Trump quer assumir Faixa de Gaza e enfrenta oposição de países árabes e europeus

De Alemanha, França e Reino Unido a Rússia, Brasil e Arábia Saudita, países rejeitam o plano de Trump de tomar o controle da Faixa de Gaza com a retirada integral dos palestinos do território

Benjamin Netanyahu e Donald Trump em entrevista conjunta na Casa Branca na terça-feira (4) sobre a Faixa de Gaza (Foto: Ting Shen/Bloomberg)
Por Jennifer A. Dlouhy - Jordan Fabian - Iain Marlow
05 de Fevereiro, 2025 | 09:38 AM

Bloomberg — Donald Trump disse que os Estados Unidos deveriam assumir o controle da Faixa de Gaza, transferir os residentes da área para outros países e transformá-la em uma espécie de “Riviera”, uma proposta que atraiu forte oposição de autoridades palestinas, árabes e também da Europa.

“Os EUA assumirão o controle da Faixa de Gaza”, disse Trump na noite de terça-feira (4) durante uma entrevista coletiva na Casa Branca ao lado do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.

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"Seremos donos dela e responsáveis pelo desmantelamento de todas as perigosas bombas não detonadas e outras armas no local."

Trump, que há muito tempo se insurge contra o que classifica como “guerras eternas” dos Estados Unidos, até sugeriu que estava aberto a enviar tropas americanas para proteger a área e disse que “faria o que fosse necessário”.

Ele disse que enxerga a presença dos EUA no território contestado como uma “posição de propriedade de longo prazo”.

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Benjamin Netanyahu e Donald Trump em entrevista conjunta na Casa Branca, em Washington, na terça-feira (4) (Foto: Chip Somodevilla/Getty Images)

Em Israel, a maioria dos políticos recebeu bem as observações de Trump, dizendo que eram uma forma original de tentar resolver o conflito Israel-Palestina. No restante do Oriente Médio, por outro lado, a reação foi negativa.

A Organização para a Libertação da Palestina, que representa grupos políticos em Gaza e na Cisjordânia, disse que estava "firme" na oposição a qualquer deslocamento dos habitantes de Gaza de sua "terra natal".

A Arábia Saudita reiterou seu apoio a um Estado palestino com Jerusalém Oriental como capital e rejeitou "qualquer violação dos direitos legítimos do povo palestino, seja por meio de políticas de assentamentos israelenses, anexação de terras ou tentativas de deslocar o povo palestino de suas terras".

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“A França reitera sua oposição a qualquer deslocamento forçado da população palestina de Gaza, o que constituiria uma grave violação do direito internacional, um ataque às legítimas aspirações dos palestinos, além de um grande obstáculo à solução de dois Estados”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Christophe Lemoine, em um comunicado divulgado à imprensa.

O governo brasileiro e a Rússia, por meio de um porta-voz do Kremlin, também rejeitaram a ideia defendida por Trump. O governo de Vladimir Putin defendeu um Estado Palestino para coexistir com Israel.

Uma autoridade árabe, falando em particular à Bloomberg News, disse que o momento dos comentários foi especialmente preocupante e que eles poderiam colocar em risco o cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Os habitantes de Gaza provavelmente resistiriam a qualquer tentativa de deslocá-los, disse a autoridade, acrescentando que o Irã exploraria a raiva em relação à proposta.

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O senador americano Chris Van Hollen, democrata do Comitê de Relações Exteriores, foi mais contundente, e chamou a sugestão de Trump de “limpeza étnica com outro nome”.

‘Mudar a história’

É provável que nenhuma das críticas detenha Trump. Não está claro o que ele quis dizer com seus comentários.

Enquanto ele continuava a expandir sua visão durante a entrevista coletiva de imprensa - pensando em nivelar toda a Faixa de Gaza e depois contratar milhares de pessoas para reconstruí-la -, Netanyahu ficou a alguns metros de distância, parecendo às vezes perplexo, mas nunca sugerindo qualquer oposição.

