Trump diz a americanos que haverá ‘pequena perturbação’ com efeitos de tarifas

Presidente dos EUA realizou um discurso de 1h40 ao Congresso em que defendeu as suas políticas e disse que vão tornar os EUA mais ricos; ele classificou as relações comerciais vigentes como ‘injustas’

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Bloomberg — O presidente Donald Trump subiu ao púlpito da Câmara dos Deputados na noite de terça-feira (4) para seu discurso no horário nobre, cercado de sinais de alerta sobre a economia dos Estados Unidos, e reconheceu aos americanos que poderia haver mais desconforto à frente.

Trump defendeu seu plano de remodelar a maior economia do mundo por meio dos maiores aumentos de tarifas em um século, dizendo que isso aumentaria “trilhões e trilhões” em receita e reequilibraria as relações comerciais que ele chamou de injustas.

Ele classificou a dor econômica que os impostos devem causar na forma de preços mais altos como um “pequena perturbação” que a nação deve ser capaz de superar.

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“As tarifas são para tornar os Estados Unidos ricos novamente e tornar os Estados Unidos grandes novamente. E isso está acontecendo, e acontecerá muito rapidamente. Haverá uma pequena perturbação, mas estamos bem com isso. Não será muito.”

Em grande parte de seu discurso conjunto de 100 minutos, que bateu um recorde, ao Congresso, no entanto, Trump preferiu dedicar seu tempo a questões que ele vê como seus pontos fortes políticos.

Veja abaixo os destaques do discurso de Trump por tópicos:

Ataque a políticas ‘woke’

O presidente abordou tópicos como direitos dos transgêneros, crimes de migrantes e diversidade, equidade e inclusão, e falou relativamente pouco sobre os preços ao consumidor e outros planos econômicos além das tarifas.

O presidente proclamou que estava liderando uma “revolução de bom senso”, dizendo que “nosso país não será mais afetado pelo woke [termo que se tornou sinônimo de políticas equitativas de gênero, raça ou minorias de forma ampla]”.

Inflação aos americanos

Trump falou sobre inflação somente após 19 minutos de discurso inicial. Ele culpou seu antecessor, Joe Biden, pelos altos preços dos ovos e de outros produtos, e ofereceu poucas propostas novas para reduzir os custos.

Algumas de suas propostas às vezes soaram como soluções mágicas, incluindo projetos complexos de energia que poderiam levar anos para serem concluídos e o uso de economias da ofensiva de corte de custos de Elon Musk, que representaram uma pequena fração do déficit federal, para ajudar a pagar a dívida.

O discurso foi feito em um momento crucial. O índice de aprovação do presidente, que era positivo nas semanas após sua vitória nas eleições de novembro, caiu em uma série de pesquisas.

Os dados mostram novas tensões na economia, com a estagnação da atividade das fábricas, a inflação em baixa, a confiança do consumidor em queda e o desempenho das ações em Nova York ficando atrás dos mercados acionários de outros países - e apagando os ganhos desde a eleição de Trump.

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Na terça-feira, as ações sofreram uma grande oscilação após o início da vigência de tarifas sobre os maiores parceiros comerciais dos EUA: Canadá, México e China. O índice S&P 500 fechou em seu nível mais baixo desde antes da eleição do ano passado.

O Federal Reserve Bank de Atlanta projeta uma contração de 2,8% no Produto Interno Bruto anualizado no primeiro trimestre. Em conjunto, isso adicionou um arranhão à “era de ouro da América” prometida por Trump.

Reação de democratas

Uma tentativa do deputado democrata Al Green, do Texas, de interromper o discurso de Trump foi abafada pelas vaias dos republicanos, e o legislador foi escoltado para fora da Câmara.

Outros democratas seguraram cartazes com slogans como “Musk Steals” e “False”. Havia uma bandeira da Ucrânia, que acaba de ficar sem a ajuda militar dos EUA em sua guerra contra a Rússia de Vladimir Putin.

“Eu poderia encontrar a cura para a doença mais devastadora”, respondeu Trump. “E essas pessoas sentadas bem aqui não vão bater palmas.”

Histórias pessoais e imigração

Diante de eventos desafiadores, ele muitas vezes recorreu ao seu showmanship e à sua capacidade de chamar a atenção da nação.

Trump destacou as histórias de “cortar o coração” dos convidados, incluindo reféns americanos libertados. Um menino de 13 anos, diagnosticado com câncer e com ambições de se tornar policial, foi nomeado agente do Serviço Secreto pelo diretor da agência e Trump disse a um aluno do último ano do ensino médio que ele havia sido admitido na Academia Militar dos EUA em West Point.

Ele elogiou suas políticas de imigração e fronteiras, que aumentaram as deportações de imigrantes sem documentos e designaram cartéis mexicanos e outras gangues estrangeiras como organizações terroristas. Ele pediu ao Congresso que aprovasse fundos adicionais para a segurança das fronteiras.

Mas, assim como a economia, as promessas de campanha que Trump apresentou durante a eleição de 2024 colidiram frontalmente com as realidades que ele tem enfrentado na Casa Branca.

A inflação é difícil de domar e as guerras são difíceis de resolver.

