Colapso global indica, mais que recessão, que ações subiram demais, dizem gestores

Apesar de alta inicial nesta terça, selloff que começou no Japão e se estendeu a Nova York no início da semana é mais representativo da mudança de sentimento de investidores

Painel que mostra as quedas nos principais índices de Wall Street, e o aumento na volatilidade, na manhã de segunda-feira (5)
Por Rita Nazareth
06 de Agosto, 2024 | 06:58 AM

Bloomberg — Temores reforçados de investidores sobre uma recessão nos Estados Unidos geraram alertas de que a recuperação das ações neste ano talvez tenha ido longe demais.

Mas o recado implícito pode estar mais ligado aos fundamentos da recente alta das ações do que às perspectivas econômicas, segundo estrategistas e gestores de Wall Street.

De Nova York a Londres e Tóquio, as ações foram atingidas. No momento em que os mercados começaram a comemorar os sinais mais evidentes do Federal Reserve sobre um primeiro corte na taxa de juros em setembro, eles foram atingidos por uma espécie de tempestade perfeita: dados econômicos fracos, lucros corporativos abaixo do esperado, posicionamento esticado e tendências sazonais ruins.

Embora o S&P 500 tenha reduzido algumas de suas perdas na segunda, ele sofreu a maior queda em cerca de dois anos - de 3% - em uma sessão com alto volume de negociações. O Nasdaq 100, que representa empresas de alta tecnologia, teve seu pior início de mês desde 2008. O “índice do medo” de Wall Street - o VIX - em determinado momento registrou seu maior pico em dados que remontam a 1990.

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Os títulos do Tesouro perderam um pouco de força após um aumento que levou brevemente os rendimentos de dois anos - mais sensíveis à política monetária - abaixo dos rendimentos dos títulos de 10 anos.

Na prática, traders ampliaram as apostas de que a economia está prestes a se deteriorar tão rapidamente que o Fed precisaria começar a flexibilizar a política de forma agressiva.

A reprecificação foi tão acentuada que o mercado de swap atribuiu anteriormente uma chance de 60% de uma redução emergencial da taxa pelo Fed na próxima semana. Essas chances diminuíram posteriormente, diante da avaliação de que a reação pode ter sido exagerada.

“A economia não está em crise, pelo menos por enquanto”, disse Callie Cox, da Ritholtz Wealth Management. “Mas é justo dizer que estamos na zona de perigo. O Fed corre o risco de perder o rumo se não reconhecer melhor as ‘rachaduras’ da economia e ficar behind the curve.”

Com a queda de 3%, o S&P 500 ampliou a desvalorização de seu pico mais recente para 8,5%. Os rendimentos de 10 anos dos EUA ficaram pouco alterados em 3,78%. O dólar caiu. Um indicador da percepção de risco nos mercados de crédito corporativo dos EUA disparou, com a turbulência efetivamente encerrando as vendas de títulos no que se esperava ser um dos dias mais movimentados do ano. O bitcoin afundou cerca de 10%.

S&P 500 já acumula queda de 8,5% desde o pico mais recente com as perdas de 3% na abertura da semana

A queda das ações dos EUA concede razão a alguns “ursos” proeminentes, que têm dobrado os alertas sobre os riscos de uma desaceleração econômica.

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Mislav Matejka, do JPMorgan Chase, disse que as ações devem continuar sob pressão devido à atividade econômica mais fraca, à queda nos rendimentos dos títulos e à deterioração das perspectivas de resultados. Michael Wilson, do Morgan Stanley, alertou para a relação risco-retorno “desfavorável”.

"Esse não parece ser o cenário de 'recuperação' que se esperava", escreveu Matejka. "Permanecemos cautelosos em relação às ações, esperando que a fase do 'ruim é ruim' chegue", acrescentou.

Ed Yardeni, veterano do mercado, disse que a atual venda de ações tem alguma semelhança com o crash de 1987, quando a economia evitou uma desaceleração, apesar dos temores dos investidores na época.

“Isso lembra muito, até o momento, 1987″, disse Yardeni na Bloomberg Television.

“Tivemos um crash no mercado de ações - que basicamente ocorreu em um dia - e a implicação era que estávamos em recessão ou prestes a entrar em recessão. E isso não aconteceu de forma alguma. Na verdade, isso teve mais a ver com os aspectos internos do mercado.”

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Para Seema Shah, da Principal Asset Management, as preocupações com a fraqueza econômica provavelmente serão exageradas, mas a profundidade da narrativa negativa agora implica que uma reviravolta iminente no mercado é improvável.

Uma recuperação sustentada do mercado precisa de um catalisador ou, provavelmente, de uma combinação de catalisadores, incluindo a estabilização do iene japonês, números sólidos de lucros corporativos e divulgação de dados econômicos sólidos.

“De forma semelhante ao que testemunhamos em meio à rotação para small caps há algumas semanas, o grau dos movimentos foi claramente exacerbado pelo posicionamento esticado”, disse Maxwell Grinacoff, do UBS Investment Bank.

“A diferença hoje é que há um respaldo fundamental para os níveis elevados dos prêmios de risco, tanto do ponto de vista macroeconômico quanto dos lucros.”

VIX, conhecido como 'índice do medo' e que reflete a volatilidade do mercado americano, atinge maior nível desde 2020

Depois de um primeiro semestre muito forte, o mercado acionário americano havia se estendido em uma base de curto prazo e o nível de surpresas positivas estava muito alto, de acordo com Keith Lerner, da Truist Advisory Services.