Apenas um punhado de pessoas estava ciente da proposta antes dos comentários de Trump, de acordo com uma pessoa familiarizada com a situação.

Netanyahu elogiou Trump, ex-desenvolvedor imobiliário antes de sua carreira na política, por pensar em um “nível muito mais elevado”.

“Estamos conversando sobre isso, ele está explorando o assunto com seu pessoal, com sua equipe. Acho que é algo que pode mudar a história”, disse Netanyahu. “E vale a pena realmente buscar esse caminho.”

A reação saudita reflete o pensamento do Oriente Médio de forma mais ampla.

Antes desta semana, o Egito, a Jordânia e a Liga Árabe rejeitaram as ideias não convencionais de Trump, assim como os Emirados Árabes Unidos, o Catar e a Autoridade Palestina, que representa a OLP na Cisjordânia e em Gaza.

Questionado sobre o fato de que a aliada Jordânia já havia rejeitado receber mais refugiados palestinos, Trump apontou para a Venezuela, que recentemente concordou em aceitar deportados dos EUA depois de se recusar por um ano.

O rei Abdullah II da Jordânia deve viajar a Washington para se encontrar com Trump em 11 de fevereiro.

Palestinos passam por edifícios destruídos durante o cessar-fogo, em Rafah, no sul de Gaza, no fim de janeiro de 2025

“Veja, a questão de Gaza não funcionou”, disse Trump a repórteres no Salão Oval da Casa Branca no início do dia. “Acho que eles deveriam receber um pedaço de terra bom, fresco e bonito, e conseguir que algumas pessoas coloquem o dinheiro para construí-lo e torná-lo agradável e habitável, e agradável, em algum lugar.”

Embora os mercados financeiros israelenses e regionais não tenham se comovido com as sugestões de Trump, elas têm o potencial de desestabilizar ainda mais o Oriente Médio, de acordo com Khaled Elgindy, acadêmico visitante do Centro de Estudos Árabes Contemporâneos da Universidade de Georgetown

“Tudo o que ele está propondo, cada componente do que ele disse, por si só, é altamente problemático e seria desestabilizador em grande medida”, disse Elgindy.

Ele disse que Trump parecia falar mais como um promotor imobiliário do que como presidente e acrescentou: “Ele claramente não conversou com nenhum palestino ao apresentar essas ideias”.

E descartou qualquer noção de uma “solução de dois Estados” que os EUA têm apoiado há décadas ou o reconhecimento de que os vizinhos de Israel têm rejeitado repetidamente receber mais refugiados palestinos.

Atentado a bomba em Beirute

Faltou também na entrevista uma noção e uma referência a como a presença militar dos Estados Unidos na região tem sido um “para-raios” há décadas, desde as recentes guerras no Iraque que ajudaram a gerar o Estado Islâmico e que remontam aos atentados a bomba no quartel de Beirute em 1983 que mataram mais de 300 pessoas, levando o então presidente Ronald Reagan a retirar as forças do Líbano.

Depois de insistir por anos em um papel mais limitado para os EUA no mundo, o plano de Trump parece ser o último sinal de que ele prefere abraçar uma América expansionista, seguindo as declarações de que gostaria de adquirir a Groenlândia, retomar o Canal do Panamá e tornar o Canadá o 51º estado. Mas isso não torna a proposta mais provável.

"Ele não tem meios ou ferramentas para realmente implementar as coisas que está dizendo", disse Brian Katulis, membro sênior do Middle East Institute e ex-funcionário do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. "É semelhante ao que ele diz sobre a Groenlândia ou o Panamá. Isso causa um alvoroço. Provoca um debate. Mas não produz nada."

O líder americano disse que não se intimida com os opositores e prometeu visitar Israel, a Arábia Saudita e a Faixa de Gaza durante as próximas viagens ao exterior, sem dizer quando. Muitas nações “com corações humanitários” querem apoiá-lo, disse ele.

