Bloomberg — A semana começa depois de uma sexta-feira (4) em que venda de ações se intensificou, os títulos subiram e o petróleo caiu para o nível mais baixo em quatro anos, enquanto o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, sinalizou que os danos de uma guerra comercial serão maiores do que o previsto, com efeitos potenciais que incluem inflação mais alta e crescimento mais lento.
Apesar dos riscos econômicos da guerra comercial do presidente Donald Trump, como a decisão da China de retaliar na mesma intensidade, Powell reiterou uma abordagem de esperar para ver em relação às taxas de juros.
O S&P 500 teve sua pior queda de dois dias desde março de 2020, em um amplo selloff que eliminou cerca de US$ 5 trilhões em valor de mercado das empresas - o índice caiu quase 6% na sexta. O Nasdaq 100 entrou em bear market - ou seja, passou a acumular queda de 20% desde o último pico. Os rendimentos do Tesouro de 10 anos caíram dois pontos base para 4,01%. O dólar subiu 1%.
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“A ação dentro do mercado está gritando recessão”, disse Doug Ramsey, diretor de investimentos do Leuthold Group, em uma entrevista à Bloomberg News. “E a própria reação do mercado é, muitas vezes, o catalisador final que leva a uma recessão.”
Embora o último relatório de empregos - o payroll de março - tenha sugerido que o mercado de trabalho segue bem, isso foi antes de os efeitos das tarifas agressivas de Trump começarem a se espalhar pela economia.
As tensões comerciais aumentaram quando a China anunciou que vai retaliar as novas taxas dos EUA com uma série de medidas, incluindo impostos sobre todas as importações americanas e controles de exportação de minerais raros.
Trump disse que suas políticas econômicas “nunca mudarão”.
Mais tarde, o presidente contou que teve uma “ligação muito produtiva” com o Vietnã, fazendo com que as ações de empresas que têm grandes operações de fabricação no país, incluindo a Nike e a Lululemon, disparassem.
A ByteDance confirmou que está em discussões com os EUA sobre os planos para manter o TikTok em funcionamento nos EUA. Grandes empresas de tecnologia, incluindo a Nvidia e a Tesla, caíram.
As ações chinesas listadas nos EUA, como o Alibaba Group Holding e Baidu, também caíram. Um indicador de grandes bancos atingiu o nível mais baixo desde 7 de agosto de 2024, com Morgan Stanley e Goldman Sachs Group em queda de mais de 7%.
A velocidade da derrocada em Wall Street está reacendendo lembranças desagradáveis das paralisações de negociação em todo o mercado que ocorreram durante o colapso da covid em março de 2020.
A queda de 5,97% do S&P 500 na sexta-feira ficou muito próxima da perda de 7% que acionaria os disjuntores da NYSE que interrompem todas as negociações por 15 minutos.
‘Buy the dip’ em xeque
Vários analistas estão se mostrando frios em relação às ações dos EUA, dizendo aos investidores para não comprarem ativos que caíram muito, dado que uma guerra comercial de proporções históricas aumenta o espectro de uma recessão na maior economia do mundo.
“O mercado de ações está basicamente se baseando no fato de que isso pode se prolongar por alguns trimestres e, na verdade, se transformar em desemprego mais alto, com o consumidor retendo seus gastos, e as empresas congelando suas decisões e causando não apenas uma leve recessão mas algo mais sério do que isso”, disse Peter Mallouk, da Creative Planning, que supervisiona US$ 360 bilhões em ativos.
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Michael Hartnett, estrategista do Bank of America, disse aos investidores para “venderem a descoberto” os ativos de risco até que Trump se afaste das tarifas e se volte para a pauta de cortes de impostos, maior oferta de energia, desregulamentação e aumento agressivo do teto da dívida.
Mark Haefele, do UBS Global Wealth Management, reduziu sua recomendação para as ações dos EUA para neutra.
“Mesmo que nas próximas semanas pareça que vamos iniciar as negociações [comerciais entre os países] e que haja uma diminuição da escalada [das tensões], acho que o mercado se corrige um pouco mais e chega ao fundo do poço, disse Nouriel Roubini em uma reunião de economistas e líderes empresariais às margens do Lago Como, em Cernobbio, na Itália.
Alguns dizem que encontram oportunidades. Ed Yardeni, da empresa homônima Yardeni Research, disse que era hora de buy the dip.