Além disso, a história mostra que, depois de primeiros semestres de alta valorização, há um recuo típico de 9% em algum momento, mesmo que os mercados ainda tendam a terminar em alta no final do ano.

Notavelmente, nos últimos 40 anos, o S&P 500 teve em média uma retração intra-anual máxima de 14%. Apesar disso, as ações ainda apresentaram um retorno médio (não composto) de 13% e subiram em 33 dos 40 anos, ou 83% do tempo, disse Lerner.

“Embora sempre desconfortáveis e normalmente acompanhados de más notícias, os recuos representam um ponto de entrada no mercado de ações”, disse Lerner. “É isso que proporciona o potencial de retornos mais elevados no longo prazo em relação à maioria das outras classes de ativos.”

As maiores quedas intra-anuais do S&P 500 em anos em que o índice mais amplo do mercado americano encerrou com ganhos

Os investidores devem considerar racionalmente o cenário atual, de acordo com Russell Price, da Ameriprise. Os mercados passam por correção porque podem ter visto os ganhos do mercado acionário chegarem rápido demais? Ou os mercados estão em queda devido a ameaças reais sobre as condições econômicas e a possibilidade de uma recessão global?

“Acreditamos que a preponderância das evidências apoia a primeira hipótese”, disse Price.

“A economia dos EUA está atualmente se moderando para taxas de crescimento mais sustentáveis, mas, em nossa opinião, uma recessão de curto prazo não é o caminho mais provável.”

“Mesmo que isso ocorresse, acreditamos que os bancos centrais têm amplo poder de fogo para reduzir as taxas a fim de reestimular a atividade, se necessário, o que deve atrair novamente o capital para ações.”

Os investidores podem ter mudado a narrativa sobre a economia ao mesmo tempo, de acordo com John Lynch, da Comerica Wealth Management.

“Passaram-se menos de duas semanas desde que o relatório do PIB do segundo trimestre surpreendeu positivamente, com os mercados acionários oscilando perto de níveis recordes, mas há um sentimento crescente de que o Fed esperou demais para cortar as taxas de juros e agora está behind the curve”, disse Lynch.

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“Embora não estejamos completamente convencidos da nova narrativa, a única coisa que parece certa é que há mais volatilidade à frente.”

Os investidores devem se proteger da exposição ao risco, mesmo que possuam ativos de alta qualidade, uma vez que as ações dos EUA estão registrando perdas maiores, de acordo com Tony Pasquariello, do Goldman Sachs.

“Há momentos em que se deve pisar no acelerador e há momentos em que se deve pisar no freio - estou inclinado a reduzir as exposições”, escreveu Pasquariello. Ele acrescentou que é difícil pensar que agosto será um daqueles meses em que os investidores devem manter um risco significativo em sua carteira.

Onda de vendas em diferentes estratégias

Os fundos sistemáticos se desfizeram de mais de US$ 130 bilhões em apostas em ações globais nas últimas semanas. Agora, esses participantes baseados em regras pré-determinadas ameaçam levar suas vendas a um nível totalmente novo, à medida que a volatilidade aumenta.

Estratégias que incluem paridade de risco, vol-targeting e trend following se desfizeram de US$ 70 bilhões a US$ 80 bilhões em ações na segunda, com pelo menos US$ 90 bilhões a mais a serem desfeitos nas próximas quatro sessões, de acordo com estimativas da equipe de trading do Morgan Stanley.

Para Michael Gapen, do Bank of America, os mercados estão novamente se antecipando ao Fed.

“Um corte na taxa de juros em setembro é agora praticamente certo, mas não achamos que a economia precise de cortes agressivos, do tamanho de uma recessão.”

Em julho, os mercados acionários sofreram uma das rotações mais severas dos últimos anos, com a alta de small caps e de valor e a venda das ações de tecnologia de grande capitalização. Uma questão fundamental para os investidores é se esse movimento continuará ou desaparecerá de forma semelhante às rotações anteriores, de acordo com Jeff Schulze, da ClearBridge Investments.

“Embora um susto com o crescimento possa provocar um retrocesso nessa rotação, esperamos, em última análise, uma retomada do crescimento econômico que deverá favorecer as small caps, as ações de valor e as cíclicas”, disse ele.

Dispara a compra de proteção no mercado americano contra um amplo selloff

JPMorgan: oportunidade tática?

Com a intensificação da venda de ações globais na segunda-feira, a mesa de operações do JPMorgan Chase disse que a rotação do setor de tecnologia pode estar “praticamente concluída” e que o mercado já “se aproxima” de uma oportunidade tática para comprar a baixa.

A compra de ações por investidores de varejo desacelerou rapidamente, o posicionamento por consultores de negociação de commodities que seguem tendências caiu muito em todas as regiões e os fundos hedge têm sido vendedores líquidos de ações dos EUA, escreveu a equipe de inteligência de posicionamento do JPMorgan em uma nota aos clientes na segunda-feira.

"De modo geral, achamos que estamos nos aproximando de uma oportunidade tática para comprar na baixa", escreveu John Schlegel, chefe de inteligência de posicionamento do JPMorgan. "Dito isso, o fato de termos ou não uma forte recuperação pode depender de dados macroeconômicos futuros."

“A euforia do primeiro trimestre está rapidamente se tornando uma lembrança distante, já que dados econômicos mais fracos estão levantando vozes para um corte nas taxas do Fed em breve, e talvez antes da próxima reunião”, disse Paul Nolte, da Murphy & Sylvest Wealth Management.

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