Bloomberg — Com adversários dispersos e cambaleantes, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tomou posse para um terceiro mandato de seis anos nesta sexta-feira (10), ignorando a condenação internacional a uma eleição com indícios de fraude e uma repressão brutal à dissidência.
Maduro, 62 anos, foi declarado sem provas como o vencedor da votação de julho passado por uma autoridade eleitoral composta por seus indicados. Ele prestará o juramento presidencial em Caracas na ausência de aliados outrora próximos, como o colombiano Gustavo Petro e o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, destacando o quão isolado se tornou no sombrio rescaldo da eleição.
Meses de intimidação forçaram os oponentes mais proeminentes de Maduro a escolher se querem comprometer sua segurança para desafiar o regime. Edmundo González, que mostrou evidências de que obteve quase 70% dos votos no ano passado, fugiu posteriormente para a Espanha sob ameaça de prisão.
Ele prometeu retornar à Venezuela na sexta-feira para assumir a presidência, apesar das ameaças do governo de derrubar seu avião ou prendê-lo ao chegar.
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Desde a eleição, Maduro prendeu milhares de seus críticos e expurgou do país o que restou da oposição. Estima-se que cem líderes da oposição e muitos outros ativistas da Plataforma Unitária tenham fugido do país desde o final de julho. Pelo menos 25 mandados de prisão contra líderes da oposição foram emitidos no primeiro mês após a eleição. Dezenas de passaportes foram cancelados.
Repressão e crítica internacional
As tensões atingiram um novo pico na quinta-feira (9), quando assessores de María Corina Machado, a líder mais popular da oposição, disseram que ela foi detida por cerca de duas horas depois de fazer sua primeira aparição pública em meses. Machado venceu as primárias da oposição para 2023, mas foi impedida de concorrer e escolheu González como seu candidato substituto.
Embora Machado tenha sido libertada, sua detenção abalou os apoiadores porque o regime de Maduro vem reprimindo os oponentes com vigor renovado.
Pelo menos duas dúzias de autoridades da oposição e ativistas de direitos humanos foram detidos desde o início do ano, incluindo um parente de González e Enrique Márquez, um crítico severo das políticas de Maduro e ex-vice-presidente da Assembleia Nacional liderada pela oposição.
Na madrugada de sexta-feira, o governador de Tachira, Freddy Bernal, disse que a Venezuela fecharia sua fronteira com a Colômbia por 24 horas devido a uma "conspiração internacional".
A campanha de intimidação pode ser uma tentativa de Maduro de mostrar força, mas também pode ser vista como um sinal de vulnerabilidade, disse Geoff Ramsey, membro sênior do Atlantic Council, de Washington, DC. Os linha-dura de seu governo ganharam terreno, e os que defendem algum tipo de acordo com Washington se enfraqueceram.
"Maduro não se sente nada seguro neste momento", disse Ramsey.
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O governo de Joe Biden já respondeu à repressão de Maduro com novas sanções, e o presidente dos EUA se reuniu com González no início desta semana. Seu sucessor, Donald Trump, deixou claro pela primeira vez na quinta-feira que apoia Machado e González, referindo-se a este último como "presidente eleito".
Petro, da Colômbia, o visitante mais frequente de Maduro entre os líderes mundiais nos últimos anos, disse no início desta semana que não compareceria à posse de sexta-feira, citando as recentes prisões. Apesar de seus laços históricos, Lula pediu que Maduro liberasse as cédulas para provar sua suposta vitória.
Ramsey apontou a resposta exagerada das forças de segurança venezuelanas aos protestos de quinta-feira como um sinal de como Maduro se sente ameaçado. "É fácil superestimar a força de Maduro neste momento, mas ele está exigindo muito das forças militares e de segurança."
Efeito Trump
Ainda assim, Maduro é um sobrevivente que resistiu a condições econômicas catastróficas e ao ostracismo de grande parte do mundo ocidental. Somente nesta semana, ele mostrou sua cartilha para manter a população sob controle, apesar de ela ter votado contra ele.
O regime ofereceu uma recompensa de US$ 100 mil por informações que levassem à captura de González, publicando sua foto em cartazes de “procurado” que distribuiu nas mídias sociais e em toda a capital venezuelana, Caracas. As forças de segurança fortemente armadas e as gangues de motociclistas pró-governo, conhecidas como “gangues de motociclistas”, também foram mobilizadas nas principais cidades.
Durante os protestos de quinta-feira, as forças do regime, vestidas com equipamentos de choque, usaram gás lacrimogêneo para tentar dispersar as multidões em Caracas, Maracaibo e Valência. A multidão agitava a bandeira, buzinava e apitava, e alguns gritavam: "Este governo vai cair".
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Trump elogiou os manifestantes contra o regime em sua postagem nas redes sociais na quinta-feira, pedindo que Machado e González permaneçam “seguros e vivos”. Seus comentários - e suas escolhas de gabinete hawkish - sugerem que ele poderia adotar uma linha tão dura quanto a que adotou contra Maduro durante seu primeiro mandato.
Mas depois de vencer as eleições nos EUA com base em uma plataforma de deportação de migrantes sem documentos, Trump também pode se sentir tentado a fazer um acordo com Maduro em troca de aceitar aviões cheios de venezuelanos que seguiram para o norte. Maduro, por outro lado, tem dito repetidamente que espera que a presidência de Trump melhore as relações entre os dois países.
Economia
Os títulos venezuelanos têm subido junto com outros créditos de alto rendimento, atingindo seus níveis mais altos desde agosto nesta semana, com as notas soberanas com vencimento em 2027 sendo negociadas acima de US$ 0,17, de acordo com traders e dados indicativos de preços compilados pela Bloomberg.
Alguns analistas, como o economista Alejandro Arreaza, do Barclays, dizem que os investidores estão recorrendo à negociação apenas para ter a “opção” de um possível catalisador que possa desencadear uma mudança de regime.
Mesmo que os EUA se recusem a reconhecer a presidência de Maduro, a oposição, outrora fervorosa, é uma casca de si mesma, fazendo com que seus esforços para tirá-lo do poder pareçam cada vez menos viáveis.
A Venezuela realizará eleições parlamentares e regionais para governadores, prefeitos e outros legisladores no final deste ano, dando a Maduro uma maneira de solidificar ainda mais seu controle sobre o país nos próximos anos.
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