Retorno de Trump à Casa Branca lança dúvidas sobre atuação e futuro do Fed

Promessas de campanha do presidente eleito ameaçam alterar o ambiente econômico e o cálculo da política monetária; ele também disse que deveria exercer influência sobre os juros

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Bloomberg — A vitória de Donald Trump na disputa presidencial de terça-feira (5) gera profundas incertezas sobre as perspectivas econômicas dos Estados Unidos, o que pode alterar o cálculo da política do Federal Reserve nos próximos meses.

Ao mesmo tempo, renova as perguntas sobre a intensidade com que o presidente eleito poderá pressionar o banco central americano durante seu segundo mandato na Casa Branca.

Em sua campanha, Trump prometeu aplicar tarifas de importação de forma mais agressiva contra os parceiros comerciais dos Estados Unidos, deportar milhões de imigrantes sem documentação e prolongar o prazo dos cortes de impostos adotados em de 2017.

As políticas, se implementadas, poderiam pressionar os preços e os salários e ampliar o déficit fiscal, de acordo com muitas estimativas.

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Isso complicaria o trabalho do Fed, já que as autoridades buscam reduzir a inflação para sua meta de 2% e, ao mesmo tempo, proteger o mercado de trabalho.

Em meio a essa tarefa delicada, o banco central poderia ficar sob um holofote político desconfortável caso Trump seguisse seu padrão anterior de atacar publicamente o presidente do Fed, Jerome Powell.

Na quinta-feira (7), espera-se que as autoridades do Fed reduzam a taxa de juros básica em 0,25 ponto percentual, uma medida que virá na esteira de um corte de meio ponto em setembro.

Eles projetaram mais um corte de 0,25 ponto este ano, em dezembro, e mais 1 ponto de reduções em 2025, de acordo com a estimativa mediana divulgada em setembro.

Entretanto, os formuladores de políticas podem agora abordar a questão de quando e quanto cortar com mais cautela, pois avaliam como as propostas econômicas de Trump serão transformadas em políticas reais, disse Derek Tang, economista da LH Meyer/Monetary Policy Analytics.

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“Na margem, eles podem pensar que poderemos ter um risco maior de inflação nos próximos anos com tarifas de importação ou menor imigração”, disse Tang.

“A psicologia deles pode ser: ‘ao cortar um pouco mais lentamente, isso nos dá um pouco mais de tempo para observar o que realmente está acontecendo com as expectativas de inflação e o mercado de trabalho’.”

Powell quase certamente enfrentará perguntas sobre como a eleição afeta as perspectivas do Fed quando der uma entrevista coletiva às 14h30 de quinta-feira, após a reunião desta semana do Comitê Federal de Mercado Aberto.

O presidente do Fed já atraiu a ira de Trump durante seu primeiro mandato presidencial. As críticas continuaram, com Trump dizendo, em agosto, que Powell tinha sido “um pouco adiantado demais e um pouco atrasado demais” nas decisões de política monetária.

Trump também disse acreditar que os presidentes deveriam “opinar” sobre a política de taxas de juros do Fed e sugeriu que os formuladores de política monetária agiram por motivos políticos quando reduziram as taxas em meio ponto percentual a mais do que o normal em setembro.

Em uma entrevista em outubro com o editor-chefe da Bloomberg News, John Micklethwait, Trump disse posteriormente que não acha que deveria poder dar ordens ao Fed sobre o que fazer, mas que tem o direito de comentar sobre a direção das taxas de juros.

A retórica, no entanto, alimentou especulações de que ele poderia tentar restringir a autonomia do Fed e acabar com uma prática de décadas que permite que o banco central conduza a política monetária independentemente do poder executivo.

Durante o primeiro mandato de Trump, ele cogitou demitir Powell, uma medida que teria sido sem precedentes e legalmente questionável, de acordo com juristas.

O Fed tem barreiras que poderiam protegê-lo contra a interferência presidencial. As nomeações de um presidente para o Conselho de Governadores do Fed devem ser confirmadas pelo Senado, e os comitês do Congresso mantêm a supervisão do banco central, por exemplo.

Powell e outras autoridades garantiram repetidamente ao público que pretendem ficar fora da política partidária e não levam em conta considerações políticas em suas decisões.

Semeando dúvidas

Ainda assim, as críticas públicas e veementes de um presidente ao Fed podem semear dúvidas, disse Sarah Binder, professora de ciência política da Universidade George Washington.

"Certamente existe essa independência estrutural", disse Binder. Mas "nenhum grau de isolamento estrutural pode protegê-lo se as pessoas começarem a duvidar de que ele fará o que diz que vai fazer".

Alguns dos assessores de Trump têm se manifestado contra as preocupações de que ele poderia tentar interferir no Fed.

“Minha impressão: ele não quer estar na sala. Ele só quer ser uma voz que seja ouvida”, disse Scott Bessent, um dos principais assessores econômicos de Trump e executivo-chefe do fundo de hedge Key Square Group.

“Ele entende que a independência do banco central ancora as expectativas de inflação de longo prazo, que ancoram as taxas de longo prazo”, disse ele em uma entrevista em outubro à Bloomberg News.

Kevin Hassett, que atuou como presidente do Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca durante o primeiro mandato de Trump, disse em uma entrevista ao Goldman Sachs divulgada em outubro que as suspeitas de coordenação entre o Fed e o poder executivo "devem ser levadas a sério, e o próximo governo deve escolher uma liderança neutra para o Fed".

A maneira mais direta de Trump influenciar o Fed virá por meio de nomeações de diretores importantes nos próximos anos.

Ele já disse que não reconduzirá Powell, cujo mandato como presidente do Fed termina em maio de 2026. O mandato da governadora do Fed, Adriana Kugler, expira em janeiro de 2026, enquanto a vaga de Powell como governador será aberta em janeiro de 2028. Trump terá a oportunidade de nomear os indicados para cada um desses cargos.

Fontes próximas à campanha de Trump, incluindo Bessent, disseram que Hassett poderia ser a eventual escolha de Trump para presidente.

O presidente eleito também poderá nomear um vice-presidente para a supervisão - uma função regulatória poderosa que supervisiona os maiores bancos do país.

O presidente Joe Biden ocupou o cargo com Michael Barr, cujo mandato termina em julho de 2026. Barr foi duramente criticado pelo setor bancário e pelos republicanos por causa de uma proposta inicial para aumentar o capital que os bancos são obrigados a manter. O Fed e outros órgãos reguladores agora revisam o plano.

Os ocupantes recentes do cargo de Barr renunciaram logo após a eleição de um presidente do partido oposto, escreveu Michael Feroli, economista-chefe do JPMorgan Chase nos EUA, em um relatório de research de outubro.

Se Barr "seguir esse precedente após a vitória de Trump, o novo presidente poderá influenciar rapidamente a política regulatória, mesmo que sua influência sobre a política monetária seja menos imediata", disse Feroli.

-- Com a colaboração de Reade Pickert.

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