Fundos ‘brasileños’ avançam pela América Latina e ditam preço até no México

Multimercados de gestoras como Genoa, Kinea, Vinland e Ibiuna ganham força em países da região e puxam os preços dos ativos para cima e para baixo com suas apostas, ampliando a volatilidade

A Mexican flag flies at Constitution Square, known as Zocalo, in Mexico City, Mexico, on Friday Feb. 11, 2022
Por Vinícius Andrade - Michael O'Boyle
01 de Julho, 2024 | 12:38 PM

Bloomberg — No início da manhã de 7 de junho, uma sexta-feira, os juros futuros dispararam no México. Durante toda a semana, eles haviam se mantido relativamente estáveis mesmo com o tombo do peso na esteira da vitória do partido governista de esquerda nas eleições. Mas, de repente, o selloff se espalhou para esse mercado.

À medida que as taxas disparavam ao longo daquele dia – em mais de 25 pontos-base em alguns contratos –, a palavra se espalhou rapidamente pelas mesas de trading na Cidade do México: são “los brasileños”.

Era uma referência aos fundos multimercados do país. Algumas das maiores e mais poderosas assets de São Paulo e do Rio de Janeiro possuíam exposição aos ativos mexicanos nos meses anteriores à votação. Posições otimistas no peso eram grandes. Essa parte não chamou tanta atenção.

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O peso mexicano se tornou um “queridinho” do mercado de câmbio global, e investidores do Japão aos Estados Unidos foram atingidos quando o moeda despencou.

Mas foi no mercado de juros futuros em que os fundos brasileiros se destacaram visivelmente, segundo traders mexicanos.

Gestoras incluindo Genoa Capital, Kinea Investimentos, Vinland Capital e Ibiuna Investimentos apostavam em queda das taxas, com uma posição total relevante em um mercado que representa apenas uma fração do mercado de câmbio.

Então, quando várias dessas gestoras decidiram subitamente se desfazer dessas apostas, cedendo à pressão que aumentava à medida que a depreciação do peso diminuía a perspectiva de cortes da taxa básica, elas puxaram os juros futuros para cima rapidamente.

O episódio destaca a força potente que os hedge funds do Brasil têm se tornado em toda a América Latina. De Bogotá a Santiago, eles entram e saem dos mercados, puxando os preços dos ativos para cima e para baixo e, com isso, chamam a atenção de investidores locais que se queixam de como essas vastas somas de dinheiro estrangeiro alimentam a volatilidade.

Isso é, em parte, reflexo do crescente poder econômico do Brasil. Após um boom de exportações que durou décadas, os brasileiros ricos começaram a entregar somas cada vez maiores de dinheiro para gestoras de fundos multimercados.

O movimento triplicou seus ativos sob gestão nos últimos 10 anos, para R$ 1,6 trilhão e alimentou uma busca por oportunidades no exterior para empregar estratégias que os fundos aprimoraram ao longo de anos navegando a inflação alta no Brasil.

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Frequentemente, essas oportunidades são mais fáceis de encontrar, dizem os gestores de fundos, em países vizinhos com fundamentos econômicos semelhantes.

“Os hedge funds brasileiros estão definitivamente chamando mais atenção”, disse Thierry Wizman, diretor de câmbio global e estrategista de juros da Macquarie Futures, em Nova York. “Muitos deles acumularam muitos ativos e sua presença se faz sentir por meio das negociações.”

Selloff no mercado de títulos mexicano

No mercado de juros futuros, Genoa, Kinea, Vinland e Ibiuna – as casa paulistanas que juntas têm mais de US$ 36 bilhões sob gestão – possuíam posições aplicadas que se beneficiariam em caso de queda de taxas, de acordo com cartas a cotistas vistas pela Bloomberg News e pessoas familiarizadas com o assunto.

A aposta era que o banco central do México reduzisse progressivamente a taxa de referência de 11% à medida que o peso se valorizasse e a inflação desacelerasse. As eleições não deveriam mudar essa perspectiva.

Mas quando a presidente eleita Claudia Sheinbaum e seus aliados no Congresso obtiveram vitórias tão grandes que começaram a falar sobre a promulgação de políticas que pudessem diminuir os controles sobre o poder executivo, isso desencadeou uma onda de pânico nos mercados mexicanos.

A Genoa zerou suas posições após a eleição, enquanto as exposições de Vinland e Ibiuna também foram reduzidas, disseram as pessoas, que pediram anonimato para discutir decisões privadas.

Dos 15 grandes fundos multimercados com pior desempenho no Brasil naquela semana, pelo menos sete deles tinham exposição ao México, segundo dados compilados pela Bloomberg. Genoa, Vinland, Ibiuna e Kinea estavam todos nesse grupo.

Jose Oswaldo Monforte, gestor da Vinland, disse que o fundo multimercado macro da casa apostava que os contratos com vencimento em cerca de dois anos cairiam mais rapidamente do que os de prazo mais curto. O fundo agora está “relativamente neutro” em juros no México, disse ele. Genoa, Kinea e Ibiuna não comentam.

Os últimos três anos têm sido difíceis para a indústria. Com a taxa de juros no Brasil mais uma vez suficientemente alta – 10,5% atualmente – para que alguns investidores não sintam que precisam de um gestor de multimercados para gerar rendimentos, muitos fundos sofreram com resgates. Os retornos também têm sido fracos.

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Um índice que acompanha o desempenho dos hedge funds locais está no zero a zero no acumulado do ano, no seu pior primeiro semestre desde 2020, penalizado em parte pela queda nas ações e títulos brasileiros.

A entrada da indústria nos mercados estrangeiros foi, em parte, um esforço para diversificar e proteger os retornos contra os caprichos do mercado brasileiro. Muitos fundos abriram escritórios e montaram mesas de negociação internacionais na América do Norte, Europa e Ásia.

Os multimercados fizeram algumas apostas ousadas nos mercados offshore, incluindo uma grande vitória que obtiveram há alguns anos com um “short” (aposta na queda) em Treasuries, mas é na América Latina que eles têm peso para realmente mover os mercados.

Um exemplo é o caso de Bogotá em 2022, quando vários deles apostaram contra o peso colombiano e, no processo, aceleraram uma onda de vendas que durou um mês, e na qual a moeda despencou 9%.

Os fundos brasileiros não abandonaram completamente as apostas em juros no México. O selloff do mês passado pode tê-los forçado a reduzir posições, mas não abalou a convicção de que os juros vão cair.

“As contas brasileiras”, disse Jessica Roldan, economista-chefe da Casa de Bolsa Finamex, na Cidade do México, “jogam pesado”.

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