Após década perdida, mercados emergentes aguardam mais um ano difícil para retornos

Perspectiva de tarifas e guerras comerciais de Donald Trump aumentam os obstáculos para ativos emergentes, incluindo os do Brasil, em relação aos americanos em 2025

Sao Paulo
Por Selcuk Gokoluk - Srinivasan Sivabalan
02 de Janeiro, 2025 | 05:45 AM

Bloomberg — Os investidores que apostam em mercados emergentes não tiveram muito o que comemorar em 2024, assim como na última década. Agora, a perspectiva de tarifas e guerras comerciais de Donald Trump faz com que alguns considerem abandoná-los completamente.

De ações a moedas e títulos, 2024 foi mais um ano em que a classe de ativos dos emergentes não conseguiu cumprir sua promessa e o entusiasmo dos gestores encarregados de promover ativos mais arriscados em mercados menores.

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Para alguns, como o fundo hedge Broad Reach Investment Management, sediado em Londres, as melhores oportunidades nos mercados emergentes vêm de apostas contra eles. Outros começam a se perguntar se vale a pena se envolver em mercados emergentes, categoria que inclui o Brasil.

“Não é de surpreender que os investidores queiram jogar a toalha nos mercados emergentes ou desistir de tentar”, disse Sarah Ponczek, consultora financeira do BV Group, ligado ao UBS Private Wealth Management, que administra mais de US$ 3 bilhões.

“Você pode falar sobre os eventuais benefícios da diversificação global, mas, cada vez mais, tudo o que as pessoas querem falar é sobre inteligência artifificial, o S&P 500 e sete ações de tecnologia de mega capitalização que estão na moda.”

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Embora alguns mercados de fronteira, como Paquistão, Quênia e Sri Lanka, tenham apresentado reviravoltas este ano, nenhum mercado emergente importante superou o desempenho do mercado de ações dos Estados Unidos em 2024.

O índice de referência MSCI EM subiu menos de 5% no ano, ficando atrás do S&P 500 pela 11ª vez nos últimos 12 anos. Durante esse período, as ações dos Estados Unidos proporcionaram aos investidores um retorno total de cerca de 430%, 10 vezes mais do que as ações dos mercados emergentes.

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No centro das dificuldades dos mercados emergentes está a incapacidade da maioria dos países de superar o dólar americano.

O índice de moedas de mercados emergentes do JPMorgan Chase teve o sétimo ano consecutivo de perdas. Em 2024, todas as principais moedas emergentes perderam valor em relação ao dólar, exceto o ringgit da Malásia e o dólar de Hong Kong. Pelo menos nove registraram quedas de 10% ou mais.

Com a promessa de Trump de impor tarifas contra países de mercados emergentes, da China ao México, o CEO da Broad Reach, Bradley Wickens, diz que essas perdas provavelmente estão apenas começando.

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Ele disse na semana passada que está entusiasmado com as oportunidades nos mercados emergentes para 2025 - principalmente porque acredita que há lucros a serem obtidos com a venda a descoberto.

“É difícil porque, se os Estados Unidos são considerados o porto seguro, não apenas do ponto de vista cambial, mas também do ponto de vista das ações, é realmente difícil ir contra a maré porque as pessoas desconsideram os valuations”, disse Dina Ting, chefe de gestão de portfólio de índice global da Franklin Templeton, com sede em San Mateo, na Califórnia.

As coisas não estão melhores para os investidores de renda fixa. Desde outubro de 2023, quando os gestores globais começaram a se posicionar para uma eventual mudança para cortes nas taxas de juros pelo Federal Reserve dos EUA, muitos têm apostado em um desempenho superior dos títulos em moeda local de emergentes, com base no argumento de que as taxas mais baixas dos EUA apoiariam os cortes nas taxas dos países em desenvolvimento.

Isso deu errado de duas maneiras: primeiro, muitos mercados emergentes não conseguiram iniciar ou continuar seus próprios ciclos de flexibilização devido aos persistentes temores de inflação, bem como às ameaças mais recentes, como os planos tarifários de Trump. Em segundo lugar, os títulos locais também ficaram atrás de ativos mais seguros nos mercados desenvolvidos.

No início de 2024, a gestora de investimentos Grantham Mayo Van Otterloo (ou GMO), destacou a dívida de emergentes em moeda local como uma oportunidade de compra “única em uma geração”.

No entanto, os títulos soberanos de emergentes em moeda local tiveram um retorno de apenas 2,4% este ano, de acordo com um índice da Bloomberg que os acompanha, apresentando um desempenho inferior ao de ativos alternativos de renda fixa, como os títulos corporativos de alto rendimento dos EUA, que tiveram um retorno de 8%.

