Bloomberg Línea — Os ativos brasileiros estão atrativos, e os valuations, “interessantes”, mas hoje há menor espaço para ganho depois do forte rali do Ibovespa (IBOV) e dos juros desde o começo do ano. A avaliação é de Jorge Amato, head de estratégia de investimento para América Latina do Citi (C).
“O trade fácil foi há dois meses. Agora está mais difícil”, disse Amato em entrevista à Bloomberg Línea por videoconferência.
O otimismo com a região somado à percepção de que o risco precificado pelo mercado financeiro com o novo arcabouço fiscal era pior do que o esperado levaram o Citi a ampliar a posição em Brasil no mês de abril, quando dobrou a exposição ao benchmark.
Fintechs e ações ligadas a commodities estão entre as principais oportunidades hoje no país, destacou. Apesar de não esperar um “super rali” nos preços das commodities daqui para frente, os níveis atuais ainda são atrativos, e alguns metais, como o cobre e o lítio, devem se destacar ao redor do mundo.
O mercado de títulos high yield e de dívida de mercados emergentes também faz parte da estratégia do Citi, contou Amato, embora ele destaque a preferência por papéis de maior qualidade e maior seletividade.
Grandes gestoras globais como BlackRock, Pimco e Fidelity também reforçaram recentemente oportunidades em títulos emergentes depois que muitos bancos centrais domésticos atingiram novo estágio em suas batalhas contra a inflação, resultando em uma dinâmica de taxa atrativa.
O Citi tinha US$ 759 bilhões em ativos sob gestão no final de março.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista, editada para fins de melhor clareza:
Qual sua avaliação sobre o rumo dos juros no mundo e o que esperar daqui para frente?
As discussões sobre política monetária devem continuar presentes nos próximos meses. Tem sido muito desafiador para os bancos centrais ao redor do mundo, porque o aperto – como uma resposta à inflação global – tem sido uma tendência para a maior parte dos países. Mas a reabsorção de todos os estímulos vistos durante a pandemia é única, diferente. Os BCs nunca viram isso nem os economistas.
Com isso, vemos que as medidas tradicionais da economia para os juros altos não estão respondendo como o esperado, o que está deixando o trabalho dos BCs mais difícil em termos de entender até que ponto as taxas devem subir.
Os países que começaram a subir os juros antes, como o Brasil, são aqueles que estão um passo à frente em termos da luta contra a inflação. Enquanto que, nos EUA, a inflação ainda está bem longe da meta de 2% e a economia não está desacelerando como o esperado.
Mesmo que o mundo esteja nesse ciclo monetário, a sequência de retomada e as mudanças estão acontecendo em tempos diferentes. Ainda estamos no meio do processo de esperar por aqueles longos períodos para surtirem os efeitos da política monetária na economia real e acho que o impacto não está apenas demorando mais – em especial nos EUA – como também é muito mais fracionado em termos dos setores da economia que está afetando.
Qual o limite para o bull market nos Estados Unidos?
Não sei se podemos realmente chamar de um bull market, porque se tirarmos um número pequeno de ações de tecnologia do S&P 500, o índice em si não está subindo.
É claro que vemos uma melhora dos níveis baixos que alcançamos em março, com o choque no setor bancário nos EUA, mas não classificamos isso agora como um bull market.
Temos visto um reposicionamento do ponto de vista de que os investidores venderam fortemente ações em 2022, descontando os juros altos e uma recessão. A recessão não está aparecendo como o esperado, então investidores que queriam vender os ativos mais arrojados do portfólio o fizeram no ano passado. E, em cima disso, o mercado teve um boom, puxado pelas expectativas com a inteligência artificial.
Nossa visão com ações é a de que o S&P 500 por si só, como uma proxy pro mercado, pode ver um downside daqui para frente, entre 4.000 e 4.400 pontos – intervalo que temos em mente, mas que está sujeito a uma série de variáveis.
E como vocês se posicionam nesse cenário?
Estamos começando a fazer algumas rotações no portfólio em uma antecipação do que achamos que será um ano de 2024, que terá crescimento positivo, mas abaixo da média nos EUA, com uma tendência de queda da inflação.
Desde o começo do segundo trimestre deste ano passamos a embolsar os ganhos nas posições overweight que tínhamos nos setores defensivos (como saúde, tech e empresas large caps) e começamos a cobrir alguns dos underweight dos setores mais frágeis do mercado.
Não é que estamos bullish hoje com empresas small e mid caps, mas estávamos muito mais defensivos e agora estamos menos nesses setores.
Mas uma coisa importante é que continuamos mantendo o viés de alta qualidade, mesmo se estamos comprando ou cobrindo algumas exposições.
Não é só comprar todas as ações, é preciso ser bem seletivo. E isso também se aplica para setores do mercado high yield e de dívida de mercados emergentes – estamos posicionados de forma seletiva nos segmentos mais altos de qualidade desses mercados também.
A estratégia é a mesma para América Latina e Brasil?
