Brasil não está imune a cenário de aversão a risco global, diz Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management diz à Bloomberg Línea que queda de ativos no fim do ano e alta da Selic criaram proteção que não deve se sustentar se quadro piorar

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Bloomberg Línea — Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, avalia com cautela o desempenho de ativos brasileiros diante da correção nas bolsas de Nova York e do temor de investidores com uma desaceleração mais acentuada da economia americana.

Segundo a economista, a deterioração dos preços dos ativos no fim de 2024 e o aumento da taxa Selic criaram uma espécie de “buffer” para os mercados brasileiros, permitindo que o Ibovespa não tenha sido tão afetado por quedas mais bruscas das ações nos Estados Unidos. No entanto essa proteção não deve se sustentar caso a aversão ao risco global se intensifique.

“É difícil para países emergentes terem um fluxo positivo em momentos de risk off”, disse Sour em entrevista à Bloomberg Línea na terça-feira (11), na sede do UBS em São Paulo.

Desafios novos para o Fed

Nesse ambiente, o Federal Reserve (Fed) ficará em uma posição cada vez mais delicada diante da instabilidade das políticas econômicas dos EUA.

Na avaliação da economista, o banco central americano precisará equilibrar a necessidade de conter a inflação com os riscos de uma desaceleração mais intensa da atividade.

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“Diferentemente de outros momentos em que o mercado americano e as bolsas caíram bem, a inflação desta vez não está na meta – e muito menos está abaixo dela”, disse Srour.

“O Fed se vê agora com um risco maior de desaceleração, mas com uma inflação corrente que ainda está muito resiliente e com expectativas de inflação aumentando à frente.”

Além disso, a crise atual está mais ligada à incerteza política do que a um aperto monetário tradicional, o que pode tornar a política do Fed menos eficaz.

“Como a crise é causada por uma confiança no que vai ser a economia americana, em como os EUA vão se relacionar com os seus demais países comerciais, é difícil achar que a política monetária vai conseguir ser a boia que vai sustentar”, explicou.

Uma recessão ainda não faz parte do cenário base do mercado, mas a expectativa é a de que o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA desacelere para cerca de 1,5%, colocando em xeque a visão de que o país continuará a crescer acima das demais economias.

Embora Trump ainda possa mudar de estratégia e reverter algumas de suas políticas, a economista alertou que, se novos dados fracos surgirem, será mais difícil mudar a tendência de desaceleração.

“Muitas pessoas tinham essa ideia de que o Trump era sensível aos preços de mercado. E se houvesse uma queda significativa da bolsa, ele reverteria essas idas-e-vindas. Por enquanto, essa queda toda que houve não foi suficiente. Alguma hora pode ser suficiente, só que talvez seja tarde demais”, disse.

Impactos para o Brasil

O cenário global incerto tem repercussões diretas sobre a economia brasileira.

Srour destacou que, anteriormente, o crescimento mais forte do PIB americano proporcionava um ambiente favorável para os mercados emergentes, o que permitia ao Brasil dispor de mais tempo para tomar decisões estruturais de política econômica.

Em sua avaliação, o chamado excepcionalismo americano também propiciava ao Brasil um tempo para definir estratégias. Agora, com o ambiente externo conturbado, a necessidade de ajustes internos se torna mais urgente.

Um dos principais desafios internos apontados por Srour continua sendo a política fiscal. A economista avalia que o pacote de medidas anunciado em novembro passado não garante que as regras do arcabouço fiscal sejam cumpridas depois de 2026.

“Além disso, há muita incerteza sobre o próprio resultado primário, de qual vai ser a relação dívida/PIB em 2025 e em 2026. Porque a economia começa a desacelerar e a arrecadação sofre”, disse ela.

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Nesse ambiente de risco fiscal, a economista do UBS avalia que o cenário para o Brasil continua sendo inflacionário, mesmo com a perspectiva de uma desaceleração da economia. E um cenário de recessão nos EUA não garante que a inflação no Brasil cairá, pois tudo dependerá do câmbio.

Além disso, medidas recentes como o programa de crédito consignado para trabalhadores do setor privado e o projeto de isenção de Imposto de Renda (IR) para pessoas com renda até R$ 5.000 tendem a estimular a atividade econômica e os preços.

“Todo dia há uma discussão sobre algum tipo de subsídio, seja para a conta de energia elétrica, seja para alimentação, que não tem espaço no Orçamento, que pode ficar fora da regra fiscal”, disse Srour.

“O viés não é de menos inflação, é de mais inflação. E eu fico muito preocupada com as medidas aventadas para estimular a demanda, quando os sinais nem estão tão claros ainda de desaceleração forte no Brasil. Se o cenário internacional virar, volta toda a questão do fiscal de novo.”

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