Um ponto positivo foram os títulos denominados em dólares, que renderam aos investidores 6,6% este ano, graças à recuperação dos títulos soberanos de alto rendimento que se recuperaram das dificuldades da era da pandemia.

No entanto, olhando para o futuro, os spreads já caíram bem abaixo das médias históricas, e os tomadores de empréstimos enfrentam pagamentos de juros crescentes sobre a dívida de US$ 29 trilhões acumulada na última década.

Um número recorde de 54 países está gastando mais de 10% de suas receitas em pagamentos de juros, de acordo com as Nações Unidas. Alguns, incluindo o Paquistão e a Nigéria, estão usando mais de 30% da receita para pagar cupons.

Luis Oganes, chefe de pesquisa macro global do JPMorgan, disse que as esperanças de um fim para três anos de saídas de fundos dedicados a mercados emergentes foram estimuladas quando o Fed começou a cortar a taxa de juros em setembro. Mas elas terminaram com a eleição de Trump em novembro.

Até a semana passada, os fundos de títulos dedicados a mercados emergentes registraram US$ 23 bilhões em saídas, de acordo com o Bank of America, citando dados da EPFR Global.

"Esperávamos que 2025 fosse o ano do retorno dos fluxos de capital para os mercados emergentes, mas dada essa incerteza, mesmo que o Fed comece a cortar, isso é improvável", disse Oganes. Agora, "estamos esperando saídas de fundos dedicados aos mercados emergentes" e "os cortes do Fed não serão suficientes" para trazê-los de volta.

Tudo isso está levando a conversas cada vez mais embaraçosas em Wall Street e em outros centros de finanças globais.

"A melhor maneira de encerrar uma conversa com alocadores de ativos e investidores é começar a falar sobre mercados emergentes", disse Xavier Hovasse, chefe de ações emergentes da Carmignac, uma empresa de US$ 34 bilhões, com sede em Paris. "Muitas pessoas jogaram a toalha depois de anos de baixo desempenho."

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Alguns especialistas têm encontrado maneiras criativas de contornar a eterna decepção com o desempenho dos emergentes, como, por exemplo, ganhar exposição ao crescimento dos mercados emergentes não por meio de ações de mercados emergentes, mas por meio de multinacionais dos Estados Unidos.

Essa é a estratégia utilizada por Lewis Kaufman, cujo fundo Artisan Developing World foi tecnicamente o fundo de ações de mercados emergentes com melhor desempenho do mundo durante grande parte deste ano, depois de ter investido em ações dos EUA, como Coca-Cola, Apple e Nvidia.

“Se vocë for um investidor dos EUA, o sinal que tem recebido durante períodos realmente longos é o de não diversificar fora dos EUA”, disse Barry Gill, chefe de investimentos do UBS Investment Management Americas, com sede em Nova York. “E se você for um investidor internacional, o único sinal que tem recebido do ponto de vista do mercado de ações é que, se quiser diversificar, a única coisa que será realmente valiosa é a diversificação nos EUA.”

Nem sempre foi assim.

Entre 2000 e 2010, a economia chinesa em expansão e a globalização das cadeias de suprimentos impulsionaram os mercados emergentes e aumentaram os retornos para os investidores, com ganhos de 359% em comparação com 59% para ações de mercados desenvolvidos e 31% para ações dos EUA.

Ting, da Franklin Templeton, está entre os que apostam que esses dias estão fadados a voltar.

“Se você observar o tamanho dos EUA em relação a todo o resto, quero dizer, não se justifica que seja assim”, disse ela. “Os investidores racionais talvez não queiram colocar todos os seus ovos em uma única cesta.”

Wim-Hein Pals, diretor administrativo e chefe de mercados emergentes da Robeco Institutional Asset Management, que tem 204 bilhões de euros (US$ 212 bilhões) sob gestão, concorda.

A ameaça de Trump em relação a novas guerras comerciais já introduz incertezas também nos mercados desenvolvidos, disse Pals, como evidenciado pelas indicações do Fed de que provavelmente seguirá uma política monetária mais restritiva em 2025 do que a prevista anteriormente.

"As ações dos EUA e algumas dessas outras classes de ativos estão supervalorizadas", disse Pals. "Não coloque todos os seus ovos em 2025 na cesta dos EUA."

-- Com a colaboração de Carolina Wilson, Zijia Song e Jorgelina do Rosario.

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