Por que 2024 não foi um ano favorável para as moedas latino-americanas

As principais economias da região enfrentaram desafios no ano que se refletiram no desempenho de suas moedas na reta final de 2024

Ano foi desafiador para as moedas da região em meio a um panorama de incerteza sobre a flexibilização monetária em nível global
20 de Dezembro, 2024 | 03:16 PM

Bloomberg Línea — Depois de um 2023 em que moedas como o peso mexicano e o peso colombiano se posicionaram entre as mais valorizadas frente ao dólar entre os mercados emergentes, o ano que termina não foi positivo para a principal cesta de moedas da região. Fatores como a constante incerteza sobre o futuro das taxas de juros acabaram influenciando em sua desvalorização em 2024.

O ano de 2024 foi desafiador para as moedas da América Latina em meio a um panorama de incerteza sobre a flexibilização monetária em nível global, disse à Bloomberg Línea a chefe de Estratégia do Itaú na Colômbia, Valeria Álvarez.

PUBLICIDADE

Leia mais: Como a escalada do câmbio e dos juros expõe empresas com dívida em dólar

“O dólar global acumula no decorrer do ano (até 18 de dezembro) uma valorização de 5,80%, que se acentuou principalmente na última parte de 2024, em meio a números do mercado de trabalho nos EUA que ainda mostram um cenário saudável, o que faz com que o Federal Reserve não tenha ainda argumentos suficientes para continuar com o processo de corte de taxas de maneira acelerada”, disse a analista do Itaú.

A economista principal do Scotiabank Colpatria, Jackeline Piraján, acredita que em 2024 “o comportamento das moedas foi determinado principalmente pelas expectativas sobre a política monetária e pelas diferenças entre os ciclos de cortes de taxas de juros em distintos países”.

PUBLICIDADE

Força do dólar e pressão inflacionária

A propósito desse cenário, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) explica em um relatório recente que “o dinamismo da economia dos Estados Unidos, que permitiu evitar uma fase recessiva e aumentar o crescimento, aliado ao aumento das taxas de juros de longo prazo, bem como às crescentes tensões geopolíticas no Oriente Médio e à guerra na Ucrânia, impulsionou para cima a cotação internacional do dólar”.

Leia mais: Por que os Brics não são uma ameaça ao dólar no comércio internacional

O secretário-executivo da Cepal, José Manuel Salazar-Xirinachs, disse durante a apresentação do Balance Preliminar de las Economías de América Latina y el Caribe 2024 em Santiago do Chile que a força do dólar pode gerar pressões inflacionárias para a região e, portanto, dificulta a flexibilização da política monetária.

PUBLICIDADE

Além disso, segundo o documento, “enquanto persistem os riscos vinculados ao fortalecimento do dólar, a região poderia continuar enfrentando custos elevados de financiamento”.

As principais moedas da América Latina experimentaram duas fases ao longo do ano que marcaram seu desempenho para o fim de 2024.

No início do ano, as moedas de países com taxas de juros elevadas e com bancos centrais com maior margem para reduzi-las se fortaleceram graças às operações de carry trade.

PUBLICIDADE

Nesta fase do ano, o mercado buscava financiamento em moedas de países com taxas baixas para investir em economias com taxas altas, com o objetivo de aproveitar o que era percebido como os últimos ganhos antes da fase mais intensa de cortes.

Já a segunda fase do ano foi marcada por mensagens dos bancos centrais promovendo cortes cautelosos e sinalizando que as taxas se estabilizariam em níveis elevados, revertendo essa estratégia de investimento.

“Em nível global, especialmente nos Estados Unidos, conseguiu-se aproximar a inflação da meta sem um impacto significativo no crescimento econômico, o que diminuiu a relevância das operações baseadas em diferenciais de taxas. Em vez disso, o dólar americano começou a se fortalecer globalmente”, explicou a economista principal do Scotiabank Colpatria.

Efeito Trump e Fed

Além disso, segundo Valeria Álvarez, somou-se a vitória do líder republicano Donald Trump nas eleições nos EUA, que, em sua opinião, também trouxe incertezas aos mercados, principalmente por conta das políticas protecionistas e de maior gasto esperadas a partir de 2025, o que gerou temores sobre os efeitos disso na inflação.

Em novembro, a taxa de inflação nos EUA voltou a subir pelo segundo mês consecutivo, situando-se em 2,7%. Apesar disso, o Federal Reserve (Fed) cortou as taxas de juros nos Estados Unidos em um quarto de ponto na quarta-feira, 18 de dezembro, para um intervalo de 4,25% a 4,5% ao ano.

Leia mais: Fundos ganham com avanço do dólar e das taxas de juros para superar o CDI

“O Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, em inglês) busca alcançar o máximo emprego e uma inflação a uma taxa de 2% no longo prazo. O Comitê considera que os riscos para alcançar seus objetivos de emprego e inflação estão aproximadamente equilibrados. As perspectivas econômicas são incertas”, disse o Fed em comunicado.

