Bloomberg — Em apenas dois meses de governo, o plano de Javier Milei para reformar a economia argentina e controlar a inflação de três dígitos do país já saiu dos trilhos.
Não se trata apenas do fato que o Congresso rejeitou o pedido de seu governo de ampliação dos poderes do Executivo — elemento-chave de seu plano — mas também a forma como ele respondeu, engavetando apressadamente o projeto de lei e depois atacando aqueles que votaram contra ele, enquanto os títulos do governo despencavam nos mercados internacionais.
A assessoria de imprensa de Milei enviou uma lista de 61 congressistas que minaram seu projeto de lei com o rótulo “aqueles que votaram contra o povo”.
É uma medida, dizem os analistas políticos, que só irá prejudicar ainda mais a rápida deterioração das relações entre Milei e os partidos que ele precisa para impulsionar sua agenda.
Tudo isso revela “a inexperiência política do governo”, disse Jimena Blanco, analista-chefe da empresa de consultoria de risco Verisk Maplecroft. “A vontade inicial de certos blocos de oposição de negociar e colaborar com o Executivo foi desgastada.”
O plano de Milei de uma reforma rápida e drástica — “terapia de choque”, como ele chamou — sempre foi um tiro no escuro; ele é um novato político e sua coalizão tem apenas uma minoria dos assentos no Congresso.
Mas o início de seu governo despertou o otimismo de que Milei, que foi muito mais sereno e diplomático naquelas primeiras semanas do que foi como um candidato estranho com uma imagem de rebelde, seria capaz de aprovar algumas, se não todas, as medidas de seu pacote de reformas.
As perspectivas de ressuscitar o projeto de lei são incertas, especialmente agora que Milei parece ter arranjado uma briga com adversários, segundo dois congressistas envolvidos no debate que pediram para não serem identificados.
A falta de diálogo de Milei com as alas moderadas do Congresso foi um erro, e ele causou ainda mais danos à sua causa ao publicar a lista, que incluía aliados importantes que anteriormente haviam apoiado o projeto, acrescentaram.
Os títulos da Argentina, já em território “distressed”, registraram o pior desempenho entre os mercados emergentes e a maior queda desde que Milei assumiu o cargo em 10 de dezembro.
As notas de referência com vencimento em 2041 caíram 1,8 centavo, para 32,7 centavos por dólar. O peso, que já se desvalorizou 32% este ano nos mercados paralelos usados para contornar os controles cambiais, também registrou mais um dia de perdas.
Foi uma reversão para os investidores que seguiram o conselho do Goldman Sachs (GS), do Bank of America (BAC) e de outros de abocanhar os títulos baratos nas semanas seguintes à eleição de Milei.
Milei, um antigo comentador televisivo que só se tornou político há dois anos, foi catapultado para a presidência em novembro. Ele obteve 56% dos votos depois de prometer erradicar a inflação e o elitismo político de uma vez por todas.
Ele também propôs reformas econômicas que, repetidamente advertiu, seriam duras para os argentinos, para desfazer décadas de controle estatal.
Blanco e outros analistas veem um governo sem uma estratégia clara ou um plano de apoio para resgatar a Argentina de uma das crises econômicas mais graves do mundo, marcada por recessão e uma inflação de 200%.
Nesse contexto, governadores poderosos e legisladores moderados no Congresso “estão relutantes em dar a Milei um cheque em branco, alargando o seu poder e partilhando os custos políticos de ajustamentos impopulares”, disse Luciano Sigalov, pesquisador na consultoria Eurasia Group.
A equipe de Milei retirou o projeto de lei por enquanto e insiste que ainda tem opções para implementar as prioridades do presidente. Uma ideia que circula é convocar um referendo que poderia exercer pressão sobre os congressistas, embora alguns conselheiros tenham alertado contra a ideia.
Na manhã de quarta-feira, o Goldman Sachs convocou uma teleconferência entre seus clientes e Federico Sturzenegger, assessor econômico de Milei, segundo pessoas a par do assunto.
Sturzenegger insistiu que Milei está empenhada em resolver as questões fiscais da Argentina e pediu paciência, segundo uma pessoa com conhecimento direto do apelo. Um porta-voz do Goldman Sachs não quis comentar. Sturzenegger não respondeu a um pedido de comentário.
A estratégia de aprovar o projeto de lei no Congresso sem consultar governadores poderosos ou legisladores importantes foi rejeitada desde o início.
O governo acabou fazendo grandes concessões, reduzindo os 700 artigos originais pela metade e retirando aspectos fundamentais, incluindo uma série de medidas de política fiscal e a privatização da petrolífera YPF.
Milei alertou rotineiramente durante a campanha que ele poderia utilizar referendos populares para aprovar suas reformas caso o Congresso impedisse seus esforços.
Seu porta-voz, Manuel Adorni, redistribuiu na quarta-feira um vídeo de Milei expondo sua estratégia legislativa do ano passado, embora tenha esclarecido por mensagem de texto que não acreditava que um referendo seria necessário. Os banco de Wall Street também não estão convencidos de que esse seja o melhor caminho a seguir.
“Um potencial referendo não vinculativo sobre o projeto de lei aumentaria significativamente a incerteza política”, disse Pilar Tavella, economista do Barclays, em nota aos clientes na quarta-feira. “A pressão do mercado poderá levar o governo a mostrar que tem um caminho a seguir com um pacote fiscal revisto, mais cedo ou mais tarde.”
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