JPMorgan: momento da China não deve ofuscar otimismo com bolsa brasileira

Em entrevista à Bloomberg Línea, Pedro Martins, estrategista-chefe para Mercados Emergentes do banco, disse que ciclo de corte dos juros deve ser o motor para ações

Pedro Martins, estrategista-chefe para mercados emergentes, aponta movimento de realocação da bolsa americana para outros ativos, que depende do ritmo desaceleração da economia americana (Foto: Bloomberg)
11 de Setembro, 2023 | 04:45 AM

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Bloomberg Línea — A recuperação econômica da China tem desapontado nos últimos meses, mas não deve contaminar o interesse de investidores de emergentes pelo mercado de ações brasileiro. É o que avalia Pedro Martins, estrategista-chefe para Mercados Emergentes e Head de Equity Research para LatAm no J.P. Morgan.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Martins defendeu a visão de que a flexibilização monetária e a melhora do cenário fiscal no ambiente doméstico tendem a substituir ventos contrários advindos da potência asiática, de menor crescimento e redução da demanda por commodities.

O Ibovespa (IBOV), principal índice de ações da bolsa brasileira, tem em sua composição um peso maior de ações de empresas expostas ao setor de commodities. A mineradora Vale (VALE3), por exemplo, responde sozinha por cerca de 15% do índice. A Petrobras (PETR3, PETR4), por outros 12,7%.

“Há uma amplitude enorme de formas para expressar essa opinião otimista com a queda de juros no Brasil sem que necessariamente você toque na China”, afirmou.

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Na avaliação de Martins, o principal motor para o desempenho da bolsa brasileira é o ciclo de flexibilização monetária. Ele chama a atenção para a preferência por setores com correlação negativa à queda de juros. É o caso, por exemplo, de empresas de concessão (energia elétrica, rodoviária, ferroviária), de aluguel (shopping centers, carros), bem como as mais cíclicas, caso de construção civil e bens de capital.

O contexto também favorece, segundo ele, os chamados “encadeadores de crescimento”, ou seja, empresas que devem apresentar um aumento de lucro muito forte, caso das de consumo doméstico em setores como saúde, educação e papéis financeiros ligados ao mercado de capitais.

O banco americano projeta o Ibovespa (IBOV) negociado aos 135.000 pontos ao fim do ano em dezembro, o que implicaria potencial de alta - upside - de 16,4% em relação ao fechamento de quarta-feira (6). Para a Selic, a projeção é de taxa terminal de 10% ao ano - está em 13,25%.

“Para que esse preço-alvo se estenda, nós gostaríamos de ver, além do cíclico, que as expectativas de crescimento econômico melhorem e que o governo consiga trabalhar no equilíbrio de dinâmica fiscal benigno, com relação dívida/PIB se estabilizando”, disse.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista, editada para fins de maior clareza:

A China costuma ocupar uma fatia grande nos portfólios de emergentes. Como a desaceleração de sua economia somada à crise imobiliária pode prejudicar os demais emergentes?

A China, de fato, tem sido um fator de desapontamento ao longo deste ano. Uma das questões está relacionada ao prêmio de risco, que é aquele mais difícil de calcular. E essa incapacidade do investidor de calcular tal prêmio deve-se tanto à questão geopolítica [de disputa com os EUA] quanto às políticas chinesas – da prosperidade comum e o quanto isso ajuda ou atrapalha a percepção de risco no mercado acionário.

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Esses dois fatores têm criado uma espécie de aversão do investidor estrangeiro à China. Quando o país está indo muito bem, o mercado normalmente tem uma alocação neutra no país, que é um grande pedaço de emergentes e oscila em torno de 35% do índice – 50% quando considerado Taiwan. Quando o investidor tem preocupações, como é o caso de agora, ele tende a ter uma alocação underweight [abaixo da média do mercado].

O outro eixo da discussão de China é o do ciclo de crescimento econômico e, neste caso, começamos o ano muito bem. De janeiro a março, tivemos um crescimento econômico que surpreendeu para cima em meio à reabertura pós-covid. A partir do segundo trimestre, contudo, tudo isso acabou decepcionando.

Isso tem feito com que as expectativas para o crescimento do PIB na China, que já chegaram a ser superiores a 6% para este ano, estejam abaixo de 5%. E, para o ano que vem, que já chegaram a ficar acima de 5%, se aproximem dos 4%.

O que isso significa para o setor de commodities e como impacta mercados como os da América Latina?

De forma geral, parece ser mais interessante hoje ter exposição em bolsa a commodities cujos fundamentos estão divididos entre consumo doméstico e investimento, do que aquelas expostas diretamente apenas ao investimento, que é a parte chinesa.

Em outras palavras, é melhor estar em tecnologia, semicondutores e componentes eletrônicos – o que, infelizmente, não temos muito na América Latina -- do que em commodities como minério de ferro e aço.

Também parece mais atrativo estar exposto a commodities agrícolas – o que é bom para LatAm – do que àquelas relacionadas a papel e celulose.

Em um mundo em que a China cresce, geralmente isso nos ajuda de duas formas: preço das commodities e fatores macro (fluxo, câmbio e carry nas moedas). Se tiramos um zoom da China e olhamos de maneira mais ampla, quando a potência asiática vai bem, fica mais fácil arrecadar ou buscar recursos de global equities para ações de mercados emergentes.

De janeiro a março deste ano, os fundos globais dedicados a emergentes captaram US$ 40 bilhões, o que é um bom número. Mas, quando a China começou a ir mal, parou de entrar dinheiro nesses mercados. O dinheiro global, que estava procurando uma alternativa à bolsa americana, a encontrou na Europa e em emergentes no primeiro semestre. Hoje, a preferência é o Japão.