Sim, o Brasil tem sido parte dessa rotação, em parte porque os valuations estão significativamente mais interessantes.
Os bancos centrais agiram antes e, por isso, estão mais próximos de virarem o ciclo. No Brasil, os juros futuros estão caindo e o fluxo de portfólio tem ido para ativos brasileiros (ações e mercado doméstico), o que faz com que os investidores fiquem mais confortáveis com a exposição à taxa local.
De forma geral, retornos nominais estão interessantes e as taxas locais devem cair. É uma combinação atrativa em termos de posicionamento. Estamos relativamente construtivos com esses mercados, mas reconhecemos que eles são mais voláteis, reagem mais rapidamente e têm problemas idiossincráticos que podem rapidamente mudar o sentimento dos investidores.
Como os ruídos fiscais e políticos afetam sua estratégia com o Brasil?
As discussões sobre política fiscal são uma característica permanente dos mercados brasileiros – e acho que é algo bom. Acredito que a obsessão que os mercados têm com as contas fiscais é saudável pela perspectiva de que mantém os políticos alinhados.
E o Brasil fez uma escolha há mais de 20 anos com a política fiscal antiga, de definir regras para os gastos, o que deu alguma visibilidade fiscal e criou ao longo dos últimos anos o que hoje é um dos maiores mercados domésticos do mundo.
Por isso, quando um novo governo chega e diz que quer mudar as regras fiscais, os mercados ficam preocupados, porque há um limite de formas para um governo encontrar mais dinheiro para gastar.
O Brasil escolheu não imprimir mais dinheiro por causa do déficit fiscal por mais de 20 anos. E acho que tem sido uma ótima âncora para a economia como um todo.
Minha leitura desse processo neste ano é que não havia apetite do ponto de vista dos políticos para desancorar as normas fiscais. Sim, eles tiveram que revisar [as regras], mas havia claramente poucos sinais de que sairia de controle. E o mercado estava sinalizando aos políticos a mesma coisa.
Isso não significa que um dia o Congresso não possa cometer um erro e aprovar algo que tire as coisas do eixo. Há sempre um risco. Mas acho que esse risco era muito menor do que o mercado estava precificando – e é por isso que adotamos esse posicionamento em abril, de ampliar a exposição em Brasil, porque vimos que a nova regra fiscal não seria perfeita, não seria ótima, mas não seria tão ruim.
E agora o foco está na reforma tributária, que é importante, mas acho menos crítico para a estabilidade do mercado, mas para as estimativas de crescimento de longo prazo.
Há uma relação risco-retorno atrativa hoje para Brasil?
Os ativos brasileiros não estão tão baratos quanto estavam há dois meses. Eles estão caros? Não. Estão atrativos? Sim. Mas temos menos espaço para aproveitar depois que as ações tiveram um rali de 20% em dólar. Então o espaço para ganhos hoje é menor.
Quais as oportunidades hoje para investir no Brasil?
Há setores que são mais difíceis de acessar por meio de mercados públicos, mas as fintechs, por exemplo, têm visto um crescimento incrível na América Latina, incluindo o Brasil.
Acho que é um setor muito interessante para apostar, como bancos digitais. E a grande parte de empresas tecnológicas no Brasil que são relacionadas a commodities também deverá se sair bem.
Não achamos que as commodities vão ver um super rali daqui para frente, não é o caso. A economia global desacelerando sugere, na verdade, que os preços vão ficar relativamente estáveis, em média. Veremos algumas commodities específicas se saírem melhor que outras ao redor do mundo: cobre, lítio, todas aquelas ligadas à eletrificação do mundo têm demanda estrutural que é bem interessante.
Mas, de forma geral, o nível em que a maior parte das commodities está sendo negociada agora – mesmo se não subirem – já é bem rentável para as empresas. Acho que é aí onde estão as oportunidades.
Seria o corte dos juros o principal motor para as ações no Brasil?
Acredito que, quando cortarem os juros, vamos ter uma confirmação das expectativas do mercado, um gatilho para termos mais convicção de que os cortes vão continuar. Porque essa é outra coisa que acho que o BC está pensando: ele não quer cortar uma vez só e depois não fazer mais nada por algum tempo.
Quando o Banco Central começar a cortar os juros, vai querer começar um ciclo de corte – e os mercados ansiosos podem fazer ele segurar um pouco mais. Se a inflação não começar a subir, mesmo com os mercados voláteis, vai ser difícil pro BC não cortar [as taxas] eventualmente. Então se não for agosto, precisa ser setembro.
Se tudo estiver funcionando em termos de inflação, ter juros reais de 9% não faz sentido; você está apenas engasgando a economia sem motivo. É um equilíbrio difícil.
Tendo dito isso, juros no Brasil tiveram um grande rali, por isso acho que ainda tem espaço para os juros recuarem e alimentarem outros mercados, como o de ações. Mas, depois de um grande rali como o que tivemos, o mercado precisa respirar um pouco e digerir. Acho que será menos linear.
O trade fácil foi há dois meses. Agora está mais difícil.
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