Bloomberg — Os rendimentos dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos de referência passaram de um patamar de menos de 1%, em 2020 para mais de 4% atualmente, refletindo os custos elevados de financiamento para todos, desde mutuários de hipotecas até novos empreendedores.
A Bloomberg News pediu a economistas e investidores renomados que refletissem sobre as consequências do aperto nas condições financeiras. Suas respostas foram editadas para fins de clareza e extensão.
Como as taxas de juros mais altas estão mudando o mundo?
Carmen Reinhart (ex-economista-chefe do Banco Mundial e professora na Harvard Kennedy School)
“Passamos de uma fase de anos de taxas de juros reais negativas [considerando a inflação], que beneficiavam mutuários em detrimento de poupadores, para o oposto. Os poupadores obtêm uma taxa de retorno positiva, o que foi a norma histórica. Taxas de juros reais negativas são uma raridade, não uma característica regular da história.
Qualquer pessoa que assumir uma nova dívida achará mais custoso. Importante destacar que isso inclui o governo. Os encargos com o pagamento da dívida em muitos mercados emergentes e em desenvolvimento já haviam começado a subir mesmo antes do aumento das taxas de juros.
O grande medo era uma repetição da crise da dívida dos anos 1980, que impactou significativamente países de renda média, como México e Brasil. No entanto isso não é uma repetição dos anos 1980, pelo menos ainda não. Há até agora uma grande divisão entre a resiliência dos países de renda média e os países de baixa renda.”
Janet Henry (economista-chefe global do HSBC)
“A grande maioria das pessoas trabalha para empresas menores. Quanto mais a política de juros se torna restritiva e mais as pequenas empresas sentem o impacto, isso afetará seus investimentos e contratações e se refletirá no mercado de trabalho. Isso não significa que veremos um salto massivo no desemprego. Ficaríamos extremamente surpresos se voltássemos a um mundo de taxas zero ou baixas, mas também não acho que isso seja igual na década de 1970.
Essa nova normalidade é uma em que o crescimento é um pouco mais baixo do que tínhamos antes da pandemia - a inflação é um pouco mais alta. Não acredito que seja um mundo como antes, quando os bancos centrais lutavam para elevar a inflação para 2%.”
Earl Davis (chefe de renda fixa e mercados monetários da gestora BMO)
“O próprio rendimento ou taxa de juros é irrelevante. O que é relevante é o ajuste a esse rendimento. Esse ajuste é sempre caracterizado por algum tipo de dor, quer você esteja subindo ou descendo os juros. Quando você está subindo, está tentando reduzir o crescimento aumentando o custo de capital para as empresas. O que você quer evitar é um ciclo vicioso. Estamos à beira disso, quanto mais você mantém os déficits nesse nível com essas taxas.”
Craig Bergstrom (managing partner e diretor de investimentos da Corbin Capital Partners)
“Comparado ao ano passado, parece que a volatilidade, ou a percepção da volatilidade das taxas, geralmente diminuiu um pouco. As pessoas não estão mais dizendo: ‘Acho que as taxas vão para 2%’ ou ‘acho que as taxas vão continuar subindo para 8%’. Agora é mais como: ‘Este é o mundo em que vivemos, e se esse ambiente faz sentido para transacionar, então vamos em frente.’ Onde não vimos isso é no setor imobiliário comercial. Compradores e vendedores estão simplesmente muito distantes.”
Brad Setser (ex-economista do Departamento do Tesouro dos EUA)
“Com uma taxa de 8% para hipotecas, muitos novos compradores de casas nos Estados Unidos são efetivamente excluídos do mercado. O mesmo é verdadeiro para os mercados emergentes. Os países emergentes mais fortes ainda podem fazer empréstimos, mas os mais fracos não podem acessar o financiamento externo. É assim que os aumentos nas taxas funcionam - excluem os mutuários marginais. O dólar dos EUA é uma moeda global, então os aumentos nas taxas excluem mutuários dos EUA, assim como os globais.
A China tem mais margem para manter sua moeda fixa do que a maioria, graças aos seus controles de capital, e manteve as taxas de juros abaixo das taxas dos EUA. Ainda assim, com taxas mais altas nos EUA, a gestão da moeda da China está sob pressão, e os bancos estatais intervieram para limitar a volatilidade. Se a China quiser manter o yuan basicamente estável em 7,3 [por dólar], o banco central pode achar difícil baixar ainda mais as taxas. A China, no entanto, tem muitos ativos em dólares, e sua carteira pode se beneficiar de retornos mais altos em seus títulos dos EUA.”
Joe Davis (economista-chefe global da Vanguard)
“Muitas pessoas continuam voltando ao fato de que o Federal Reserve elevou as taxas em 5 pontos percentuais. Sim, é verdade. Mas eles estão partindo de um ponto de política que não víamos desde a Segunda Guerra Mundial - eles estão se recuperando de um buraco muito grande. Acreditamos que o aumento nas taxas de juros reais vai estar conosco por um tempo.
Acho que é o desenvolvimento de mercado financeiro mais positivo dos últimos 15 anos. Isso não significa que não haverá turbulência. Mas se você é um investidor com um horizonte de tempo de três anos ou mais, está torcendo por isso por causa do efeito composto [das taxas mais altas que você ganhará].”
Ellen Zentner (economista-chefe dos EUA do Morgan Stanley)
“As taxas de juros mais altas estão tendo o efeito desejado sobre as famílias, restringindo o crédito, embora o impacto seja desigual. Embora os gastos do consumidor em geral tenham sido fortes e aparentemente impermeáveis a taxas de juros mais altas, as falhas no crédito começaram a aparecer. As taxas de inadimplência entre os mais jovens e de menor renda dispararam para cartões de crédito e empréstimos automotivos.
Esses grupos são mais sensíveis aos aumentos nas taxas de juros, pois são mais propensos a girar saldos em cartões de crédito, que estão sujeitos a uma taxa de juros de 25% ou mais, enquanto as economias excessivas foram esgotadas para esses domicílios e o crescimento da renda do trabalho diminuiu.
Uma comparação histórica entre a taxa de juros de hoje e os ciclos econômicos anteriores não é tão informativa quanto se poderia pensar: o nível apropriado para as taxas de juros depende fortemente da situação econômica atual, incluindo o grau de aperto no mercado de trabalho, pressões inflacionárias e crescimento no PIB. O crescimento forte de hoje, a baixa taxa de desemprego e a alta inflação demandam uma taxa de juros mais alta, mas a questão é o quão alta e por quanto tempo.”
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