Bloomberg — Após o aperto monetário mais agressivo em quatro décadas, acadêmicos e economistas do mercado avaliam o que poderia ter evitado a crise do aumento do custo de vida e como garantir que os mesmos erros não se repitam.
Os mercados têm se esforçado para precificar taxas de juros elevadas por mais tempo. Enquanto isso, um novo conflito no Oriente Médio adiciona ainda mais risco a um cenário já incerto que confronta os bancos centrais à medida que se preparam para suas penúltimas reuniões em um ano tumultuado.
A reflexão tem se centrado em três debates. Quanta flexibilidade os bancos centrais podem permitir ao buscar suas metas de inflação, a eficácia das compras de ativos na combinação de políticas e os méritos da coordenação monetária e fiscal.
A Bloomberg entrevistou economistas de todo o mundo para reunir opiniões sobre esses três debates. O veredicto deles: os bancos centrais não quebrarão suas economias para atingir as metas de inflação, o QE (quantitative easing, programa de compra de títulos no mercado por parte dos BCs) será usado com mais parcimônia no futuro, e os riscos da política fiscal podem se contrapor ao trabalho das autoridades monetárias.
Novas metas de inflação
Desde que as pessoas acreditem que os preços voltarão para 2%, os bancos centrais têm alguma margem de manobra para decidir o quão agressivos precisam ser ao buscar esse objetivo.
Economistas que cobrem 16 dos bancos centrais mais importantes do mundo dizem que as autoridades permitirão mais tempo para trazer a inflação de volta à meta se isso significar menos danos a suas economias.
A pesquisa especial da Bloomberg também mostra que uma parcela considerável deles acredita que os BCs irão ainda mais longe, aceitando pressões de preços ligeiramente mais fortes ou mais fracas — contanto que as expectativas permaneçam ancoradas.
Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI, há muito tempo argumenta a favor do aumento da meta de inflação, e o ex-vice-presidente do Banco Central Europeu Vitor Constancio também adotou a ideia.
Mas é uma visão controversa e só é possível a partir de uma posição de credibilidade, o que significa que os bancos centrais provavelmente terão que trazer a inflação de volta a 2% primeiro.
“Seria um erro grave pensar que você pode mudar um objetivo que estabeleceu se não pode alcançá-lo”, de acordo com o presidente do Bundesbank, Joachim Nagel.
As tendências globais sugerem que a inflação será mais forte do que no passado. O ex-presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, está entre aqueles que dizem que as taxas não retornarão aos patamares anteriores à pandemia.
Uma lição que Gita Gopinath, a segunda autoridade do FMI, retira do último episódio de inflação é que os formuladores de políticas não devem presumir que ignorar os choques de oferta — como sugerem os livros didáticos — é a resposta ideal. Ela recomenda que estejam prontos para reagir preventivamente, mesmo quando a inflação ainda não saiu de controle.
Eles podem ser levados em breve a atuar nesse sentido, caso uma escalada no conflito no Oriente Médio afete as entregas de petróleo.
No entanto, quando vier a próxima grande desaceleração global, a flexibilidade pode ser necessária no sentido oposto. A experiência da Europa com taxas de juros negativas de oito anos terminou com análises mistas sobre se valeu a pena.
O Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) argumenta que há espaço para maior tolerância a déficits moderados, mesmo que sejam persistentes, porque “regimes de baixa inflação, ao contrário dos de alta inflação, têm propriedades autorreguladoras”.
Quantitative easing em xeque
Com uma abordagem mais flexível para as metas de inflação de de 2%, a política monetária após a crise financeira de 2008 teria se sido muito diferente em muitas partes do mundo.
Trilhões de dólares, euros, ienes e libras em compras de ativos fizeram pouco para elevar os preços diante das forças desinflacionárias globais, até que os governos usaram o dinheiro que arrecadaram para encher os bolsos dos consumidores durante os lockdowns da covid.
Mas isso também foi responsável por distorcer os mercados financeiros. Alguns veem episódios como a quebra do Silicon Valley Bank como um resultado direto da criação de reservas pelos bancos centrais sob o QE, junto com falhas regulatórias e de supervisão.
