Por que ‘boas notícias’ na economia se tornaram ‘más’ em Wall Street

Com cenário de recessão nos EUA cada vez menos provável, investidores temem que a força da atividade econômica possa levar o Fed a novos aumentos dos juros

Trader na Bolsa de Nova York: atenção redobrada com os dados de atividade econômica e emprego (Foto: Michael Nagle/Bloomberg)
Por Denitsa Tsekova e Anchalee Worrachate
11 de Setembro, 2023 | 03:43 PM

Bloomberg — À medida que as probabilidades de uma recessão colapsam em Wall Street, os mercados voltam a ficar vulneráveis a qualquer sinal de que a economia dos Estados Unidos está aquecida demais.

Desde títulos high yield até as ações, as probabilidades de uma recessão econômica precificada nos ativos caíram para o menor nível desde abril de 2022, de acordo com JPMorgan Chase (JPM). É uma grande reversão em relação ao pessimismo do ano passado, quando uma recessão era vista como um fato consumado.

PUBLICIDADE

Isso significa que os mercados estão cada vez mais à mercê de dados econômicos que sinalizem outra rodada de inflação desenfreada, o que representa problemas para estratégias sensíveis às taxas de juros. Para muitos investidores, dados econômicos positivos — e seu potencial para estimular mais aperto na política monetária — são o vento contrário com o qual estão lutando.

“Eu me preocupo de que os atuais dados econômicos positivos provavelmente manterão as pressões inflacionárias borbulhando sob a superfície”, disse Marija Veitmane, estrategista sênior de múltiplos ativos na State Street Global Markets. “Isso impediria o Fed e outros bancos centrais de reduzirem as taxas de juros, o que eventualmente prejudicaria a economia.”

Gráfico

Dados sólidos sobre pedidos de auxílio-desemprego na última quinta-feira (7) e a atividade do setor de serviços superando todas as previsões na quarta (6), por exemplo, reforçaram o argumento para que o Federal Reserve mantenha as taxas elevadas, alimentando uma queda nas ações.

PUBLICIDADE

Mesmo investidores em títulos do governo — um dos poucos mercados em que as apostas em recessão estavam fora de controle — estão menos pessimistas atualmente, graças a uma sequência de dados mais fortes do que o esperado.

A temida inversão da curva de rendimento do Tesouro, um sinal econômico tradicional de alerta, está finalmente se suavizando. E, nos últimos dois meses, traders têm reduzido suas apostas sobre o quanto o Fed será forçado a cortar as taxas de juros no próximo ano para combater uma recessão.

Uma maneira de pensar sobre o quão sensível o mercado está a novos dados econômicos: a relação entre o S&P 500 e o índice de surpresa amplamente seguido da Citigroup (C) para a economia dos EUA.

PUBLICIDADE

Essa correlação de 40 dias caiu para o patamar mais negativo registrado, o que significa que quando os números macroeconômicos, como os de emprego e manufatura, superam as expectativas dos economistas, as ações caem. Da mesma forma, uma surpresa negativa desencadeia um rali.

A relação entre os títulos do Tesouro e os dados também se tornou mais negativa, com a força econômica sugerindo preços mais baixos para os títulos.

“Estamos na parte do ciclo em que ‘notícias ruins são boas notícias’, e isso porque o mercado está bastante preocupado com [a hipótese de] o Fed elevando as taxas de juros novamente”, escreveu Yung-Yu Ma, estrategista-chefe de investimentos do BMO Wealth, em uma nota.

PUBLICIDADE

Uma súbita onda de más notícias econômicas claramente tem o potencial de causar volatilidade global. Mas, por enquanto, boas notícias podem representar um risco maior, trazendo consigo a inflação e taxas de juros mais altas que prejudicariam os lucros corporativos, reduziriam os investimentos empresariais e ameaçariam os consumidores com altas cargas de dívida.

O que dizem os estrategistas da Bloomberg

“E, assim, ficamos em uma espécie de purgatório econômico e de mercado, com a curva dizendo que tudo está indo para o inferno, mas os ativos de risco ainda mantêm a esperança de um soft landing [pouso suave] semelhante ao nirvana.”

— Cameron Crise, estrategista macro

Por sua vez, os formuladores de política monetária do Fed estão fazendo o melhor que podem para reprimir as apostas em uma mudança para uma política mais relaxada - e assim manter os mercados atentos à possibilidade de aumentos nas taxas de juros.

Os traders já reduziram o grau de flexibilização do Fed que veem no próximo ano para cerca de 100 pontos-base, abaixo de bem mais de 150 pontos-base no início de 2023. Espera-se amplamente que o Fed mantenha as taxas na faixa de 5,25% a 5,5% em sua próxima reunião na próxima semana, em 20 de setembro.

Com a economia dos EUA crescendo a uma taxa de 2%, até mesmo as autoridades do Fed excluíram uma recessão de suas previsões para este ano. Um rastreador não oficial amplamente seguido do Fed de Atlanta projeta que a economia dos EUA crescerá 5,6% em uma base anualizada no terceiro trimestre.

“Acredito que os mercados serão céticos em relação a recessões até verem a luz no fim do túnel”, disse James Rossiter, chefe de estratégia macro global da TD Securities. Ele agora espera uma contração econômica nos EUA no início do próximo ano, após ter errado a previsão neste ano.

“Muitas vezes nos últimos anos, pessoas como eu anunciaram previsões de recessão em vão, apenas para ver o mundo se sair melhor do que o esperado.”

Assim como ele, investidores em várias classes de ativos estão repensando as apostas em uma recessão. Mercados de ações, crédito e taxas de juros juntos atribuem uma probabilidade de 16% a uma recessão nos EUA nos próximos seis a 12 meses, abaixo dos mais de 50% em outubro de 2022, conforme revela um modelo de negociação do JPMorgan (JPM).

O S&P 500 atribui apenas 22% de chances de recessão, contra 98% em outubro passado, enquanto o mercado de títulos junk indica uma chance de 9%. O banco calcula as métricas comparando os picos pré-recessão de várias classes e seus pontos mais baixos durante a contração econômica.

Gráfico

Alguns investidores se preocupam que a reversão tenha ido longe demais, com uma economia aquecida elevando as pressões sobre os preços ao consumidor a níveis muito altos para o conforto do Fed. O cenário de soft landing, em que os aumentos das taxas desaceleram a inflação e a economia sem derrubá-la, escapou aos formuladores de política monetária na maior parte do último meio século.

“É mais provável que o ponto de equilíbrio seja uma estação intermediária no caminho para um cenário de crescimento melhor ou pior”, disse Dan Suzuki, vice-chefe de investimentos da Richard Bernstein Advisors. “Em um ambiente de crescimento mais forte, uma maior pressão inflacionária deveria ser uma constante, e o mercado terá que lidar com mais aumentos nas taxas de juros.”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Nos EUA, a recessão sai de cena com expectativas de PIB forte

Yellen vê menos risco de recessão nos EUA e diz ser necessário esfriar o consumo