Apostas na desaceleração dos EUA alimentam os ganhos de mercados emergentes

Preocupação com o desempenho da economia americana tem levado investidores a buscarem ativos em outros mercados; Brasil é um dos beneficiados

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Bloomberg — Alguns investidores têm apostado que os bons tempos estão apenas começando para os mercados emergentes, já que as preocupações com a economia dos Estados Unidos aumentam a atratividade dessa classe de ativos que tem sofrido há muito tempo.

A mudança é alimentada pelas expectativas de que as políticas tarifárias do presidente Donald Trump pesarão sobre o crescimento dos EUA e forçarão os investidores a olharem para o exterior. A aposta tem levado os gestores de portfólio a adquirem desde moedas latino-americanas até títulos do Leste Europeu.

Os movimentos já provocaram uma corrida nas ações de mercados emergentes e um índice do segmento caminha para atingir o melhor desempenho em um primeiro trimestre desde 2019. Um dólar mais fraco ajudou a elevar um índice de moedas de paíes em desenvolvimento em quase 2% este ano, enquanto os títulos locais também subiram.

“Nos últimos anos, os investidores acumularam ativos dos EUA e em mercados mais desenvolvidos”, disse Bob Michele, chefe global de renda fixa da JPMorgan Asset Management. “Agora, quando você olha para os múltiplos, os mercados emergentes parecem baratos.”

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Investidores de mercados emergentes já passaram por outros períodos de expectativas elevadas, mas o o aumento das ações dos EUA deixou seus concorrentes para trás repetidas vezes.

Mais recentemente, os rendimentos mais altos dos títulos do Tesouro americano em décadas deram aos investidores poucos motivos para se aventurarem fora dos EUA e provocaram um aumento do dólar que abalou as moedas em todo o mundo.

A atual recuperação pode estar ligada à trajetória do crescimento dos EUA. Um desaquecimento da maior economia do mundo, que puxe para baixo os rendimentos do Tesouro e o dólar, seria o ideal para os emergentes - desde que não se transforme em uma bola de neve que cause uma desaceleração mais acentuada que acabe com o apetite do mercado pelo risco, segundo investidores.

Muitos também contam com um aumento maciço nos gastos europeus e com mais estímulos na China para compensar a perda de força dos mercados americanos, caso os EUA sofram uma desaceleração.

Os investidores otimistas também destacam que os ativos de muitos países estão baratos de acordo com várias métricas. As ações dos países em desenvolvimento estão perto de seu nível mais baixo em relação ao S&P 500 desde o final da década de 1980.

As entradas líquidas de ativos em fundos dedicados ainda não se tornaram positivas em 2025, e os mercados emergentes estão sub-representados em muitos portfólios após anos de desempenho fraco. Isso poderia dar às ações, aos títulos e às moedas espaço para subir se a mudança se acelerar.

“O fim do excepcionalismo comercial dos EUA tem um longo caminho a percorrer”, escreveram os analistas do Ashmore Group no início deste mês. “É provável que essa mudança na alocação de ativos seja uma tendência de uma década, considerando a enorme superexposição dos investidores globais às ações dos EUA.”

Vasculhando o globo

Edwin Gutierrez, chefe de dívida soberana de mercados emergentes do Aberdeen Group, disse que, na última década e meia, os investidores têm “esperado em vão” por um cenário de desaceleração do crescimento dos EUA - mas não de forma suficientemente acentuada para provocar um clima de aversão a risco.

Ainda assim, ele tem comprado títulos e moedas de países emergentes europeus, depois de anos mantendo alocações para a região abaixo das ponderações de referência da empresa.

“A Trumponomics provavelmente apresenta o desafio mais genuíno ao excepcionalismo dos EUA que já vimos nos últimos 15 anos”, disse Gutierrez.

O estrategista Axel Christensen e o gestor de portfólio Laurent Develay, da BlackRock, disseram que a América Latina oferece pontos positivos, já que a retração das ações dos EUA reduz a diferença de desempenho em relação ao resto do mundo.

“Qualquer fraqueza temporária devido à incerteza comercial” seria uma oportunidade para comprar títulos locais de mercados emergentes, acrescentaram.

Os fundos, incluindo o TCW Group e o T. Rowe Price, adquiriram títulos soberanos da Colômbia e da África do Sul, destacando sua maior liquidez e acesso ao mercado.

O novo fundo de títulos globais de baixa volatilidade da Franklin Templeton comprou dívidas em moeda forte da Indonésia, Filipinas e Coreia do Sul.

“O fim do excepcionalismo dos EUA, incluindo um dólar mais fraco, é bom para os emergentes”, disse Carmen Altenkirch, analista da Aviva Investors em Londres.

Ela ressaltou que o rendimento extra que os investidores exigem para possuir dívida em moeda forte dos emergentes em relação aos títulos do Tesouro dos EUA permaneceu relativamente estável, em comparação com a mesma medida para muitos pares de mercados desenvolvidos.

A maioria das moedas emergentes está em alta em relação ao dólar este ano, sendo que o Brasil, o Chile e a Colômbia estão entre os maiores ganhadores.

Até mesmo o peso mexicano - que é particularmente vulnerável às manchetes sobre tarifas - está atraindo compradores. A moeda subiu 3% no acumulado do ano, e os fundos de hedge são os mais otimistas desde agosto.

O que dizem os estrategistas da Bloomberg:

“À medida que o valor retorna contra o crescimento das ações, pelo menos em uma base seletiva, a mesma dinâmica pode ser transferida para o câmbio, particularmente quando há moedas baratas que oferecem rendimentos reais elevados, como COP, PHP e INR”.

- Mark Cudmore, estrategista macro

Muitos fatores podem inviabilizar essas negociações, inclusive uma economia dos EUA que se mostre resiliente diante de uma guerra comercial ou tarifas que sejam menos severas do que se temia.

Alguns investidores parecem apostar nesse resultado: os fundos de ações globais registraram cerca de US$ 43,4 bilhões em entradas na semana até 19 de março, a maior do ano, de acordo com um relatório do Bank of America que cita dados do EPFR.

Eric Souders, gerente de portfólio da Payden & Rygel, não está se arriscando. Embora seu fundo detenha posições como títulos vietnamitas e mongóis, ele também elevou as reservas de caixa para o nível mais alto desde 2022, apenas para o caso de os EUA voltarem a rugir.

Por enquanto, porém, “achamos que os emergentes estão muito bem”, disse ele.

-- Com a colaboração de Carolina Wilson.

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