com sede em São Francisco ao se fundir com uma empresa de aquisição de propósito específico no auge do boom do SPAC. Oito meses depois, a SoFi comprou o Golden Pacific Bancorp, um pequeno banco da Califórnia com apenas três filiais - um movimento que efetivamente transformou o Golden Pacific em um banco completo capaz de aceitar depósitos de clientes e emitir empréstimos.

O movimento está muito longe do de uma fintech que uma vez disse desafiadoramente aos clientes “não aos bancos” e organizou eventos para solteiros como uma forma de se destacar na multidão enfadonha do setor de financeiro.

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Mudanças na mensagem

Esse slogan de “Não ao bancos” fez sentido logo após a grande crise financeira de 2008, quando a SoFi foi fundada, mas os executivos da empresa retiraram essa mensagem depois que a fintech acabou entregando os bancos nos quais eles confiavam para obter financiamento, de acordo com um ex-funcionário com conhecimento das discussões.

Agora, com exceção de alguns meses turbulentos no início deste ano, há mais confiança em geral no sistema bancário, e Noto busca capitalizar em cima disso.

A SoFi quer conquistar sucesso em um ambiente altamente competitivo, em que fintechs lutam contra gigantes bancários como JPMorgan e Bank of America (BAC), que investiram bilhões de dólares em tecnologia para conquistar clientes cada vez mais acostumados a usar smartphones e sites para administrar suas finanças instantaneamente.

Enquanto outras fintechs lutam contra o apetite mudo de empresas de capital de risco e recorrem a cortes de pessoal para conter custos, a SoFi registrou em maio o oitavo trimestre consecutivo de receita recorde.

Graças ao seu novo status de banco, quase quintuplicou a receita líquida de juros – uma métrica de receita importante para os players tradicionais – em dois anos e espera ser lucrativo pela primeira vez até o final de 2023.

Crise de identidade

“Se você não tem uma licença bancária, geralmente não cabe a você decidir qual taxa de juros pode oferecer em cheques e poupanças – depende de seus fiadores bancários”, disse Noto. “Como proprietários de um banco, podemos controlar essa taxa de juros, e issos é um elemento-chave na construção de uma proposta de valor que impulsiona depósitos duráveis e de alta qualidade.”

Mas o que significa ganhar o status de banco para a SoFi, uma fintech que se autodenomina pró-consumidor?

A empresa passa por uma espécie de crise de identidade, mesmo com as ações subindo mais de 80% neste ano, de acordo com Todd Baker, membro sênior do Richard Paul Richman Center for Business, Law and Public Politics da Universidade de Columbia. Não ser “nem peixe nem pássaro”, como Baker vê, significa que há poucas empresas comparáveis no mercado para ajudar a orientar os investidores.

CEO de SoFi

Fundada em 2011 por alunos de pós-graduação da Universidade de Stanford, a SoFi tinha como objetivo conectar investidores de alta renda diplomados nas melhores universidades com alunos dessas mesmas instituições.

A SoFi os batizou de ‘HENRYs’ - pessoas com alta renda, mas que ainda não são ricos - e acreditava que eles eram inerentemente menos arriscados para os bancos. A SoFi atraiu clientes oferecendo refinanciar seus empréstimos estudantis a taxas mais baixas do que as oferecidas pelo governo federal. O conceito decolou e a SoFi entrou em um setor que incluía fintechs peer-to-peer, como o LendingClub.

“A empresa cresceu rapidamente, auxiliada por grandes quantias de financiamento de capital de risco, mas não era lucrativa e não tinha um caminho claro para a lucratividade”, disse Baker.

Freios na expansão

A SoFi mudou o foco para as hipotecas e outras áreas do mercado de serviços financeiros e houve conversas sobre um IPO (Oferta Pública Inicial, na sigla em inglês). Mas a empresa logo passou por uma série de obstáculos.

Os planos de crescimento foram desacelerados em 2016 por um ambiente de financiamento nada amigável para fintechs. Então, em 2017, acusações de assédio sexual foram feitas contra executivos, incluindo o então CEO Michael Cagney, que renunciou.

Assim entrou Antonio Noto. No início de 2018, a SoFi o contratou como CEO com ele egresso do Twitter, empresa em que era COO (executivo-chefe de operações).

Ele trouxe consigo anos de experiência em investiment banking no Goldman Sachs e uma passagem como diretor financeiro da National Football League, a liga profissional de futebol americano.

Como estudante de graduação, Noto frequentou a academia militar de West Point - um ambiente notoriamente exigente - e tem um mestrado em administração de empresas pela Wharton School.

“Ele é muito exigente em termos de seus níveis de energia”, disse Harvey Schwartz, CEO do Carlyle Group e membro do conselho de administração da SoFi. “Ele cria muita lealdade, muito entusiasmo.”