O experiente investidor Bill Gross disse em um post no X que “a próxima semana pode apresentar algumas oportunidades”.
O co-fundador da Pimco observou que o mercado financeiro dos EUA é “altamente alavancado” e que essa alavancagem está se desfazendo “sem considerações de valor”.
A venda mais rápida do mercado de ações dos EUA desde o auge da pandemia de Covid no começo de 2020 deixou os valuations parecendo baratos. Mas se uma recessão for inevitável devido à guerra comercial global, a definição de barato se torna relativa.
Historicamente, a relação preço/lucro do S&P 500 cai para uma média de 15,6 vezes durante os períodos que precedem as recessões econômicas, de acordo com dados compilados por Sam Stovall, estrategista-chefe de investimentos da empresa de pesquisa CFRA.
Atualmente, ele está em 23 vezes, apesar do recente selloff, o que significa - ou sugere - que ainda há muito espaço para a queda dos preços das ações.
Varejo se divide sobre o selloff
Os primeiros sinais de capitulação entre os traders de varejo, normalmente otimistas, estão aparecendo nos dados do JPMorgan Chase e da Fidelity Investments.
O JPMorgan informou que as ordens de varejo totalizam uma venda líquida de US$ 1,5 bilhão até o meio-dia de sexta-feira, o maior valor nas primeiras 2,5 horas de negociação de sua história.
Isso aconteceu um dia depois que os números da empresa mostraram que as pessoas físicas foram compradoras líquidas de US$ 4,7 bilhões em ações, o maior volume da última década.
Na unidade de corretagem da Fidelity, os investidores individuais ainda estavam comprando suas ações favoritas e fundos negociados em bolsa (ETFs) na sexta-feira, mas o nível de compras em relação às ordens de venda mostrou uma desaceleração em relação ao dia anterior.
David Lebovitz, da JPMorgan Asset Management, disse que as ações atingiram o território de buy the dip, com base em sua opinião de que os EUA ainda evitarão uma recessão induzida por tarifas.
Lebovitz, que ajuda a definir as prioridades de alocação da gestora com US$ 3,6 trilhões em ativos, disse esperar que o S&P 500 atinja o nível de 5.100 pontos na queda - que foi ultrapassado na tarde de sexta-feira.
“Quanto mais baratas ficam as ações, mais interessados ficamos”, disse Lebovitz, estrategista global da equipe de estratégia de soluções multiativos do banco, em uma entrevista à Bloomberg News.
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“Se você observar ao longo do tempo, ficar underweight [abaixo da média] em ações em um ano não recessivo muitas vezes não funciona bem do ponto de vista do retorno.”
Wall Street ficou perplexa com a visão de Trump de que será possível trazer as operações de manufatura de volta para os EUA, algo que seria extremamente caro e levaria anos, se não décadas, para ser concretizado.
De modo geral, economistas esperam que as tarifas aumentem a inflação e desacelerem o crescimento, mantendo o Fed no modo “esperar para ver”.
Mas o debate sobre a trajetória das taxas de juros aumentou após o anúncio das tarifas. Enquanto o Morgan Stanley agora não espera nenhum corte neste ano, em vez de um anteriormente, citando riscos de inflação, o UBS Global Wealth Management vê mais flexibilização adiante.
“O risco para o crescimento supera o risco de inflação mais alta com base na atual política tarifária dos EUA”, disse Anthony Saglimbene, da Ameriprise.
"Assim, acreditamos que o Federal Reserve talvez precise agir mais cedo ou mais tarde, cortando sua taxa de juros, caso também acredite ou veja uma deterioração no mercado de trabalho com base nas atuais políticas fiscais."
Os mercados monetários precificaram totalmente quatro reduções de um quarto de ponto nas taxas neste ano. Alguns traders estão até mesmo apostando em um corte emergencial da taxa antes da reunião de 6 e 7 de maio, com os juros em aberto nos futuros dos fed funds de abril disparando.
"Embora os investidores esperem que o Fed venha em socorro, não está claro como alguns possíveis cortes nas taxas de juros este ano poderão desfazer os danos econômicos que essas tarifas provavelmente causarão", disse Emily Bowersock Hill, da Bowersock Capital Partners.
- Este artigo foi produzido com a ajuda da Bloomberg Automation.
-- Com a colaboração de Phil Kuntz, Isabelle Lee, Sujata Rao, Sagarika Jaisinghani e Anand Krishnamoorthy.
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