Bloomberg — Depois de lidarem com o risco de uma guerra comercial liderada pelos EUA durante semanas, os mercados financeiros reabrem nesta segunda-feira (3) precisando lidar com a realidade.
É provável que os investidores inicialmente favoreçam o dólar americano, impulsionando-o para novos patamares máximos, e podem evitar alocação em ações depois que o presidente Donald Trump cumpriu sua ameaça de impor taxas gerais de 25% sobre o Canadá e o México e 10% sobre os produtos chineses a partir de terça-feira (4), o que provocou compromissos de retaliação de outros governos.
A conversa sobre tarifas, por si só, beneficiou o dólar desde a eleição de Trump. A semana passada foi a melhor desde meados de novembro, com o Bloomberg Dollar Spot Index subindo quase 1%.
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As ações dos EUA, por outro lado, caíram na sexta-feira (31), com as montadoras de automóveis e as empresas mais expostas à China liderando a queda. Os investidores em títulos devem decidir se querem se concentrar no risco elevado dos mercados ou nas preocupações com a inflação.
“As tensões comerciais podem aumentar no curto prazo, já que outros países são politicamente obrigados a retaliar e a imitar as políticas dos EUA”, disse Stephen Jen, executivo-chefe da Eurizon SLJ Capital. “Isso, no curto prazo, deve sustentar mais força para o dólar e rendimentos mais altos dos títulos dos EUA.”
Pressão a favor do dólar
Por trás da posição de alta do dólar está a aposta de que as tarifas alimentarão as pressões inflacionárias e manterão as taxas de juros dos EUA elevadas, ao mesmo tempo em que prejudicarão as economias estrangeiras mais do que a dos EUA e aumentarão a atração do dólar como porto seguro. As moedas estrangeiras são prejudicadas quando a demanda americana diminui para importações mais caras.
"Embora uma declaração do presidente Trump indicando que o dólar está muito forte possa impactar os mercados financeiros, a perspectiva geral permanece inalterada - as tarifas e as pressões inflacionárias domésticas provavelmente sustentarão a tendência fundamental de valorização do dólar", disse Shoki Omori, estrategista-chefe de mesa global da Mizuho Securities em Tóquio.
Dólar se fortalece na reabertura
O dólar americano avançou em relação à maioria de seus principais pares no início das negociações em Sydney, enquanto o dólar canadense se enfraqueceu, atingindo seu valor mais baixo desde 2003. O peso mexicano caiu mais de 2%, enquanto o dólar australiano, sensível ao risco, visto como particularmente exposto à ameaça de tarifas dos EUA contra a China, caiu cerca de 1%. O yuan enfraqueceu cerca de 0,5%.
“Esperamos que a pressão de venda atinja o peso e o dólar canadense na abertura de amanhã na Ásia, mas é difícil avaliar a gravidade do movimento”, disse Karl Schamotta, estrategista-chefe de mercado da Corpay em Toronto. “Os mercados financeiros poderão passar por um doloroso processo de ajuste nas próximas semanas, à medida que os participantes começarem a levar o presidente [Trump] a sério e literalmente.”
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Marco Oviedo, estrategista da XP Investimentos, em São Paulo, disse que as tarifas são “claramente contracionistas” para o México. Com tarifas indefinidas e generalizadas, o peso deveria estar em 23 por dólar, disse Olga Yangol, chefe de pesquisa e estratégia de mercados emergentes do Crédit Agricole. Isso está muito abaixo dos 20,67 por dólar, quando o peso foi negociado pela última vez na sexta-feira.
As posições líquidas vendidas sobre o dólar australiano, no valor de US$ 4,5 bilhões, estão agora em seu ponto mais alto em quase uma década.
Trump também fez ameaças contra a União Europeia, o que poderia deixar o euro enfraquecido e, potencialmente, atingir a paridade com o dólar já em março, de acordo com a Mizuho EMEA.
"Navegar pelos mercados de moedas neste momento é como tentar interpretar a teoria do caos em tempo real", disse Tifo Rouane, da Conyers Trust, nas Bermudas. "Com o atual aumento das tensões geopolíticas, a imprevisibilidade das políticas e as trajetórias divergentes de recuperação econômica, não é de surpreender que os mercados de câmbio estejam se comportando com maior sensibilidade."
Volatilidade em ações
Os traders estão em alerta para grandes oscilações nos mercados de ações em setores que são considerados as linhas de frente de qualquer guerra comercial. Uma cesta de ações do UBS Group de empresas que correm o risco de sofrer com as tarifas propostas afundou quase 4% na sexta-feira, devido a preocupações de que os impostos aumentariam a inflação e atingiriam os resultados financeiros das mesmas.
Fabricantes de automóveis como a General Motors e a Stellantis, que têm cadeias de suprimentos globais e exposição ampla ao México e ao Canadá, podem sofrer movimentos significativos.
Os fabricantes de veículos elétricos Tesla e Rivian Automotive também poderão sofrer os efeitos do início da guerra. As menções à palavra “tarifas” já surgem nas teleconferências de resultados.
O Nasdaq Golden Dragon China Index, que é composto por empresas que fazem negócios na China, mas negociam nos EUA, caiu 3,5% na sexta-feira.
“Não importa quais sejam os resultados das negociações, tarifas mais altas e retaliações estão no horizonte”, disse Prashant Newnaha, estrategista da TD Securities em Singapura. “As dores de cabeça da cadeia de suprimentos estão de volta, e os custos e os preços mais altos, à espreita.”
Embora Trump tenha dito na semana passada que não estava preocupado com a reação dos mercados às suas políticas comerciais, Ed Al-Hussainy, estrategista de taxas da Columbia Threadneedle Investment, disse que o presidente agora "embarcou na estratégia tarifária mais arriscada, com alta probabilidade de retaliação".
“Espero um aperto das condições financeiras”, disse ele. “Pense em uma queda nas ações e em spreads de crédito mais amplos.”
Os títulos do Tesouro conseguiram obter um ganho no início do ano em meio a dados de inflação mais frios do que o previsto. Mas os investidores em renda fixa precisarão agora equilibrar a elevação do risco nos mercados com as consequências inflacionárias das tarifas e a tendência de Trump de restringir a imigração e facilitar a política fiscal - leia-se mais gastos.
O índice Bloomberg do Tesouro dos EUA está em alta de cerca de 0,5% no ano.
“Se houver uma venda de ações, espero que os investidores migrem para a segurança dos títulos”, disse Subadra Rajappa, chefe de estratégia de taxas dos EUA no Societé Générale. “O impacto inflacionário das tarifas mais altas pode levar a expectativas mais altas e curvas [de juros] mais planas.”
O mercado de renda fixa enfrenta alguns outros desafios nos próximos dias.
Há dados sobre emprego em janeiro [o payroll] e inflação que ajudarão a moldar as expectativas em relação ao Federal Reserve, depois que os formuladores de política monetária interromperam seu ciclo de flexibilização na semana passada e sinalizaram que não têm pressa em cortar novamente.
“Rendimentos mais altos, risco mais baixo. Em nossa opinião, seria um ‘erro’ se apegar a qualquer ponto de vista, daí a maior volatilidade”, disse Gregory Faranello, chefe de negociação e estratégia de taxas dos EUA da AmeriVet Securities. “Com certeza, as taxas serão instáveis. E o Fed não está com pressa de fazer nada agora.”
-- Com a colaboração de Maria Elena Vizcaino, Michael O’Boyle, Esha Dey, Michael G. Wilson e Matthew Burgess.
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