Com a estabilidade de volta ao alto escalão da empresa, os planos de abrir o capital voltaram. Em 2020, os SPACs estavam na moda, oferecendo às empresas uma maneira menos onerosa de listar ações.

A SoFi concordou em janeiro de 2021 em se fundir com a Social Capital Hedosophia Holdings Corp, uma SPAC lançada pelo ex-executivo do Facebook Chamath Palihapitiya em um negócio que avaliou a SoFi em cerca de US$ 8,7 bilhões.

O método ligeiramente heterodoxo de abertura de capital foi logo seguido pela compra da Golden Pacific pela SoFi por US$ 22,3 milhões. Antes da aquisição, a SoFi expandia rapidamente seu conjunto de ofertas ao consumidor em produtos como criptomoedas e cartões de crédito, com a diversificação de suas fontes de receita no processo. Mas uma licença bancária deu à SoFi um nível de segurança buscado por poucas fintechs, embora cobiçado por muitas.

Os depósitos de clientes agora oferecem à SoFi uma fonte de financiamento mais barata para continuar a expandir seus produtos, enquanto a capacidade de manter empréstimos no balanço da empresa por períodos mais longos oferece à SoFi a oportunidade de maiores ganhos na receita líquida de juros.

Os depósitos com juros subiram para mais de US$ 10 bilhões em 31 de março, de um patamar de apenas US$ 1,06 bilhão um ano antes.

“Acho que em algum momento, estrategicamente, se você quer estar no negócio bancário como uma fintech, você precisa ser um banco”, disse Schwartz. “Você não pode atingir a máxima velocidade sendo apenas uma fintech.”

Custo da Moratória

Quando parecia que a SoFi entrava em um período de crescimento sustentável, Noto fez outra jogada surpreendente. No início de março, a empresa entrou com uma ação contra o Departamento de Educação em um esforço para forçar os devedores inelegíveis para o perdão da dívida estudantil a retomar os pagamentos.

A moratória - implementada pelo presidente republicano Donald Trump durante os primeiros dias da covid-19, estendida pelo presidente democrata Joe Biden e permitida após a declaração de emergência nacional - teria custado à empresa cerca de US$ 200 milhões em lucro e o dobro disso em receita.

A estratégia era inusitada. As empresas raramente processam o governo federal, e, em vez disso, permitem que associações comerciais o façam em seu nome, distanciando-se do confronto.

“Francamente, acho que foi loucura”, disse Baker, professor de negócios da Columbia e consultor de fintechs. “A empresa evitou em grande parte o foco da imprensa sobre a maneira como seu refinanciamento de empréstimos prejudica os objetivos de política pública de empréstimos estudantis do governo, que é uma estratégia que afasta do governo os melhores credores. Mas o processo trouxe todo o restante para o primeiro plano.”

Outros consideraram o processo uma jogada inteligente, embora descarada. O refinanciamento de empréstimos estudantis estava entre os negócios mais lucrativos da SoFi, que foi efetivamente reduzido para operar em uma pequena porcentagem de sua capacidade anterior, de acordo com Michael Perito, analista da Keefe Bruyette & Woods. O negócio também foi como a SoFi adquiriu muitos de seus clientes, deixando a empresa com um cenário muito desafiador para navegar, disse ele.

‘Pressione um pouco’

“Alguém tinha que pressionar um pouco”, disse Dominick Gabriele, analista da Oppenheimer & Co. “Eles são um dos líderes de refinanciamento, se não o líder.”

Um porta-voz da SoFi disse que o conselho da empresa teve um diálogo robusto sobre a decisão de processar o governo. Não se sabia na época, porém, que a moratória estava chegando ao fim de qualquer maneira. “Escondida” no acordo de teto da dívida alcançado pelo presidente Joe Biden e pelo presidente da Câmara, Kevin McCarthy, havia uma estipulação para encerrar a pausa no pagamento. A SoFi, então, desistiu do processo.

Mas a reputação da SoFi foi colocada em risco. O processo marcou uma mudança significativa para uma empresa que passou seus primeiros dias se apresentando como diferente dos grandes bancos, estes tão distantes das pessoas. Exigir que os devedores sobrecarregados retomem os pagamentos do empréstimo pode ser visto como um enfraquecimento da imagem pró-consumidor que a SoFi cultivou.

“A visão que o cliente tem de seu banco”, disse Perito, “é muito importante”.

Até agora, o processo não causou muito problema para a SoFi. As ações da empresa subiram mais de 11% no dia em que foi anunciada a suspensão da moratória, e as ações dispararam neste ano. Noto, por sua vez, vê a SoFi como comprometida com sua visão original.

“Nosso maior foco está na nossa missão, que é ajudar as pessoas a alcançarem a independência financeira para que possam realizar suas ambições”, disse. “Existem outros exemplos de grandes decisões que tivemos que tomar, mas eu sempre atribuiria isso a uma estratégia consistente que as pessoas compraram e apoiaram.”

- Com informações da Bloomberg Línea.

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