Selic terá que subir a 12,25% ao ano, avalia Fernanda Guardado, ex-diretora do BC

Ex-diretora de Assuntos Internacionais diz em entrevista à Bloomberg News que será necessário elevar a taxa de juros ao patamar citado até março de 2025 para controlar as expectativas de inflação

Fernanda Guardado
Por Maria Eloisa Capurro
04 de Setembro, 2024 | 04:46 PM

Bloomberg — O Banco Central precisa mudar o rumo da política monetária e aumentar os juros em quase 2 pontos percentuais nos próximos seis meses para esfriar a economia aquecida e controlar as expectativas de inflação, disse a ex-diretora de Assuntos Internacionais da instituição Fernanda Guardado.

Os diretores deveriam começar com um aumento de 0,25 ponto percentual na reunião nos dias 17 e 18 deste mês e poderiam seguir com ajustes de meio ponto nas reuniões de novembro e dezembro, levando a Selic para 12,25% ao ano em março, disse Guardado em entrevista à Bloomberg News.

As perspectivas de gastos públicos pioraram, o mercado de trabalho está “apertado” e o crescimento tem avançado, disse ela.

“Para o Banco Central optar pela manutenção, ele teria que mostrar de uma forma muito enfática de onde está esperando que venha o desaquecimento da economia”, disse Guardado, de 44 anos, que é agora chefe de pesquisa para a América Latina no BNP Paribas.

PUBLICIDADE

“Hoje está bastante difícil entender de onde viria um grande desaquecimento da economia se não for pelo lado da política monetária”, acrescentou ela.

O BC não deu sinalização formal para a reunião de setembro. Recentemente, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, disse que, “se e quando” houver ajuste nos juros, será gradual.

Leia também: Taxa Selic subirá para 11,50% ao ano até o início de 2025, prevê JPMorgan

A previsão da ex-diretora mostra como o cenário da política monetária mudou drasticamente nos últimos meses. O BC cortou juros até maio, antes de interromper o ciclo de flexibilização em junho, com a Selic no atual patamar de 10,50% ao ano.

O PIB do segundo trimestre superou as expectativas e se expandiu 1,4% em relação aos primeiros três meses do ano, com crescimento da indústria, dos gastos das famílias e dos serviços. Em contraste, outros países da região, como México, Chile e Colômbia, registraram crescimentos mais baixos ou contração.

“Nesse momento, é menos relevante ser o outlier do que realmente entregar um ajuste que possa permitir que a nossa inflação convirja.”

Ao mesmo tempo, o IPCA-15 de agosto desacelerou pouco, para 4,35% na comparação anual. Economistas pesquisados pelo BC veem a inflação acima da meta de 3% até 2027.

PUBLICIDADE

Um ajuste fino das taxas de juros é necessário e “pode ser suficiente para o BC atingir a meta no horizonte relevante de 18 meses”, disse Guardado, doutora em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. “O BC tem que estar confortável tanto em projetar o 3,2% quanto 2,8%.”

Enquanto estava no BC, Guardado discordou quando a autoridade monetária iniciou um ciclo de flexibilização. Ela apoiou um corte inicial menor, consolidando assim sua reputação de integrante mais hawkish.

“Com o benefício do tempo ocorrido, talvez tivesse sido mais prudente de fato começar o ciclo de cortes de uma forma mais cautelosa”, disse ela. “O corte de juros talvez tenha ido um pouco além do que a economia mostrou que precisava.”

Ela vê a inflação terminando este ano próximo a 4%, embora essas estimativas estejam sob revisão. Da mesma forma, embora ela espere atualmente que a economia cresça 2,4% em 2024, essa projeção provavelmente aumentará.

Em maio, uma votação dividida do Copom despertou preocupações dos investidores de que a instituição poderia ser mais tolerante com a inflação.

Naquela altura, quatro membros do comitê indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva eram favoráveis a um corte de meio ponto, mesmo quando as estimativas dos gastos públicos e de inflação subiam, enquanto a maioria liderada por Campos Neto decidiu por uma redução de 0,25 ponto.

Desde então, os membros do Copom votaram em unanimidade e, em discursos públicos, reforçaram que há “coesão” nas opiniões econômicas.

“Acho importante que seja unânime a decisão e a sinalização”, disse Guardado. No entanto, ela argumentou que as dissidências não deveriam ser interpretadas como políticas, uma vez que os membros do conselho deveriam ser livres para discordar. “É importante que a comunicação agora seja mais simples, seja mais direta.”

Indicação de Galípolo

Na semana passada, Lula nomeou o diretor de política monetária do BC, Gabriel Galípolo, para substituir Campos Neto, cujo mandato terminará em dezembro. O Senado ainda precisa aprovar a nomeação de Galípolo.

Galípolo “é uma pessoa bastante calma, bastante serena, isso é uma característica importante para quem vai ser presidente do Banco Central”, disse Guardado. “As declarações recentes dele deixam claro que ele tem essa determinação em fazer o necessário para que a inflação no Brasil possa convergir para a meta.”

Nomeada em 2021, Guardado foi uma das poucas mulheres que integraram o Copom. Durante suas aparições públicas, ela se destacou usando um batom vermelho escuro, um símbolo da crescente minoria de mulheres no mundo da política monetária.

Ainda há “muitas barreiras, barreiras às vezes não visíveis, as barreiras invisíveis que as mulheres precisam atravessar para poder crescer na carreira”, explicou.

“E uma maneira de fazer isso foi com o meu batom. Usar um batom vermelho e não simplesmente sumir na paisagem. Eu sou uma mulher, eu estou aqui.”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Se e quando houver aumento de juros, ele será gradual, diz Campos Neto

PIB do Brasil cresce 1,4% no segundo trimestre, acima do esperado pelo mercado

Gabriel Galípolo é indicado por Lula para a presidência do Banco Central