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“Há muitas delas que querem fazer isso e construir vários domínios que acabarão sendo ocupados pelo 1,8 milhão de palestinos que vivem em Gaza, acabando com a morte e a destruição e, francamente, com a má sorte”, disse Trump.

Mais cedo, no Salão Oval da Casa Branca, Trump disse que as nações “realmente ricas” fornecerão terras, e várias áreas poderão ser construídas para abrigar permanentemente os palestinos, “onde eles poderão viver uma vida bonita”.

Ele sugeriu que os novos empreendimentos seriam agradáveis o suficiente para que os refugiados palestinos não quisessem retornar à sua terra natal.

Antes da declaração saudita, Trump expressou confiança de que o reino apoiaria a proposta, sugerindo que ele e outras nações receberiam bem uma nova abordagem para lidar com os conflitos na região.

“A Arábia Saudita será muito útil e eles têm sido muito úteis”, disse Trump. “Mas todo mundo acha que continuar o mesmo processo que vem ocorrendo desde sempre, repetidamente, e então começa a matança, e todos os outros problemas começam. E você acaba no mesmo lugar, e não queremos que isso aconteça.”

Netanyahu disse acreditar que “a paz entre Israel e a Arábia Saudita não só é viável como acho que vai acontecer”.

Uma coisa é certa: na esteira da guerra de 15 meses entre Israel e Hamas, que deixou os cerca de 2 milhões de habitantes de Gaza em situação humanitária desesperadora, as perspectivas de um Estado palestino raramente pareceram tão remotas, com o governo de Netanyahu agora prometendo que isso nunca acontecerá.

‘Terra muito valiosa’

Alguns dos partidários da extrema direita de Netanyahu em Israel já pediram anteriormente a retirada de todos os palestinos de Gaza e a transformação da região em uma extensão do Estado judeu.

Jared Kushner, genro de Trump e fundador da empresa de investimentos Affinity Partners, também chamou a atenção no ano passado quando disse que a Faixa de Gaza poderia ser "muito valiosa".

"A propriedade à beira-mar de Gaza poderia ser muito valiosa se as pessoas se concentrassem na construção de meios de subsistência", disse ele em uma entrevista publicada pela Iniciativa do Oriente Médio da Universidade de Harvard.

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Embora um cessar-fogo entre Israel e o Hamas continue em vigor, os dois lados ainda estão distantes em questões cruciais.

Netanyahu prometeu alcançar a vitória total sobre o Hamas, designado como um grupo terrorista pelos EUA, e devolver todos os reféns tomados no ataque do grupo a Israel que deu início à guerra em 2023. Alguns membros de direita da coalizão de Netanyahu criticaram o acordo e o pressionaram a retomar a guerra.

A primeira fase da trégua, durante a qual 33 reféns em Gaza e mais de 1.000 palestinos nas prisões israelenses devem ser libertados, termina no início de março.

Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio e amigo íntimo do presidente, indicou que quer que Israel se comprometa com a segunda fase do cessar-fogo, que deve levar a uma cessação permanente das hostilidades. Trump e Netanyahu falaram pouco sobre isso em sua entrevista coletiva de imprensa.

Trump tem oferecido repetidamente soluções pouco ortodoxas para encerrar o conflito. O presidente dos EUA tem apoiado abertamente Israel, mas também se comprometeu a encerrar o conflito e assumiu o crédito pelo acordo, que foi firmado durante os últimos dias da presidência de seu antecessor Joe Biden.

"Nunca me darão um prêmio Nobel da paz", disse Trump. "Eu mereço, mas eles nunca me darão."

-- Com a colaboração de Sara Gharaibeh, Philip J. Heijmans, Ben Westcott, Derek Wallbank, Fadwa Hodali, Peter Martin e Matthew Burgess.

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