Bloomberg — Dirija ao longo do trecho de 390 quilômetros da costa atlântica dos Estados Unidos, saindo de Charleston, na Carolina do Sul, passando pelas terras pantanosas do sul da Geórgia e chegando ao norte da Flórida, e você verá uma das mudanças econômicas mais profundas no país hoje.
Bem-vindo ao Novo Sul.
Fábricas de veículos elétricos e de baterias substituem as florestas de pinheiros nessa região conhecida pela arquitetura cenográfica, a produção de camarão e de mingau de milho. De forma mais ampla, todo o sul, desde o Kentucky até o Texas, é para onde as empresas estão se mudando, onde empregos são criados, e casas, compradas. O avanço não ocorre de forma igual em todas as cidades nem para todos. Mas as implicações para o país como um todo são enormes.
Os números contam a história. Pela primeira vez, seis estados de rápido crescimento no sul - Flórida, Texas, Geórgia, Carolinas do Norte e do Sul e Tennessee - contribuem mais para o PIB nacional do que o Nordeste, com sua região de Washington-Nova York-Boston, segundo dados governamentais que remontam aos anos 1990. A mudança ocorreu durante a pandemia e não mostra sinais de reversão.
Uma enxurrada de migrantes ajudou a direcionar cerca de US$ 100 bilhões em renda nova para o Sudeste apenas em 2020 e 2021, enquanto o Nordeste perdeu cerca de US$ 60 bilhões, com base em uma análise de dados recentemente publicados pelo Internal Revenue Service, a Receita Federal do país.
O Sudeste respondeu por mais de dois terços de todo o crescimento do emprego nos EUA desde o início de 2020, quase o dobro de sua participação pré-pandemia. E abriga 10 das 15 cidades americanas de grande porte que mais cresceram.
Companhias também se dirigem para lá, de acordo com dados do Census Bureau, com um número recorde de empresas que se mudaram para o sul após a pandemia.
A Dun & Bradstreet foi uma delas.
A empresa, fundada há 182 anos pelo abolicionista Lewis Tappan, tinha sede em Short Hills, Nova Jersey, até recentemente. Sua localização era considerada uma grande vantagem para uma empresa de informações financeiras com fortes vínculos com Wall Street.
Mas, em 2021, a empresa se mudou para Jacksonville, na Flórida, na extremidade sul desse trecho costeiro de 390 quilômetros.
Jacksonville não possui o dinheiro e o prestígio de Gable Estates, Fisher Island e outras enclaves elitistas do sul da Flórida. Parte do centro está vaga e sem vida.
O condado de Duval, ao redor de Jacksonville, sofre com a maior taxa de criminalidade do estado. E, apesar do carinho dos moradores por pontes de treliça de aço, elas e o grande porto proporcionam a Jacksonville uma sensação industrial que não é encontrada nas cidades mais glamorosas da Flórida.
Benefícios fiscais generosos
O que Jacksonville tem é um poderoso chamariz para empresas e pessoas que procuram trabalhar para elas. No caso da Dun & Bradstreet, isso incluiu um pacote de incentivos financeiros e fiscais de US$ 100 milhões.
O diretor financeiro Bryan Hipsher disse que a empresa teria ficado feliz em permanecer na área de Nova York. Mas a oferta na Flórida foi boa demais para recusar.
“Você se sente muito desejado, certo?” disse Hipsher em uma entrevista a partir da nova sede cercada de palmeiras, a minutos da praia. “Você se sente muito bem-vindo, claramente.”
O salário médio dos funcionários aqui é de US$ 77 mil por ano, 25% acima da média nacional e muito superior à maioria dos salários locais. No entanto, muitas posições pagam aproximadamente 15% abaixo da média na antiga sede em Nova Jersey.
Jacksonville cresceu tão rápido que superou San Jose em população no ano passado. Boas escolas, incluindo a Universidade da Flórida a uma hora e meia de distância, ajudam a fornecer uma base de funcionários de alta qualidade, disse Hipsher. Hoje, a empresa ainda está contratando - está um pouco abaixo da metade de sua meta de 500 trabalhadores.
Não muito longe dali, a divisão de Jacksonville da Mayo Clinic, o famoso centro médico sediado em Rochester, Minnesota, cresce junto com a cidade. Um novo prédio de oncologia está em construção e, no ano passado, foram adicionados 2.400 funcionários, elevando o total para 9.000.
A mudança da empresa destaca as forças que levaram 2,2 milhões de pessoas a migrar para a Flórida e para o Sudeste nos últimos dois anos - uma população quase do tamanho de Houston.
Novo Sul
O termo “Novo Sul” foi cunhado após a Guerra Civil durante um período de transição econômica para a região que antes era proprietária de escravos. “O Sul sempre esteve se reinventando”, disse Gavin Wright, historiador econômico que estuda a economia do sul. “Cada geração parece ter seu ‘Novo Sul’.”
Nas últimas décadas, o clima mais quente, os impostos mais baixos, as regulamentações mais flexíveis e as moradias mais baratas atraíram empresas e aposentados. Mas esse crescimento econômico na região do Sun Belt durante a pandemia é mais amplo em escopo.
“Você poderia jogar um dardo em qualquer lugar do mapa do Sul e acertar um lugar em crescimento”, disse Mark Vitner, um economista aposentado da Wells Fargo que agora lidera sua própria consultoria econômica, a Piedmont Crescent Capital, em Charlotte, na Carolina do Norte.
Nashville, onde a empresa de gestão de ativos AllianceBernstein se mudou há alguns anos, se tornou a “supernova” imobiliária do país, segundo pesquisas da PricewaterhouseCoopers e do Urban Land Institute.
Houston, Atlanta e Charlotte, há muito tempo a sede do Bank of America (BAC), estão entre os 10 principais destinos de mudança em todo o país, segundo a Penske Truck Rental - todos à frente da cidade em rápido crescimento, Austin.
E ninguém supera Fort Worth, Texas, perto de Dallas, a cidade de crescimento mais rápido do país de acordo com os dados mais recentes do Census Bureau.
“Agora temos mais funcionários no Texas do que no estado de Nova York. Não deveria ser assim”, disse Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase (JPM), à Bloomberg TV em uma visita ao Sul no início deste ano.
Novas fábricas
De volta à costa sul do Atlântico, os sinais de crescimento explosivo estão por toda parte ao longo da rodovia Interestadual 26, que leva a Charleston, Carolina do Sul, uma cidade de 150 mil habitantes com uma rica história de 350 anos. Nessa importante conexão com o porto, as fábricas de veículos elétricos e as comunidades planejadas substituem as florestas gerenciadas por empresas madeireiras por décadas.
Moradores de estados do Nordeste do país se mudando para lá, e, surpreendentemente, também os californianos. O emprego na área metropolitana de Charleston cresceu 5,9% no ano passado, o dobro da média nacional.
Uma empresa de Nevada, a Redwood Materials, está em fase de construção de uma fábrica de componentes para veículos elétricos de US$ 3,5 bilhões a 40 minutos a noroeste de Charleston, depois que uma fábrica da Volvo foi inaugurada há cinco anos.
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