Bloomberg — Em todo o mundo, os operadores de títulos estão finalmente percebendo que os rendimentos mais baixos da história recente podem ter desaparecido para sempre.
A economia surpreendentemente resiliente dos Estados Unidos, a dívida e os déficits crescentes e as preocupações de que o Federal Reserve manterá as taxas de juros altas por tempo prolongado estão levando os rendimentos dos títulos do Tesouro de mais longo prazo de volta aos níveis mais altos em mais de uma década.
Isso levou investidores a repensar como será o “novo normal” no mercado do Tesouro. No Bank of America (BAC), os estrategistas alertam os investidores para se prepararem para o retorno ao “mundo dos 5%” que prevalecia antes de a crise financeira global de 2008 inaugurar uma longa era de taxas de juros próximas de zero nos EUA.
A BlackRock e a Pacific Investment Management Co., a Pimco, dizem que a inflação pode permanecer obstinadamente acima da meta de 2% do Fed, deixando espaço para que os rendimentos de longo prazo subam ainda mais.
“Há uma reprecificação notável nas taxas de longo prazo”, disse Jean Boivin, ex-funcionário do Banco do Canadá que agora dirige o BlackRock Investment Institute.
“O mercado está cada vez mais convencido de que haverá pressões inflacionárias de longo prazo, apesar do progresso recente”, disse ele. “A incerteza macro continuará a ser a história nos próximos anos, e isso requer uma compensação maior para possuir títulos de longo prazo.”
É uma quebra acentuada para os mercados que, no ano passado, começaram a se preparar para uma recessão que levaria o Fed a flexibilizar a política monetária, aumentando as esperanças de uma forte recuperação de um brutal ano de 2022 que levou os títulos do Tesouro às perdas mais profundas desde pelo menos o início dos anos 1970.
Embora as taxas mais altas atenuem o golpe ao aumentar os pagamentos de juros dos detentores de títulos, elas também ameaçam pesar em tudo, desde os gastos do consumidor e as vendas de imóveis até os preços das ações de alta tecnologia. Além disso, aumentarão os custos de financiamento do governo dos EUA, agravando os déficits que já o obrigam a tomar emprestado cerca de US$ 1 trilhão neste trimestre para cobrir o déficit.
A onda de vendas - o clássico sell off - desde a semana passada atingiu os títulos longos com mais força e eliminou os ganhos do mercado do Tesouro mais amplo este ano, colocando-o no caminho da terceira perda anual consecutiva. Também puxou para baixo os preços das ações, que haviam subido fortemente até este mês devido às expectativas sobre a trajetória do Fed.
É possível que a última virada se mostre errada, e alguns analistas de Wall Street ainda estão prevendo uma contração econômica que pressionaria os preços ao consumidor para baixo.
Além disso, as expectativas de inflação permaneceram ancoradas neste ano, já que o ritmo desacelerou acentuadamente em relação às máximas do ano passado, um sinal de que o mercado está antecipando que acabará se aproximando da meta de 2% do Fed. O índice de gastos de consumo pessoal (PCE), a medida de inflação preferida do Fed, subiu a um ritmo de 3% em junho, versus até 7% no ano anterior.
Mas muitos agora esperam um cenário de soft landing que deixaria a inflação como risco dominante. Isso foi enfatizado nesta semana com a divulgação da ata da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) de julho, quando as autoridades expressaram preocupação de que mais aumentos de juros ainda possam ser necessários.
Eles também indicaram que o Fed pode continuar a reduzir suas participações em títulos mesmo quando decidir reduzir as taxas para tornar a política menos restritiva, ameaçando manter outro entrave ao mercado de títulos.
Isso ajudou a elevar os rendimentos do Tesouro pelo sexto dia consecutivo na quinta-feira (17), com os títulos de referência de 10 anos subindo para 4,33%. Isso está um pouco abaixo do pico de outubro passado, que foi o mais alto desde 2007. Os rendimentos de trinta anos atingiram 4,42%, uma alta recorde em 12 anos. Os rendimentos reduziram o salto nesta sexta-feira pela manhã.
Mudanças econômicas mais amplas também estão gerando especulações de que as taxas baixas – e a inflação – do período pós-crise foram uma anomalia.
Entre eles: dados demográficos que podem pressionar e aumentar os salários à medida que os trabalhadores idosos se aposentam; um afastamento da globalização; e o impulso para combater o aquecimento global, afastando-se dos combustíveis fósseis.
“Se a inflação for rígida e alta, não quero possuir títulos de longo prazo”, resumiu Kathryn Kaminski, estrategista-chefe de pesquisa e gerente de portfólio do AlphaSimplex Group.
Prêmios mais altos
“As pessoas vão precisar de mais prêmios de prazo para adquirir títulos de longo prazo”, disse ela, referindo-se aos pagamentos mais altos que os investidores normalmente exigem pelo risco de abrir mão de seu dinheiro por mais tempo.
Mesmo com o recente aumento nos rendimentos, porém, esse prêmio não voltou. Na verdade, permanece negativo, pois as taxas de longo prazo se mantêm abaixo das de curto prazo – uma inversão da curva de rendimentos que geralmente é vista como um prenúncio de uma recessão. Mas essa diferença começou a cair, reduzindo uma medida do prêmio do Fed de Nova York para cerca de -0,56%, de quase 1% em meados de julho.
Essa pressão ascendente também foi exacerbada pelos gastos federais dos EUA, que estão criando uma enxurrada de vendas de novas dívidas para cobrir o déficit, mesmo quando a economia permanece em pleno emprego - ou perto disso. Ao mesmo tempo, a decisão do Banco do Japão de finalmente permitir que os rendimentos de 10 anos aumentem provavelmente reduzirá a demanda japonesa por títulos do Tesouro dos EUA.
Boivin, da BlackRock, disse que há uma grande mudança em andamento nos bancos centrais do mundo. Durante anos, disse ele, eles mantiveram as taxas de juros bem abaixo da taxa considerada neutra para estimular suas economias e afastar o risco de deflação.
“Isso foi invertido agora”, disse ele. “Portanto, mesmo que a taxa neutra de longo prazo não seja alterada, os bancos centrais manterão a política acima dessa taxa neutra para evitar a pressão inflacionária.”
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