A crise da Coteminas: da dívida com a Farallon Capital à venda da mmartan

Grupo têxtil do empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, entrou em recuperação judicial com dívida de R$ 2 bilhões: documento aponta como o rombo cresceu nos últimos anos

Loja da MMartan, no Shopping Morumbi
01 de Agosto, 2024 | 05:10 AM

Bloomberg Línea — Com uma dívida superior a R$ 2 bilhões, o grupo têxtil Coteminas (CTNM4), do empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, entrou em recuperação judicial (RJ) na Justiça de Minas Gerais, segundo despacho publicado no último dia 25 de julho, visto pela Bloomberg Línea.

O grupo apontou o impacto da pandemia em seu mercado e problemas de gestão após ter captado R$ 180 milhões em debêntures com a gestora americana Farallon Capital como razões para a sua crise.

O grupo industrial, que atua no varejo com as marcas mmartan e Artex nos segmentos de cama, mesa e banho, obteve uma decisão favorável ao acordo fechado com um fundo da gestora Farallon Latin America, um dos principais credores, para evitar a declaração de vencimento antecipado das debêntures.

A marca Santista, que a Coteminas comercializa em produtos de cama, mesa e banho em razão de dois contratos de licenciamento com prazo de cinco anos, não faz parte da recuperação judicial. Ela pertence, na verdade, à Santista Têxtil, sem qualquer relação societária com a Coteminas.

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Com o acordo, a Coteminas se compromete com um plano de venda potencial de uma de suas “joias da coroa”, a mmartan, tradicional marca de cama, mesa e banho e ampla presença em shopping centers.

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O documento elaborado pela defesa da Coteminas relata ainda como a companhia se endividou nos úlltimos anos e os caminhos financeiros percorridos para enfrentar a crise financeira.

O acordo feito com o fundo da Farallon prevê a prorrogação do vencimento das obrigações da Coteminas e a extinção de disputa que envolve a emissão de debêntures conversíveis em ações, segundo o fato relevante publicado no último sábado (27).

O endividamento do grupo mineiro se agravou após sua tentativa fracassada de abrir o capital da subsidiária Ammo Varejo, responsável pelas marcas mmartan e Artex, no segundo semestre de 2021.

Nessa época, depois de uma janela amplamente favorável a novas listagens na bolsa brasileira, o mercado de capitais se tornou menos receptivo diante do início do ciclo de alta dos juros para conter a inflação. Esse cenário de cautela dos investidores levou a suspensões de IPOs (ofertas iniciais de ações).

Sem condições para levantar recursos na B3, a subsidiária da Coteminas teve que buscar outra forma de se financiar.

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“Entre o final do ano 2021 e o início de 2022, os representantes da Ammo – que à época já havia iniciado seu projeto de abertura de capital na CVM e na B3 - foram procurados por uma investidora, a Farallon Latin America Investimentos, interessada em realizar uma espécie de pré-IPO Finance”, disse a empresa na petição da recuperação judicial.

A proposta previa empréstimo de até R$ 300 milhões em contrapartida à emissão de debêntures conversíveis em ações pela Ammo, que seriam subscritas e integralizadas pelo FIP Odernes (fundo de investimento em participações multiestratégia), administrado e controlado pela Farallon. O prazo então previsto para a emissão das debêntures era de cinco anos, prorrogáveis por mais dois anos.

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O Farallon Latin America é uma operação para a região da gestora americana Farallon Capital, que atua com ativos estressados (no Brasil, a Farallon teve como sócio até 2021 o experiente gestor Daniel Goldberg. Em 2022, ele fundou sua própria gestora especializada em distressed assets e special situations, a Lumina Capital, que, por sua vez, se associou no fim de 2023 com a Verde Asset, de Luis Stuhlberger).

“Em razão da necessidade de caixa decorrente da crise que acometia o seu caixa e da dificuldade de obtenção de novas linhas de crédito junto às instituições financeiras – isto é, com pouquíssimas ou nenhuma alternativa –, a Ammo seguiu em frente com a operação trazida à mesa pela Farallon e, em 30 de maio de 2022, realizou a emissão de 300 milhões de debêntures, pelo valor de emissão de R$ 1 cada”, descreveu a empresa no pedido de recuperação judicial.

O FIP Odernes não conseguiu, no entanto, injetar por completo o valor inicialmente projetado: do valor total previsto, 180 milhões das debêntures foram subscritas pela Farallon.