Em um ambiente de altas taxas de juros, a política fiscal também ganhou relevância nas discussões dos mercados e, portanto, as moedas da região sentiram essa influência durante boa parte do ano.

Segundo Piraján, “essas taxas exigem maior disciplina fiscal por parte dos países, e essa percepção de disciplina nas finanças públicas parece estar influenciando cada vez mais o comportamento do dólar”.

Leia mais: Ata do Copom: dólar alto e demanda resiliente pressionam ainda mais a inflação

Tendências para 2025

Os analistas também identificaram uma importante influência de fatores idiossincráticos, que em 2025 continuariam ditando uma tendência para as moedas regionais.

Piraján disse que, no México, “as eleições dominadas pelo partido Morena e a reforma judicial afetaram a percepção sobre o país, levando a moeda a uma desvalorização de 15,76% no ano”, a terceira mais acentuada da região (sem considerar o bolívar venezuelano).

Leia também: Trump exige compromisso dos Brics com o dólar e ameaça impor tarifas de 100%

No Brasil, a perda de expectativas sobre um ajuste nas finanças públicas levou a moeda a níveis históricos de fraqueza.

O Itaú destacou que o Brasil apresenta um cenário desafiador em termos fiscais e “um governo que propõe uma reforma que decepciona o mercado, além de uma inflação que não consegue sair de 4%, voltando a se situar em 4,87% no final de novembro”.

Este contexto deixou o Banco Central muito mais conservador, com uma expectativa de 200 pontos-base adicionais em aumentos de taxas, mas que parecem não ser suficientes para conter a volatilidade da moeda”, considerou Álvarez.

Na Colômbia, embora grande parte da desvalorização do peso tenha sido impulsionada pela tendência global, “uma parcela da volatilidade pode ser atribuída a mensagens erráticas relacionadas ao risco fiscal”, disse Piraján.

Leia mais: Quem aposta na alta contínua do dólar pode ser pego de surpresa, diz Allianz

Somado a isso, há um mercado com incertezas sobre uma possível redução da classificação de crédito pela S&P500, o que poderia levar a vendas de títulos do governo (TES), aumentando a volatilidade do peso colombiano.

Referenciais mais altos

Para 2025, o Scotiabank Colpatria projeta que a movimentação das taxas de câmbio será marcada pela sustentabilidade fiscal como um fator-chave nas decisões de investimento. Além disso, os preços das commodities poderiam reforçar essa tendência.

No caso dos países com alta dependência de matérias-primas, especialmente o petróleo, uma queda nos preços poderia sustentar a permanência de um dólar forte.

Leia mais: Com dólar alto, Azul se prepara para cenário persistente de custos mais elevados

“Os níveis atuais da taxa de câmbio poderiam se tornar novos pontos de referência, pois refletem fatores como o cenário da Presidência de Donald Trump e a expectativa de que o Federal Reserve interrompa os cortes de taxas em torno de 3%”, disse Piraján.

Para o Itaú, em 2025 a principal questão para o mercado será a capacidade do Fed de reduzir as taxas de juros. “O mercado prevê três cortes para o próximo ano, mas se isso não se concretizar, a força do dólar permaneceria presente, limitando a valorização das moedas da região.”

Ainda assim, “consideramos que um cenário de ruídos inflacionários pode ser natural após um processo de desaceleração importante desde os 9% em 2022 nos EUA. Embora alcançar o nível-alvo de 2% seja difícil, não consideramos que níveis de 3% deveriam gerar uma mudança na tendência da política monetária”, concluiu Álvarez.

Segundo recentes projeções do Citi Research, se ocorrer um cenário em que Trump implemente suas propostas mais radicais, algumas delas consideradas inflacionárias, isso poderia gerar volatilidade nos mercados emergentes e reduzir a margem do Fed para cortar as taxas de juros, o que poderia levar ao fortalecimento do dólar.

No Brasil, o preço do dólar ficaria em R$6 em 2024 e chegaria a R$5,65 em 2025, de acordo com as projeções do Citi.

De acordo com o Citi, o câmbio na Argentina fechará em ARS$ 1.030 neste ano e chegará a ARS$ 1.411 em 2025.

Leia também

Bancos globais veem impacto de receitas com câmbio e juros em ano de surpresas

Oscilação do real e de moedas emergentes leva Pimco a questionar câmbio flutuante

Daniel Salazar Castellanos

Profesional en comunicaciones y periodista con énfasis en economía y finanzas. Becario de EFE en el programa de periodismo de economía de la Universidad Externado, Banco Santander y Universia. Exeditor de Negocios en Revista Dinero y en la Mesa América de la agencia española de noticias EFE.