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Acordo com a Ucrânia

No cenário mundial, o presidente procurou se apresentar como um pacificador, mesmo quando se gabava de retirar os EUA das instituições internacionais.

Ele elogiou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, por dizer que aceitaria um acordo sobre recursos naturais que foi desfeito na semana passada após uma reunião desastrosa na Casa Branca, ao mesmo tempo em que reiterou sua exigência pelo fim do conflito e expressou reservas sobre a continuidade da ajuda militar dos EUA a Kiev.

Tarifas comerciais

Trump falou poucas horas depois de atingir o Canadá e o México com tarifas de 25% e dobrar as taxas sobre a segunda maior economia do mundo, a China, para 20% - medidas que correm o risco de exacerbar as pressões econômicas.

O secretário de Comércio, Howard Lutnick, disse, pouco antes do discurso do presidente, que o presidente estava considerando um caminho para a redução de tarifas para os produtos mexicanos e canadenses regidos pelo acordo comercial norte-americano, com um acordo potencial já na quarta-feira.

Trump reiterou sua ameaça de impor tarifas de 25% sobre o alumínio e o aço e de impor tarifas recíprocas a todos os países com barreiras às importações americanas, dizendo que os EUA foram "enganados durante décadas por quase todos os países da Terra, e não permitiremos que isso continue acontecendo".

“O que quer que eles nos taxem, nós os taxaremos”, disse Trump. “Se eles praticarem tarifas não monetárias para nos manter fora do mercado deles, então nós praticaremos barreiras não monetárias para mantê-los fora do nosso mercado.”

Subsídios para chips

Trump elogiou suas medidas tarifárias como mais eficazes para trazer empregos para os EUA do que os esforços de Biden, que incluíam a Lei de Chips e Ciência e seus bilhões em subsídios para estimular a fabricação doméstica de semicondutores.

Trump pediu aos legisladores que eliminassem o Chips Act e disse que não daria aos fabricantes de chips mais fundos da lei.

Separadamente, Trump anunciou planos para estabelecer um escritório de construção naval na Casa Branca. E disse que havia conversado com os chefes das três maiores montadoras dos EUA - GM, Stellantis e Ford - na terça-feira antes de seu discurso.

As empresas automotivas estão particularmente preocupadas com o fato de que as tarifas sobre os produtos mexicanos e canadenses possam aumentar os preços até mesmo dos veículos montados nos EUA.

Setor de energia

Trump está lançando sua proposta de estimular a produção doméstica de energia como um antídoto para a inflação.

No entanto ele ainda não implementou possíveis políticas que poderiam incentivar uma maior demanda interna de petróleo ou reduzir os custos da produção de energia.

E, mesmo assim, não está claro se o setor de petróleo concordará com isso.

Executivos do setor petrolífero que sofreram enormes perdas com o colapso dos preços da energia durante a pandemia de coronavírus demonstraram pouco apetite para aumentar drasticamente a produção, já que se concentram nos retornos para os acionistas.

Até mesmo a proposta de Trump de revigorar um gasoduto de gás natural e um projeto de exportação no Alasca, há muito tempo paralisados, levaria anos para ser construído, gerando apenas dividendos limitados para os consumidores americanos.

Ao mesmo tempo, o gasoduto forneceria o combustível para os residentes do estado e para os aliados asiáticos no exterior.

Trump apresentou planos para impulsionar o gigantesco projeto de exportação de gás do Alasca.

Elogios a Musk

Em seu segundo mandato, Trump agiu rapidamente para implementar suas políticas com um fluxo de ações executivas que estão remodelando o governo dos EUA e seus laços econômicos e de segurança com o mundo, incluindo alguns de seus aliados históricos.

Musk, que supervisiona um esforço para reduzir a força de trabalho e os gastos do governo federal por meio do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), estava presente na Câmara e foi aplaudido de pé pelos republicanos. E elogiado nominalmente pelo presidente.

Essas medidas geraram consternação em Washington e preocupações até mesmo de alguns republicanos quanto ao alcance de seu poder. Os democratas destacaram essa cautela, com alguns legisladores convidando ex-funcionários do governo que perderam seus empregos.

Trump apresentou uma longa lista de programas e subsídios do governo que ele classificou como exemplos de desperdício e reiterou afirmações anteriores - desde então contestadas por outros funcionários do governo - que sugere que a Previdência Social estava fornecendo benefícios a pessoas com centenas de anos de idade. Os democratas intervieram com frequência para zombar das afirmações.

Medidas legislativas e tributos

O comparecimento de Trump ao Congresso representou uma oportunidade crucial para pressionar os colegas republicanos a tomarem medidas legislativas.

O partido luta para estender os cortes de impostos que expiraram no primeiro mandato de Trump, aprovar benefícios adicionais que ele prometeu durante a campanha e seus apelos para equilibrar o orçamento.

"Estou pedindo que não se tribute as gorjetas, não se tribute as horas extras e não se tribute os benefícios da Previdência Social para nossos grandes idosos", disse Trump.

-- Com a colaboração de Hadriana Lowenkron, Skylar Woodhouse e Kate Sullivan.

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