Fundos de crédito privado limitam captação depois da queda dos spreads

Segundo a Bloomberg News, gestoras como JGP e Sparta fecharam alguns fundos para captação depois que a diferença dos rendimentos de títulos privados para o DI diminuiu

Vista da região da Faria Lima, em São Paulo: condições financeiras mais restritivas tornam os investimentos em crédito privado menos atrativos
Por Giovanna Belotti Azevedo
27 de Setembro, 2024 | 11:50 AM

Bloomberg — Algumas das maiores gestoras brasileiras têm dado um passo para trás em meio ao crescimento expressivo das emissões de dívida privada.

Parte da cautela advém do fato que o Banco Central começou recentemente a subir as taxas de juros – uma ação que coloca o Brasil na contramão do mundo, já que o aumento da Selic se deu poucas horas depois que o Federal Reserve, o banco central dos EUA, decidiu iniciar um ciclo de corte de taxas.

As condições financeiras mais restritivas aumentam a preocupação no momento em que os traders já consideravam uma forte redução dos spreads, tornando os investimentos em crédito privado muito menos atrativos, especialmente para os emissores de maior qualidade, preferidos pelos investidores.

Os spreads já estão tão baixos que Alexandre Muller, gestor de crédito da JGP Asset Management, fechou 95% de seus fundos de crédito para captação.

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“Fechamos os fundos para preservar a qualidade dos portfólios investidos, evitando a diluição dos spreads por um caixa muito alto ou novas emissões com prêmios muito baixos,” disse Muller. A JGP tem cerca de R$ 35 bilhões de ativos sob gestão no total.

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Os rendimentos das debêntures -- títulos de dívida privada -- caíram quase um terço em pouco mais de um ano, para uma média de 170 pontos-base acima do DI, a taxa de juros interbancária. A mudança representa uma queda de 80 pontos desde agosto de 2023, segundo dados da JGP.

Os spreads da dívida com classificação AAA caíram cerca de 70 pontos base, para 80 pontos no mesmo período, mostram dados separados da gestora Sparta.

Os custos mais elevados de captação no exterior e a possibilidade de emitir dívida local com vencimentos mais longos aumentaram o apelo das emissões domesticas, dado que, no Brasil, as taxas de juros de dois dígitos mantêm os investidores concentrados em produtos de renda fixa.

As empresas brasileiras emitiram um recorde de R$ 207 bilhões em debêntures no primeiro semestre do ano, um aumento de 164% em relação ao ano passado.

As vendas de títulos corporativos em dólar, por sua vez, chegaram a cerca de US$ 10 bilhões no mesmo período, segundo dados compilados pela Bloomberg.

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“O mercado de capitais brasileiro viu recentemente um aumento no volume de emissão de dívida causado por uma mudança na dinâmica do mercado e pelas altas taxas de juros”, disse Conor Hennebry, chefe global de dívida corporativa do Santander CIB.

“O fraco mercado acionário perdeu tração e levou fluxo para o mercado de dívida. Esta mudança, junto com a elevada liquidez de fundos e investidores dedicados, permitiu a compressão dos spreads.

Embora tenha crescido exponencialmente nos últimos anos – o estoque de debêntures é de mais de R$ 1 trilhão, quase o dobro dos US$ 106 bilhões dos papéis de dívida privada em dólar –, o mercado de dívida do Brasil continua dominado por players locais, e grande parte das negociações são realizadas no mercado de balcão.

‘Singular’

Para Sergey Dergachev, chefe de dívida corporativa de mercados emergentes da Union Investment Privatfonds GmbH, de Frankfurt, isso faz parte da dinâmica da dívida corporativa local em mercados emergentes em geral.

“É uma classe de ativos singular”, disse ele. “É cerca de 3,5 vezes maior em capitalização de mercado do que a dívida corporativa de mercados emergentes em moeda forte, mas a presença de investidores estrangeiros é quase insignificante devido a diferentes leis de falência, tratamento fiscal diferente em relação à dívida soberana local de mercados emergentes e diferentes situações de liquidez, bem como procedimentos de liquidação.”

Dentre os fundos locais, a JGP não é a única a recuar. A SulAmérica Investimentos também fechou para captação alguns fundos de dívida corporativa e limitou a captação de recursos para outros, conforme os spreads diminuem, disse o CEO Marcelo Mello.

A SulAmérica é o braço de gestão de recursos de uma das maiores seguradoras do Brasil e tem cerca de R$ 76 bilhões sob gestão.

“Achamos que vai ter uma reprecificação, então estamos com uma estratégia mais defensiva,” com maior posição em caixa,” disse Mello. “O spread está muito magro, não vai ter demanda, então um ajuste pode ser saudável.”

Os investidores têm se concentrado nos poucos emissores com alto nível de rating no Brasil, visto que o mercado de dívida de alto rendimento continua machucado após o escândalo de fraude contábil e o colapso da Lojas Americanas (AMER3) no início de 2023.

“Nossa estratégia para os próximos meses será fundamentada em um pilar principal: alta seletividade na escolha de ativos”, disse o Sparta em comunicado mensal que citou os spreads comprimidos.

A gestora, que administra cerca de R$ 15 bilhões, planeja “manter um nível de caixa mais elevado e encurtar a duration da carteira.”

Os produtos estruturados, como os instrumentos securitizados, também têm atraído investidores que buscam maiores rendimentos. Outros procuram novos nomes e ampliam áreas de cobertura.

Mas o boom também levou ao surgimento de alguns problemas, tais como o aumento de defaults no setor do agronegócio.

Os Fiagros, fundos de investimento garantidos por recebíveis agrícolas, foram atingidos pela inadimplência de produtores rurais a níveis alarmantes, diante da queda dos preços do milho e da soja.

“Os gestores hoje estão sedentos por ativos”, disse Vivian Lee, co-CIO e gestora da estratégia de crédito da Ibiuna Investimentos.”Não quero ter a pressão de ter que alocar por alocar. O mercado de credito é cíclico, você tem que ter a disciplina de ficar como espectador.”

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