Bloomberg — Os mais otimistas com os títulos de dívida de mercados emergentes estão apostando que o iminente fim dos aumentos das taxas de juros pelos bancos centrais ajudará a impulsionar a classe de ativos. Mas o El Niño pode ter algo a dizer sobre isso.
O padrão climático periódico que está se formando atualmente no Oceano Pacífico geralmente resulta em condições mais quentes e secas e, portanto, em preços mais altos dos alimentos nas nações afetadas, dando às autoridades mais razões para continuar aumentando os juros. Entre os mercados de títulos de países em desenvolvimento mais em risco estão Índia, Filipinas e Peru.
Os investidores ainda não estão discutindo os efeitos do El Niño em profundidade, “o que me deixa nervoso de que possamos estar complacentes com esse risco”, disse Eimear Daly, estrategista de mercados emergentes do NatWest em Londres. “Os mercados estão fixados no carry (juros obtidos ao carregar ativos financeiros) no momento e não focados no que parece ser um aumento do risco de estagflação”.
O El Niño deste ano — a formação de uma faixa de águas quentes ao largo da costa da América do Sul que perturba as condições atmosféricas e causa inundações em partes desse continente, e menor precipitação na maioria da Ásia — está prestes a ser particularmente grave, pois coincide com temperaturas globais recordes.
Além da ameaça de interrupções no abastecimento de alimentos, a saída da Rússia de um acordo que permitia à Ucrânia exportar grãos pelo Mar Negro fez com que os preços do trigo disparassem mais de 10% em um momento na semana passada.
A Ásia é particularmente vulnerável a um choque de preços induzido pelo clima devido à maior proporção de alimentos nos orçamentos familiares. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que os alimentos representam cerca de 46% da cesta de inflação na Índia, 36% na Tailândia e 33% na Indonésia. Muitos preços de commodities já estão elevados, com o arroz e o açúcar sendo negociados em máximas de vários anos.
Mercados emergentes mais expostos
Os mercados emergentes também estão mais expostos ao impacto inflacionário do El Niño do que seus pares desenvolvidos, conforme mostram modelos da Bloomberg.
A incidência do padrão climático pode fazer com que a inflação na Argentina e no Brasil acelere em 0,75 ponto percentual adicional e em 0,5 ponto percentual na Índia e nas Filipinas, escreveu a economista Bhargavi Sakthivel, em Londres, em uma nota de pesquisa no mês passado, citando um modelo que analisa eventos passados do El Niño. Isso pode reduzir o crescimento, possivelmente resultando em estagflação, disse ela.
Crescente Inquietação
Alguns gestores de fundos já estão preocupados com o possível impacto na dívida de mercados emergentes.
“Se o El Niño se mostrar intenso — como em 2014 e 2015 — isso pode de fato alterar as expectativas de inflação nos mercados emergentes para 2024 e afetar o comportamento dos bancos centrais em muitos países”, disse Julio Callegari, chefe de renda fixa asiática da JPMorgan Asset Management (JPM) em Hong Kong.
É prudente monitorar o risco de posições de longo prazo em mercados emergentes à medida que os detalhes da gravidade se tornam conhecidos, mesmo que você ainda não ajuste a carteira neste momento, acrescentou ele.
Até agora, pelo menos, os investidores não parecem estar excessivamente temerosos. Os títulos de mercados emergentes têm se valorizado nas últimas semanas, com otimismo de que a inflação está caminhando para baixo e as taxas de juros dos bancos centrais estão próximas — ou já atingiram — o pico.
Um índice Bloomberg de dívida de mercados emergentes em moeda local subiu cerca de 4% este ano, superando o ganho de 2,7% de um índice global de títulos, com base nos retornos em dólar para investidores.
Enquanto a perspectiva de El Niño causar interrupções no abastecimento de alimentos representa um risco para a história da inflação dos mercados emergentes, os investidores em grande parte ignoraram essa ameaça, escreveram estrategistas do Goldman Sachs Group (GS), incluindo Kamakshya Trivedi e Caesar Maasry, em uma nota aos clientes neste mês.
“Além disso, se os preços das commodities permanecerem nos níveis atuais, ainda haverá uma quantidade significativa de desinflação decorrente do choque inflacionário do ano passado”, disseram eles.
Impacto na Índia
Um país onde o impacto do El Niño pode ser particularmente pronunciado é a Índia.
O governo proibiu na semana passada a exportação de algumas variedades de arroz na tentativa de reduzir os preços dos alimentos depois que os custos ao consumidor subiram inesperadamente.
Embora a decisão possa ajudar os orçamentos familiares, ela aumentará ainda mais a pressão sobre os custos globais em um momento em que o El Niño já está levantando preocupações sobre danos às colheitas.
Não é apenas o arroz que está contribuindo para a inflação. Os preços dos tomates em algumas partes do país aumentaram até oito vezes este ano devido a chuvas intensas que danificaram as plantações.
Os dados de preços ao consumidor da Índia foram “provavelmente a primeira evidência do El Niño e seu possível impacto na inflação”, disse Brendan McKenna, economista de mercados emergentes e estrategista de câmbio da Wells Fargo Securities LLC em Nova York. “Países que têm uma grande parcela de suas cestas de inflação dedicadas aos preços dos alimentos, se o El Niño for tão influente, esses países podem ver um aumento nos preços.”
Erro de Precificação
Com a Índia sendo um possível indicador de uma inflação mais alta impulsionada por alimentos, os detentores de títulos de mercados emergentes podem se perguntar se foram muito otimistas.
“Preços mais altos dos alimentos prejudicarão os grandes importadores de alimentos e colocarão obstáculos nos planos dos bancos centrais de países importadores de alimentos para reduzir as taxas de juros”, disse Rajeev De Mello, gestor de fundos da Gama Asset Management em Singapura. “Devido ao risco que o El Niño pode representar, os investidores podem ter sido um pouco rápidos em precificar cortes.”
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