“As 120 milhões de debêntures remanescentes poderiam ser subscritas na ocorrência de determinados indicadores financeiros positivos, em até um ano após a sua emissão, o que não se concretizou e ensejou o cancelamento da subscrição destas últimas”, relatou a defesa da Coteminas.

Gestão de CEO indicado pela Farallon

A operação com a Farallon representava aproximadamente um quarto do valor de mercado da Ammo, segundo o documento. O valor teve como base a precificação realizada por bancos de investimento do plano preparado à época para o IPO que acabou não vingando.

A garantia concedida tinha como base a totalidade das debêntures emitidas (300 milhões de debêntures), e não apenas as 180 milhões de debêntures efetivamente subscritas.

No ano passado, a subsidiária da Coteminas não conseguiu apresentar os resultados financeiros esperados pelos seus sócios, trocou de CEO em abril e viu a crise financeira se agravar, o que levou a Farallon a notificá-la sobre o risco de ser declarado o vencimento antecipado das debêntures.

“Ainda no fim do primeiro trimestre do ano de 2023, descontente com a performance do até então presidente da Ammo e no exercício dos direitos decorrentes do instrumento de emissão de debêntures, os representantes da Farallon solicitaram a sua substituição por um novo presidente de sua confiança, que iniciou sua gestão em abril de 2023”, relatou a defesa da Coteminas.

A substituição do CEO, no entanto, não surtiu efeito.

“Entre os meses de abril e dezembro de 2023 – e, portanto, durante a gestão do novo presidente, que se reportava diretamente à Farallon para debater diretrizes, resultados, orçamentos etc. –, a Ammo teve os piores resultados de sua história, fazendo com que a sua geração de caixa média mensal chegasse ao patamar negativo de aproximadamente R$ 6 milhões”, citou o documento.

No fim de 2023, a Farallon havia notificado a Coteminas e a Ammo sobre o risco de ser declarado o vencimento antecipado das debêntures em razão de alegado descumprimento de cláusula contratual.

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Venda potencial da mmartan

Na decisão que autorizou o processo de recuperação judicial, o juiz Adilon Cláver de Resende, titular da 2ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, escreveu que as partes declararam que o crédito decorrente das debêntures, inicialmente incluído na relação de credores, não está sujeito aos efeitos da RJ.

“Considerando que a integralidade das ações da requerente Ammo Varejo S.A. foi cedida em alienação fiduciária ao FIP Odernes no contexto da emissão das debêntures, uma das formas de pagamento do saldo devedor dos referidos títulos se dará mediante processo competitivo para a venda da marca mmartan, de titularidade da sociedade cujas ações são garantia fiduciária do FIP Odernes”, citou o juiz.

O despacho também menciona a possibilidade de o fundo da Farallon adquirir a marca mmartan.

“Caso o FIP Odernes venha a adquirir a marca mmartan de forma definitiva, mediante o trânsito em julgado da decisão que homologar a referida aquisição, ou que a Ammo constitua e aperfeiçoe a alienação fiduciária em seu favor sobre a mesma, nas condições acordadas entre as partes, a alienação fiduciária de ações da emissora será considerada como imediata e automaticamente liberada”.

A Coteminas e a Farallon não responderam imediatamente ao pedido de comentários enviado pela Bloomberg Línea.

A Coteminas é controlada pela família do presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva, e teve como um dos fundadores o empresário José Alencar (1931-2011), ex-vice-presidente da República nos dois mandatos iniciais de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).

Como diretor de relações com investidores da Springs Global (SGPS3), holding do grupo e proprietária das marcas mmartan, Santista e Artex, Silva assinou o fato relevante sobre a aceitação do pedido de recuperação judicial e do acordo feito entre o FIP Oderne, a Ammo Varejo e outras empresas.

O empresário informou ainda que o pedido de recuperação judicial, protocolado em 6 de maio, tinha sido deferido pela 2ª Vara Especializada Empresarial da Comarca de Belo Horizonte em despacho do dia 25 de julho, após constatação prévia.

Os administradores judiciais da RJ nomeados pelo magistrado são a Inocêncio de Paula Sociedade de Advogados, representado por Dídimo Inocência de Paula, e a Credibilità Administração Judicial e Serviços, representada pelo advogado Alexandre Correa Nasser de Melo.

- Matéria atualizada às 17h35 de 15 de agosto com a correção da informação de que a marca Santista pertence à Coteminas e que está no escopo da recuperação judicial do grupo. Na verdade, pertence à Santista Têxtil, sem relação com a Coteminas - que utiliza a marca em razão de dois contratos de licenciamento para a comercialização de produtos de cama, mesa e banho por cinco anos.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.