É interessante essa questão do Japão como alternativa aos investimentos globais. Por que o país tem ganhado esse protagonismo?

O Japão está conseguindo gerar inflação neste ano – algo que eles não tinham nos últimos 20 anos. Ao gerar inflação, há uma questão do lado corporativo: o “pricing power”, isto é, as empresas estão conseguindo repassar custos e melhorar suas margens.

Além disso, demonstra certa confiança no consumidor japonês, que, durante duas décadas, mesmo com o juro real muito baixo, não consumia. Então o que temos agora é um ciclo macroeconômico japonês favorável, ao passo que, para a bolsa americana, as preocupações recaem sobre um momento em que o valuation está acima dos padrões históricos.

As bolsas nos EUA subiram forte neste ano, principalmente com o frenesi em torno da inteligência artificial. Há espaço para mais ganhos daqui para frente?

A performance da bolsa americana é muito enviesada e concentrada em um pequeno pedaço que são as empresas de tech – e, se colocarmos uma lupa, com maior foco naquelas relacionadas à IA. A bolsa que é mais tecnológica [a Nasdaq] está subindo o dobro da outra [do S&P 500], que também está performando muito bem no ano.

A visão que o banco tem sobre a bolsa americana não é construtiva. Nós temos uma recomendação underweight [performance abaixo da média do mercado] dentro do portfólio global de ações.

E as razões para isso são: 1) Para o nível de juro nominal que temos hoje nos EUA, achamos que a relação preço sobre lucro (P/L) deveria ser menor; 2) Não acreditamos que o crescimento de lucros para o próximo ano justificaria esse nível de valor que a bolsa atingiu.

O que o cenário de juros mais altos nos EUA significa para os mercados emergentes?

Isso quer dizer que, infelizmente, a competição por alocação global de recursos vai ser mais intensa por mais tempo. Um cenário ideal para emergentes é o “not hot too hot, not too cold”, isto é, você não pode estar “bombando” nos EUA nem em uma crise, porque se não, não vem dinheiro para o país.

Mas se temos uma desaceleração suave, moderada, que gere uma expectativa de retorno muito diminuta, o dinheiro começa a buscar alternativas. E a direção que temos hoje é: os EUA ficarão excepcionalmente fortes por mais tempo e isso gera menos pressa para o alocador global buscar alternativas fora dos EUA. Mas o mercado está mais seletivo.

Os ativos totais em fundos de ações de emergentes estão próximos de US$ 1,5 trilhão. Esse montante comparado ao total investido em ações do mundo inteiro representa 6% do total. A média histórica é de 9%. Então temos um nível de subalocação enorme em EM [emerging markets].

Mas, para que haja essa reversão à média, é preciso que os EUA façam o phase-out de um momento excepcionalmente forte e, também, que haja uma melhora dos mercados emergentes, especialmente da China.

Tal impacto da China nos mercados de commodities pode servir como vento contrário mesmo em um momento de maior otimismo com a bolsa brasileira, em um cenário de corte dos juros?

O fator preponderante para que a bolsa no Brasil vá bem neste momento é a perspectiva de queda dos juros. Se estávamos em 13,75%, achamos que podemos chegar no começo do ano que vem em 10% [ao ano]. E, dependendo do movimento dos juros americanos, pode até ser um número menor.

Esse movimento é preponderante para que a gente reequilibre a relação de valuation da bolsa contra seu custo de oportunidade, que é renda fixa.

Hoje, a bolsa brasileira negocia com uma relação preço sobre lucro abaixo de sua referência histórica de 10,5x a 11x. Por isso, ainda há um espaço enorme para que haja uma expansão de múltiplos, favorável à subida de preço na bolsa, principalmente em razão do movimento de queda dos juros.

Há uma amplitude enorme de formas para expressar essa opinião otimista com queda de juros no Brasil sem que necessariamente você toque na China. Nos exportadores, obviamente esse cenário não ajuda.

Qual o cenário-base do JPMorgan para a taxa Selic?

A visão do banco é a de que vamos seguir no ritmo de corte de 0,50 ponto porcentual (pp) até o final do ano e depois isso se suaviza para cortes de 0,25 pp até que a Selic chegue a 10% ao ano.

Obviamente que todos os agentes de mercado estão na sintonia fina. As duas variáveis mais importantes para se monitorar entre as reuniões do Copom são: como está o nível de atividade econômica do Brasil e como está a inflação reportada e as expectativas [para os índices de preços].

O que faria o investidor estrangeiro prolongar o interesse pela bolsa brasileira?

A história cíclica está bem no começo; tivemos apenas um corte de juros até agora. A grosso modo, nos nossos estudos, para cada 1 ponto percentual que cai o juro, a bolsa sobe 10% – a conta não vai ser exatamente essa do ponto em que estamos, porque o mercado tenta antecipar.

Mas nosso preço-alvo para o Ibovespa no final do ano é de 135.000 pontos. Temos uma perspectiva de valorização razoável até o final do ano e, considerando que só temos meio ano pela frente, é um retorno bem interessante.

Para que esse preço-alvo se estenda, gostaríamos de ver, além do cíclico, que as expectativas de crescimento econômico melhorem e que o governo consiga trabalhar no equilíbrio de dinâmica fiscal benigno, com relação dívida/PIB se estabilizando.

Esse segundo fator é importante, porque ele dá um horizonte de planejamento. A bolsa responde como na economia real: quanto mais horizonte de planejamento você tem, mais espaço há para investimento e alocação de recursos.

Começamos com uma história cíclica muito boa, muito forte, que coloca o Brasil em situação de destaque no mundo de emergentes diante desse impulso cíclico que vai até o ano que vem – e com a expectativa de que se torne algo mais sustentável no longo prazo.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.