Apenas 40% dos economistas entrevistados preveem que os bancos centrais usarão o QE da mesma forma que antes. Um quarto espera que ele seja usado com mais parcimônia, cerca de 30% veem seu único papel no futuro como uma ferramenta para abordar preocupações com a estabilidade financeira, e uma pequena minoria não vê que ele seja usado novamente.
Existem outros problemas com a compra de títulos que podem afetar como será usada no futuro. O QE efetivamente troca custos de empréstimos de longo prazo por custos de curto prazo.
O que foi um acordo lucrativo para os contribuintes quando as taxas de juros oficiais estavam baixas, agora se transformou em uma negociação desastrosa.
A descrição mais clara do problema está no Reino Unido, onde o Banco da Inglaterra (BOE) garantiu aos contribuintes a cobertura de qualquer perda no QE. Na próxima década, estima-se que suas compras custarão ao governo mais de £200 bilhões (US$ 243 bilhões).
E os formuladores de políticas têm pouca experiência em desfazer seus balanços, onde pequenos erros podem desencadear turbulências nos mercados.
O Fed passou um pouco por isso quando tentou encolher os estoques de títulos entre 2017 e 2019. Os esforços mais recentes para reduzir os portfólios progrediram de forma bastante suave, parcialmente porque os bancos centrais acumularam tanta dívida ao longo dos anos que estão longe de qualquer limite que pudesse desencadear um aperto.
Mas o fato de tratarem a redução quantitativa como um ajuste técnico em vez de uma parte de seus esforços para combater a inflação levanta questões sobre o uso futuro de uma ferramenta que só é confiável para funcionar de uma maneira.
O Banco Central Europeu (BCE) enfrenta uma carga adicional de títulos que advém da operação em uma união de moedas de 20 países. Preocupações com o financiamento ilegal de governos e a mutualização da dívida já levaram o banco central aos tribunais várias vezes.
O papel da política fiscal
Taxas de juros baixas e programas de QE em larga escala permitiram aos Tesouros pegar empréstimos baratos para financiar campanhas de estímulo, protegendo mercados de trabalho, empresas e consumidores de um colapso. Mas o aumento nos gastos ao longo e após a pandemia — parte financiamento crítico de emergência, parte necessidade política de mostrar uma abordagem de todos para a crise — contribuiu para o surto mais recente de inflação.
Embora o mesmo tipo de cooperação seja necessário para conter a demanda, muitos governos têm receio de que, se apertarem demais a política, os eleitores os substituirão por populistas ou extremistas. Isso ressuscita perguntas sobre se os bancos centrais podem proporcionar estabilidade de preços por conta própria.
“Se estivéssemos projetando arranjos de políticas ótimas do zero, a política monetária e fiscal teriam ambos um papel na gestão do ciclo econômico e da inflação, e haveria uma estreita coordenação”, disse Philip Lowe em seu último discurso como presidente do banco central australiano em setembro.
Economistas entrevistados pela Bloomberg preveem que a política fiscal contrariará um pouco os esforços do Fed para conter a inflação nos EUA.
“É verdade que existem circunstâncias em que trabalhar de mãos dadas e apoiar um ao outro tem se mostrado útil”, disse Christine Lagarde, presidente do BCE, em um debate em junho no fórum econômico anual da instituição.
O presidente do Fed, Jerome Powell, que estava ao lado dela, sinalizou que ainda não estava pronto para depender desse tipo de cooperação. “Nossa missão é garantir a estabilidade de preços, independentemente da posição da política fiscal.”
Os banqueiros centrais alertam que qualquer falha em reduzir os gasto fiscal pode resultar em taxas de juros ainda mais altas. Eles também querem que os legisladores implementem políticas que promovam o crescimento sustentável.
“É necessário uma mudança de mentalidade”, disse Agustin Carstens, ex-presidente do Banco do México e atual diretor-gerente do BIS. “O crescimento deve depender menos da política fiscal e monetária, e mais de políticas estruturais.”
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