Bloomberg Línea — Eram meados de 2020 quando alguns especialistas decretaram a morte do escritório, ao menos da forma como ficou consagrado. No Brasil, empresas de tecnologia, principalmente, mas também do setor financeiro, adotaram modelos remotos com planos de médio e longo prazo. Um dos casos emblemáticos foi o da XP, que devolveu a maioria dos andares ocupados na São Paulo Corporate Towers e anunciou um projeto de centenas de milhões de reais para erguer uma Villa XP no interior de São Paulo
Naquele momento de muita incerteza, havia apenas algumas vozes dissonantes.
Uma delas foi a da CBRE, empresa americana que é líder global de gestão, serviços e locação de imóveis comerciais. O grupo declarava à época que era precipitado apontar que a região da Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, entraria em uma espiral de devoluções, argumentando em cima de dados que mostravam taxas de vacância em níveis historicamente baixos e a perspectiva de entrega de novos empreendimentos “triple A” - o padrão mais alto - dentro ou até abaixo da média histórica.
Três anos e meio mais tarde, a CBRE aponta que o mercado de imóveis comerciais na cidade de São Paulo, o maior do país, não apenas voltou a ficar aquecido como já experimenta uma nova fase caracterizada pelo avanço consistente a outras “fronteiras” que vão além da Faria Lima (a propósito, a XP voltou a fazer a locação de andares na São Paulo Corporate Towers e deixou de lado a Villa XP).
Outras capitais, como Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Curitiba, enfrentam evolução semelhante, de acordo com os dados mais recentes da CBRE (veja mais abaixo).
“Há uma volta ampla aos escritórios. Monitoramos 380 dos maiores empreendimentos comerciais de São Paulo e, em 81% deles, a presença de funcionários foi igual ou superior a 70% nos dias da semana entre os meses de outubro e dezembro do ano passado”, disse Felipe Robert Giuliano, diretor de Locação, Brokerage, Saúde e Pesquisa da CBRE no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.
Ou seja, uma presença que seria equivalente a três dias e meio por semana de modo presencial.
Esse cenário mais aquecido já se refletiu nos números recém-calculados do quarto trimestre, classificados como “muito fortes” e que ajudaram o mercado a fechar o ano de 2023 com uma absorção líquida (ocupações menos devoluções) que foi quase o dobro do volume do ano anterior.
A taxa de vacância caiu meio ponto percentual no quarto trimestre, mesmo com uma entrega de novos escritórios (novo estoque) que foi equivalente a quase três vezes o volume de 2022, segundo a CBRE. Em escritórios “triple A”, a taxa caiu para 19,9%, ligeiramente abaixo, portanto, do patamar de 20% de referência.
Essa tendência deve continuar neste começo de ano, segundo o executivo: com queda de juros e inflação sob controle, há um quadro de maior disponibilidade de capital em empresas para investir em crescimento, e isso se traduz em decisões de locação e ampliação da área ocupada, afirmou.
O movimento deve contar com a participação de grandes empresas, diante do que apontou como ciclo natural do mercado de escritórios. “Quando vem a crise, essas companhias são as que aguardam mais tempo antes da devolução. Na retomada, são também as últimas. E começamos a perceber esse interesse voltando no quarto trimestre”, disse o diretor da CBRE.
O executivo disse que não se trata de dados só da CBRE e apontou para o aumento de congestionamentos às segundas e às sextas, segundo medições da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) da capital paulista, e de exigência de jornada presencial por empresas de recrutamento de executivos.
Segundo o diretor da CBRE, o aumento da frequência em escritórios vai levar a uma consequência inexorável: “as empresas vão buscar novas áreas para locação”.
“Muitas empresas passaram a nos procurar em busca de novos espaços porque a rotatividade de funcionários ao longo da semana está cada vez menor”, disse Giuliano. Segundo ele, a locação de novas áreas depende da disponibilidade, o que, em regiões mais demandadas como a Faria Lima, é mais raro.
“Em casos assim, há duas opções: ou realoca a empresa ou divide os funcionários em prédios diferentes. Temos clientes na região da Faria Lima em que não há espaço para crescer no prédio em que estão. O que ela decidiu fazer? Está dividindo a operação em dois outros escritórios”, relatou o executivo. Isso acontece em regiões com menos oferta, como é o caso também dos Jardins, em São Paulo.
Novas áreas para escritórios
Outra consequência, segundo o diretor da CBRE, é a migração para novas áreas de escritórios em que ainda há oferta de qualidade. É o caso da região da marginal Pinheiros que abrange a extensão da avenida Chucri Zaidan, para além do Shopping Morumbi, e também a Berrini.
“Essa região teve o segundo melhor ano em absorção bruta de sua história”, disse Giuliano. Foi um movimento que se deu em razão - em cerca de 80% do total dos casos - de preços, em uma dinâmica conhecida como “flight-to-value” (busca de qualidade com valores atrativos).
Mas é um cenário que não deve perdurar por muito tempo, segundo ele, dado que a queda da vacância vai levar à negociação de preços mais altos.
Houve também mudanças motivadas pela busca de escritórios “triple A”, dado que a região ainda oferecia (e oferece) tais imóveis, muitos dos quais recém-entregues.
Nos três últimos meses do ano, quase a metade (45%) da absorção bruta da cidade - ou seja, no volume total - em locações acima de 1.000 metros quadrados se deu nessa região.
A necessidade de novas áreas se dá também em razão de mudanças na arquitetura dos escritórios, segundo ele, citando números médios de densidade nos escritórios brasileiros. Antes da pandemia, se situavam muito abaixo do registrado em outros mercados.
“Havia uma posição a cada 7 metros quadrados, a metade dos EUA e menos da metade da Europa e da Ásia, em que se chegava a 16 metros quadrados”, disse. Com a pandemia, escritórios brasileiros, afirmou, passaram a se aproximar de padrões do exterior.
A estimativa é que o mercado de escritórios tenha crescimento em novo estoque acima da média histórica de 200 mil metros quadrados nos últimos dez anos, mas de forma pulverizada, com entregas entre 5.000 e 10.000 metros quadrados, além de oferta limitada de edifícios AAA.
Outra tendência que ganhou força nos últimos anos foi o retrofit, ou seja, a modernização de prédios comerciais mais antigos, algo que acontece na região da avenida Paulista, por exemplo. “Prédios desatualizados ficam vagos, essa foi uma das lições da pandemia”, disse o executivo.
Por outro lado, a reforma amplia as chances de locação, a exemplo do que aconteceu com um edifício comercial na alameda Santos, nos Jardins, reformado pela São Carlos (SCAR3) e negociado posteriormente com um fundo da Kinea Investimentos em setembro do ano passado, junto com três torres em outras localidades.
No Rio de Janeiro, o centro da cidade liderou a absorção bruta no quarto trimestre, à frente dos bairros de Botafogo e da Barra da Tijuca. A taxa de vacância caiu no ano passado em relação a 2022, em um cenário em que faz cinco anos em que não há novas entregas e em que as devoluções estão em queda. “O mercado de escritórios no Rio está aquecendo e neste ano tende a melhorar bastante”, disse o diretor da CBRE.
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