Selloff global piora com o receio de que o Fed esperou ‘demais’ para cortar os juros

Mercados de ações estendem as perdas depois que novos dados da economia americana indicam um esfriamento do mercado de trabalho mais intenso do que o esperado

Traders em Wall Street
Por Tania Chen - John Cheng
02 de Agosto, 2024 | 11:24 AM

Bloomberg — A debandada dos investidores das bolsas globais se intensificou em meio a sinais crescentes de desaceleração econômica nos Estados Unidos e a busca pela segurança nos títulos do Tesouro americano e no ouro.

As ações caíram em toda a Ásia e Europa nesta sexta-feira. A bolsa de Tóquio teve seu pior dia desde 2016, enquanto os índices de Nova York e o Ibovespa operavam em queda durante a manhã depois da divulgação do relatório de folhas de pagamento (payroll), que teve um resultado bem abaixo do esperado. Papeis de fabricantes de chips se juntaram às quedas no setor de tecnologia dos EUA.

As novas contratações desaceleraram em julho e a taxa de desemprego subiu para o nível mais alto em quase três anos, sugerindo uma deterioração mais rápida no mercado de trabalho do que se pensava anteriormente.

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Os EUA criaram 114.000 vagas no mês passado, após revisões para baixo nos dois meses anteriores. O número foi inferior a todas as previsões, exceto uma, em uma pesquisa da Bloomberg com economistas e uma das leituras mais fracas desde a pandemia.

A taxa de desemprego subiu pelo quarto mês consecutivo, para 4,3%. Isso reflete um número maior de pessoas que perderam ou deixaram seus empregos.

O relatório de empregos se soma a uma semana de dados decepcionantes que aumentam as preocupações sobre uma desaceleração mais abrupta na economia.

Os números podem dar aos diretores do Fed alguma razão para acreditar que a política monetária está esfriando demais o mercado de trabalho, em vez de revertê-lo para sua tendência saudável pré-pandemia.

O selloff ressalta o quão rápido o mercado abandona as expectativas de que o Federal Reserve será capaz de orquestrar um pouso suave.

O reconhecimento por parte do presidente do Fed, Jerome Powell, do enfraquecimento dos dados deu força às apostas de que o banco central americano precisaria cortar juros três vezes até o final do ano. A corrida para os títulos do Tesouro americano afundou o rendimento da nota de 10 anos abaixo de 4% pela primeira vez desde fevereiro.

“A narrativa está mudando rapidamente”, disse Billy Leung, estrategista de investimentos da Global X Management, em Sydney. “Como os dados da indústria e empregos estão apontando para níveis de recessão, os investidores agora estão questionando se o Fed vai começar a cortar tarde demais.”

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O índice Topix da bolsa de Tóquio despencou 6,1% nesta sexta-feira, enquanto o índice MSCI para a região Ásia-Pacífico caiu cerca de 3,4%. A taxa sobre o Treasury de dois anos, mais sensível à política monetária, recuou mais de 25 pontos-base esta semana, enquanto o ouro se aproxima de mais uma cotação recorde.

Os investidores estão nervosos porque a relutância do Fed em cortar juros até agora pode colocar em risco os esforços para evitar uma desaceleração mais forte da economia.

Os juros futuros nos EUA agora precificam uma redução de juros de 0,88 ponto percentual até o final do ano, sinalizando certeza de que haverá cortes de 0,25 ponto percentual em cada uma das próxima três reuniões do Fed, e mais alguma chance de que um deles seja maior do que isso.

“Nos próximos dias até pode haver uma discussão sobre se o Fed terá que cortar em 50 pontos-base na próxima reunião para compensar a perda de força da economia”, disse Gary Dugan, CEO do Global CIO Office, em entrevista à Bloomberg TV. Uma correção de 10% a 15% em relação ao pico recente do S&P 500 “não seria estranha diante dessa enorme virada de sentimento nos mercados, já que os bancos centrais parecem bem atrás da curva.”

Resultados fracos da Microsoft e da Amazon azedaram o humor dos mercados de ações, em meio a preocupações com a economia chinesa, um enfraquecimento do boom de inteligência artificial e tensões no Oriente Médio.

No Japão, as ações sofreram com as expectativas de mais aperto monetário e um câmbio forte que diminui os lucros com exportações e operações no exterior dos conglomerados multinacionais japoneses, que se beneficiaram com anos de política ultradovish e iene fraco.

‘Regra de Sahm’

O aumento da taxa de desemprego fez subir um famoso indicador usado para prever uma recessão conhecido como “regra de Sahm” — que tem um histórico perfeito nos últimos cinquenta anos.

A regra é baseada na taxa de desemprego e diz que economia está provavelmente entrando em recessão quando a média móvel de três meses da taxa de desemprego aumenta 0,50 ponto percentual ou mais em relação à sua mínima nos 12 meses anteriores.

A mente por trás do indicador, a ex-economista do Fed Claudia Sahm, disse recentemente que os analistas também devem observar o aumento na taxa de participação no mercado de trabalho e até que ponto isso está distorcendo os dados de desemprego.

Ela observou que a participação tem aumentado rapidamente à medida que os americanos retornam à força de trabalho e os imigrantes chegam ao país.

A taxa de participação — a parcela da população que está trabalhando ou procurando trabalho — aumentou para 62,7% em julho. A taxa para trabalhadores de 25 a 54 anos, também conhecidos como trabalhadores em idade produtiva, subiu ainda mais para 84%, ainda a mais alta desde 2001.

-- Com colaboração de Augusta Saraiva e informações da Bloomberg Línea.

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